Famosos furam isolamento e aproveitam Chapada dos Veadeiros durante pandemia

Em um mês de maio corriqueiro, a Chapada dos Veadeiros estaria se preparando para a alta temporada. É no início da seca que o movimento de turistas aumenta. 

Os viajantes chegam de todas as partes do mundo – principalmente de Brasília, distante 200 quilômetros – para reverenciar as famosas paisagens e cachoeiras, ainda mais belas e convidativas após o período chuvoso.

Este ano, no entanto, a região considerada um dos principais refúgios dos moradores da capital federal, está deserta. Ou, pelo menos, deveria estar.

Para preservar a saúde da população das cidades que compreendem a Chapada do coronavírus, atrativos naturais, hotéis, pousadas, áreas de camping e restaurantes estão proibidos de funcionar.


Até o momento, nenhum caso de Covid-19 foi confirmado nos municípios de Alto Paraíso e Cavalcante, mas o esforço visa manter a curva de contaminação no zero, uma vez que a estrutura hospitalar não tem condições de enfrentar um cenário de transmissão comunitária. 

Em Campos Belos, que também faz parte da microrregião da Chapada dos Veadeiros, foram registrados 14 casos em apenas nove dias.

A intenção de bloquear o acesso é justificável, mas, com uma economia ancorada basicamente no turismo e na prestação de serviços, as mesmas medidas que protegem colocam as famílias diante de um cenário de vulnerabilidade e medo.

Todos relatam tempos difíceis, de empresários a guias autônomos e agricultores familiares, que fornecem alimento para restaurantes e pousadas.
Portas fechadas

No Bar do Pelé, um dos principais pontos de encontro em São Jorge, o pátio antes disputado por dezenas de mesas e cadeiras segue vazio há dois meses. 


Considerado parada obrigatória por quem frequenta a vila, o bar fundado em 1984 por Valdir Silva, o falecido Pelé, é a única fonte de renda da família, chefiada, agora, por Natalina Batista, de 51 anos.

“Não sabemos o que fazer”, desabafa a viúva. 


“Em São Jorge, pelos menos mil famílias não têm como sobreviver com tudo fechado. Nos perguntamos: como um lugar tão lindo pode virar uma cidade fantasma?”.

Sem previsão para retomada do turismo, as estratégias de marketing não têm funcionado. “Fiz uma ação em que as pessoas compravam a hospedagem com 50% de bônus, mas poucos interessados me procuraram. 

Com isso, tivemos que suspender o contrato com três funcionários. E muitos colegas precisaram fazer o mesmo”, conta Bruno Mello, proprietário da hypada pousada de camping Taiuá Ambiental.

O empresário explica que as características climáticas do cerrado tornaram o problema ainda mais crítico. 


“Saímos de um período chuvoso e bem intenso com uma quantidade baixa de turistas. De repente, tivemos que fechar. É diferente de quem está empreendendo na praia”, avalia.

No município de Cavalcante, guias turísticos também sofrem com o cenário de incertezas. 


“Está muito difícil, já estou entrando em desespero”, lamenta Cristina Sangalo, conhecida por guiar artistas famosos pelas cachoeiras da região. “Tenho uma casa de temporada, todos os dias alguém de Brasília me procura para alugar, mas não podemos”, conta.

Medidas ignoradas

O momento exige sacrifícios da população e bom senso dos turistas. No entanto, muitos dos que deveriam dar exemplo – e, por vezes, usam as redes sociais para exaltar a cultura e o modo de vida da região – têm ignorado as medidas de proteção e colocado as comunidades locais em risco.

É o caso do ator Henri Castelli, flagrado na semana passada em uma barreira sanitária em São João d’Aliança, no portal da Chapada dos Veadeiros. 


Segundo informações da prefeitura de Alto Paraíso, o ator alegou que estava indo realizar um trabalho e seguiu para o vilarejo de São Jorge.

Procurada, a assessoria de imprensa do ator informou que Castelli “estava em Goiânia fazendo um trabalho social’. Depois, “ele foi a Cavalcante, para a fazenda de um amigo que está vazia, fechada, fotografar para essa ação”.


Em Goiânia, Henri foi fotografo junto a vários amigos em um churrasco, ignorando a distância mínima recomendada e sem usar máscara de proteção.

Moradores também relataram ter visto o cantor Mateus, da dupla com Jorge, na região. O sertanejo até postou um clique em uma famosa casa de vidro, disponível para aluguel na internet.

Já a esposa de Mateus, a médica Marcella Barra, publicou o registro de uma visita a uma cachoeira, localizada próxima à propriedade. Vale lembrar que tanto os atrativos naturais quanto as pousadas e casas de temporada estão proibidos de funcionar.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa da dupla para questionar quando as fotos foram tiradas e qual o motivo da visita do casal, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.“Não acho perigoso a hospedagem. 


Ele está com a família e isolado, mas é triste ver que algumas pousadas e hotéis continuam abertas sem intervenção e intactas, enquanto outras estão fechadas e sob ameaça de prisão do turista e do anfitrião”, lamentou Gleice Gonçalves Cordeiro, dona de uma pousada em frente à casa que aparece na foto de Mateus.

Ela não concorda com esse tipo de postura, por ser desigual e estimular a vinda de mais turistas. 


“Sabemos que as hospedagens continuam e tem pousadas com condições de hospedar de forma segura, mas, infelizmente, essa realidade não atinge outras pessoas.”

Brasilienses

Além de famosos e influenciadores, a insistência dos brasilienses também preocupa as autoridades locais. 


De acordo com a prefeitura de Alto Paraíso, eles representam a maioria dos veículos que param nas barreiras sanitárias, montadas pelos órgãos municipais. 

A orientação, quando não estão viajando a trabalho, é de que retornem.

Planos de reabertura

Apesar de reconhecerem que não há como suportar a situação por muito tempo do ponto de vista econômico, a prefeitura e o governo estadual alegam não ter como reverter a limitação causada pela estrutura hospitalar. 


Assim, todos os estabelecimentos que não são essenciais permanecerão fechados por tempo indeterminado.

“Compreendo a situação dos empresários, muitos negócios afundando, mas o que nos preocupa é que não temos nenhuma estrutura na área da saúde para pleitearmos a abertura local agora, apesar de o atendimento pelo SUS continuar acontecendo. 


O estado também não tem nenhuma estrutura regional que possa assegurar que nosso cidadão chegue com vida a capital em caso de uma eventual remoção”, frisa o prefeito.

Nos próximos dias, haverá uma consulta junto à população de Alto Paraíso para recolher sugestões que constarão em um plano de reabertura gradativa. As estratégias, no entanto, dependerão de aprovação do Ministério Público.

“O melhor seria fechar a Chapada, mas as pessoas não vão aguentar. Todo mundo depende do turismo para sobreviver. 


Vamos ter que pensar em estratégias, como hospedar apenas membros da mesma família, respeitar distância nos restaurantes, servir todos os alimentos à la carte e controlar a entrada nos atrativos”, opina Gleice.
Solidariedade

Diante da situação, a sociedade civil se mobilizou e lançou a campanha Chapada Solidária, formada por diversas organizações e colaboradores. A rede concentra seus trabalhos na arrecadação de fundos para viabilizar a alimentação de famílias mais vulneráveis.

Com uma campanha iniciada em abril, o grupo arrecadou R$ 44 mil para 350 cestas básicas em apenas quatro dias. A próxima meta, de R$ 152 mil, deverá garantir mais 900 cestas para famílias que estão passando por dificuldades para obter itens básicos de sobrevivência.

Além de garantir a segurança alimentar dos moradores, a iniciativa apoia a economia local, incluindo nas cestas básicas produtos dos agricultores de alimentos orgânicos da região.

“Estamos construindo o diálogo para que o socorro alcance também outras localidades da Chapada dos Veadeiros. São operações complexas, que exigem um fluxograma de acompanhamento logístico, financeiro e de mão de obra voluntária”, explica Amilton Sá, um dos voluntários do projeto.

Interessados em ajudar podem entrar em contato pelo perfil no Instagram da Chapada Solidária. Além de ajuda financeira, eles procuram profissionais e voluntários dispostos a trabalhar. O principal objetivo é fazer esse lugar tão importante para os viajantes sobreviver à crise.


Fonte e texto: Metrópoles 

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