Associação do Quilombo Brejão busca fortalecer comunidade existente em Campos Belos (GO)

Por Roberto Nabofarzan, de O Vetor

Ao contrário de comunidades como as de Monte Alegre de Goiás, Teresina e Cavalcante, que são muito conhecidas, a comunidade moradora no Quilombo do Brejão, em Campos Belos (GO), busca se inserir na pauta de ações dos governos municipal, estadual e federal, visando o desenvolvimento socioeconômico e identidade cultural das famílias que ali residem.

Embora fosse tida como uma Comunidade de Negros, as famílias moradoras no Brejão só foram reconhecidas como descendentes de Comunidade Quilombolas no dia 04 de março de 2004, com a certificação aprovada pela Fundação Cultural Palmares.

Uma das boas iniciativas para que essas pessoas tenham sua luta reconhecida foi a criação da Associação Comunidade Quilombola Brejão – ACQB, oficializada no dia 02 setembro de 2018, com a eleição de sua primeira diretoria.

Na ocasião, com a presença de importantes lideranças quilombolas, como a Superintendente da Secretaria Estadual Pela Igualdade Racial em Goiás – SEPIR-GO, Martha Ivone, a ativista da causa quilombola, Maria Helena Kalunga e o coordenador de avaliação institucional da UEG, professor Luiz Marles Gonçalves dos Santos; a jovem estudante de pedagogia, Daiane Serafim do Carmo, foi eleita Presidente, o professor José Dias Assunção Neto, vice-presidente, o então diretor da UEG – Campos Belos, professor Adelino Soares Santos Machado, 1º secretário, Higo Serafim de Souza, 2º secretário, Ilia Menezes dos Santos Xavier, 1ª tesoureira, Malcivan Serafim do Carmo, 2º tesoureiro. O Conselho Fiscal formado por Almeçor dos Santos Reis, Emival Rodrigues de Deus, Leonardo Antônio Cardoso e Delmário Xavier dos Santos.

Até a criação da Associação Comunidade Quilombola Brejão – ACQB, os moradores do Brejão eram tidos como membros de uma Comunidade de Negros, mas não eram reconhecidos e respeitados como uma Comunidade Remanescente de  Quilombo, nem incluídos nas políticas públicas voltadas para essas populações, que buscam reparar injustiças contra uma gente que faz parte das raízes do povo brasileiro.

A criação da Associação chegou para fortalecer pequenos, mas importantes passos dados em favor da localidade, entre eles a instalação da energia elétrica, que aconteceu n’um esforço conjunto entre o professor José Dias Assunção e a superintendente Martha Ivone, pouco tempo antes da ACQB ser oficializada.

Infelizmente, nem mesmo a população moradora na região nordeste de Goiás, e até mesmo grande parte dos moradores de Campos Belos, sabem da existência da Comunidade Quilombola do Brejão.

Não conhecem suas origens e suas lutas, seus pioneiros, com suas histórias de vida, e que muitas delas se entrelaçam com a história do próprio município.

Em 02 de setembro de 2018, durante o ato de oficialização da diretoria da ACQB, ao lado da Capela de São Mateus, padroeiro da comunidade, o professor Adelino Machado deu um emocionante depoimento, lembrando sua infância na localidade, do convívio de seu pai, senhor Guilhermino, com pais e avós de muitos dos presentes àquela plenária, realizada sob um galpão, parte dele sob a sombra de uma velha mangueira,

“Estou aqui para colaborar com vocês que são também meus irmãos! Aprendi a brincar com Eva e Adão, filhos de seu Zeca, na saída do Barreirão. Depois aprendi a jogar bola e estudar no Povoado Barreirão, com o professor José Dias. Minha relação com essa comunidade é de irmandade, é de sangue, e por isso estamos juntos na mesma luta. Além disso, quero colocar o Campus da UEG à disposição da Associação Comunidade Quilombola Brejão para realizarmos parcerias com a comunidade. Enquanto eu for diretor o Campus da UEG será parceiro nessa luta.” Frisou, a época, o professor Adelino Machado.

Naquela ocasião, a Superintendente da Secretaria Estadual Pela Igualdade Racial em Goiás, Martha Ivone, também se posicionou sobre a importância da organização da Associação e sobre sua satisfação em poder colaborar com o momento histórico vivido pela Comunidade Quilombola do Brejão;

“Conheci e me identifiquei com a simplicidade e beleza dessa gente que aqui mora. Estamos aqui para confirmar o valor e reafirmar os direitos de um povo que construiu este país, mas foi ao longo da história alijado dos benefícios e das riquezas que nós mesmos produzimos. Eu vou contar para vocês: a história do nosso país é manchada com o nosso sangue nos açoites da escravidão. Primeiro tentaram escravizar os índios, não conseguiram.

Depois foram até a África e de lá nos trouxeram comprados, como se compra animais. Mas quem nos vendeu não foram brancos, foram povos negros que vendiam outros povos negros. E assim eram trazidos como mercadoria e transportados pelos mares. Faziam embarcação de negros com galinhas de Angola, por exemplo.

Para distrair a fiscalização colocavam as galinhas por cima e os negros homens e mulheres no porão. Desembarcavam no porto que, por isso recebeu o nome de Porto de Galinhas. Hoje estamos aqui refugiados nos quilombos!” descreveu, emocionada.

Martha Ivone ainda falou, a época, sobre a importância da organização em Associações e de sua luta para organizar as comunidades em todo o Estado de Goiás, onde já existem mais de 170 delas, identificadas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares.

Naquela data, dia da oficialização da diretoria da ACQB, a líder Quilombola, Maria Helena Kalunga, já alertava para as dificuldades a serem enfrentadas. “Não basta criar a Associação. É preciso lutar e lutar muito, enfrentar dificuldades com os próprios irmãos, e a falta de dinheiro, a falta de apoio e tudo mais que virá daqui pra frente”, ressaltou Maria Helena.

A realidade, nos dias atuais, é que a busca pelo reconhecimento da identidade cultural e pelo desenvolvimento socioeconômico  da Comunidade Quilombola do Brejão, respeitando suas raízes, suas tradições e crenças, se fortalece com o trabalho da ACQB.

Raízes do Quilombo do Brejão

No desenvolvimento de seu currículo escolar, focado sempre na defesa de suas origens, a estudante de Pedagogia e presidente da Associação Comunidade Quilombola Brejão, Daiane Serafim do Carmo, aponta que, segundo contam membros mais velhos da comunidade Brejão, ela originou-se de um grupo de seis irmãos, filhos de escravos, que vieram da região de Arraias e Paranã ( a época estado de Goiás e hoje estado do Tocantins), por volta dos anos 1880 a 1890, e se agruparam com índios, brancos e mestiços da região.

As terras onde esses primeiros fundadores escolheram para viver eram comuns, ou seja, não tinham donos e nem cercas, os animais eram criados soltos nas matas, eram colocados chocalhos nos rebanhos para facilitar a localização dos animais dentro das matas.

Com o passar do tempo, muitos desses moradores foram obrigados a comprar a terra onde moravam de fazendeiros, que se diziam donos. Outros, devidos as precárias condições de vida, acabaram vendendo seus terrenos por preços irrisórios. Muitas vezes vendiam uma parcela de terra, mas acabavam perdendo parte muito maior para grileiros e coronéis, que se cercavam de jagunços.

Os pioneiros da comunidade viveram durante décadas n’uma situação muito difícil, em situação de isolamento.  Não tinham acesso a locomoção. Os fazendeiros vizinhos não aceitavam construir estradas e pontes, aumentando assim a pressão para que os moradores lhes vendessem suas terras a preço mínimo, quando não as tomavam a força.

As primeiras escolas surgiram na década de 1970, e funcionavam na casa de fazendeiros, através do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), um órgão do governo brasileiro, instituído durante o governo de Costa e Silva, na Ditadura Militar para a alfabetização de adultos.

No caso da região do Brejão, as aulas eram ministradas somente para alunos de mais de 14 anos. O professor lecionava de graça, ou às vezes recebia do fazendeiro. Desse modo, só estudavam os filhos de quem prestava serviços ao fazendeiro, em horário noturno.

Ainda segundo a narrativa de Daiane Serafim do Carmo, no final da década de 1970 passou a funcionar uma escola dentro da comunidade, na casa de uma das pioneiras, a  senhora Bertulina, conhecida carinhosamente por todos como Tia Bertu, uma senhora de cor branca, vinda da região de Cavalcante, casada com o senhor Mamédio, filho de escravo.

A professora era sua filha, Jovita, que foi contratada pelo então prefeito o Domingos Antônio Cardoso. Também na modalidade Mobral, funcionando até 1982.

Foi também o então prefeito Domingos Antônio Cardoso que, no final de seu segundo mandato, em 1992, que implantou a Escola Municipal Brejão.

Logo na sequência, em 1993, no governo do prefeito Fernando Júlio Terra, deu-se inicio as aulas de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, criando também o transporte escolar dos alunos de 5ª a 8ª série para a escola municipal do Povoado Barreirão.

Fonte e texto: O Vetor

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