Antes dos portugueses, os “Cara Preta” mandavam no norte de Goiás e no Sul do Tocantins

Tenho publicado alguns textos resgatando a história da nossa gente, a história de quem é do norte de Goiás e do sul do Tocantins.

Recentemente, falamos da chegada do capitão português Domingos Antônio Cardoso, que primeiro aportou em Niquelândia (GO), antes chamada de São José do Tocantins, depois se fixou em Arraias (TO) e Cavalcante (GO).

Mas antes de os portugueses chegarem a Goiás, por volta de 1725, com as Bandeiras de São Paulo, quem habitava essa mata de cerrado, rios e cachoeiras? que ser humano, que gente morava por essas bandas?

Nessa região morava um povo bravo, destemido, acostumado ao sol e aos rios. Tinham os olhos puxados, como os meus, semelhantes aos olhos dos vietnamitas, olhos mongoloides: eram os Avá-Canoeiros.

Recebiam o nome de Avá-Canoeiros porque eram hábeis com as canoas, nos rios Paranã, Maranhão, Tocantins e Araguaia.

Sim, tenho orgulho dos meus olhos puxadinhos dos “Cara-Preta”. Também recebiam essa alcunha porque era índios de pele escura, como os africanos.

Foram ferozes na luta por suas terras, contra os portugueses que só queriam ouro, prata e diamante. Resistiram enquanto puderam.

Conforme explica a professora Patrícia de Mendonça Rodrigues, doutora em Antropologia pela Universidade de Chicago (EUA), os últimos embates ocorreram recentemente, há cerca de 50 anos, em 1974.

A presença dos Avá-Canoeiro incomodava enormemente os fazendeiros do médio Araguaia e do alto Tocantins em razão dos abates de animais domésticos, como bois e cavalos, hábito adquirido no século XVIII.

“Na segunda metade dos anos 60, novos massacres notórios dos Avá-Canoeiro do alto Tocantins, como o da Mata do Café, no Município de Uruaçu, e reclamações de fazendeiros locais sobre o abate de bovinos e equinos, levaram a 7ª Delegacia Regional da FUNAI, o novo órgão indigenista, a instalar uma Frente de Atração em 1971, no Município de Cavalcante, no alto Tocantins, que previa longas peregrinações por amplas áreas até atingir o Rio Javaés, na bacia do Araguaia.

Há vários anos os fazendeiros do vale do Rio Javaés solicitavam sem sucesso à FUNAI que tomasse alguma providência em relação aos “Cara Preta””.

Ela conta que uma equipe da FUNAI, acompanhada de quatro índios Xavante, que encontraram o local do acampamento dos 11 Avá-canoeiro no Rio Caracol, precipitou-se e entrou atirando e soltando fogos de artifício. Uma criança foi baleada, falecendo dias depois, fato omitido dos boletins oficiais da época.

Depois dos tiros e dos fogos de artifício, parte do grupo conseguiu fugir, enquanto outra parte permaneceu no lugar a contragosto, seguindo a liderança de Tutawa, que decidiu se entregar, não porque confiou nos sertanistas, conforme o boletim oficial inverossímil produzido em 1973, que descreveu uma improvável “confraternização” entre índios e indigenistas, mas porque foi solidário com sua esposa e seu filho pequeno, os mais frágeis do grupo, que haviam sido capturados à força.

Ainda de acordo com a antropóloga, os seis índios capturados, dois homens, uma mulher e três crianças, foram amarrados sob a mira das armas de fogo dos Xavante – que manifestaram a intenção de matar os Avá-Canoeiro, pois um Xavante havia sido ferido com uma flecha, conforme seria reconhecido pelo próprio Apoena em suas memórias tardias – e levados para o Capão de Areia, onde a FUNAI montou seu acamamento, e depois para a sede da Fazenda Canuanã, com a certeza de que seriam mortos.

“As quatro pessoas que fugiram dessa primeira investida da equipe da FUNAI foram contatadas seis meses depois, em 1974, com a ajuda de um dos caçadores de índios da Fazenda Canuanã, que foi integrado à equipe da FUNAI, e do próprio Tutawa, que foi induzido a acreditar, equivocadamente, que ele e sua família poderiam viver em paz em seu território se colaborassem com os sertanistas.

No primeiro mês após a rendição final, os Avá-Canoeiro recém-contatados estavam em choque intenso e em estado de saúde deplorável, conforme os relatórios médicos da época”.

Em 1700, antes dos portugueses, os Avá-Canoeiro estavam morando nas matas de galeria das margens das cabeceiras do Rio Tocantins, conhecido como Rio Maranhão em seu alto curso, uma região de planalto, quando foram encontrados pelos primeiros colonizadores do Brasil Central na segunda metade do século 18.

Em razão dos massacres violentos, os Avá-Canoeiro iniciaram um processo irreversível de mudança das matas junto aos rios, onde andavam em canoas e estavam mais expostos aos colonizadores.

Parte do grupo continuou vivendo na região de cabeceiras do Rio Tocantins, como refugiados em lugares inóspitos, quando teve a população reduzida drasticamente, enquanto outra parte deslocou-se, ao que tudo indica, em grupos separados, para a bacia do Rio Araguaia, o principal afluente do Rio Tocantins.

Para conhecimento, o Rio Tocantins recebe este nome após o encontro do Rio Maranhão (Uruaçu) com o Rio Paranã.

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