Alto Paraiso (GO): encontro de raizeiros, parteiras, benzedeiras e pajés celebram os saberes tradicionais e a ancestralidade
Raizeiros, parteiras, benzedeiras, pajés e aprendizes dos saberes tradicionais e de cuidado com a saúde estiveram reunidos na sétima edição do RAÍZES, de 23 a 26 de maio, na Chapada do Veadeiros, em Goiás.
A abertura do evento contou com a benção do povo Pankararu e apresentações de música, teatro e homenagens aos mestres dos saberes tradicionais, além da homenagem póstuma à Larissa Galantini, bióloga voluntária do evento e que faleceu em 2023.
O RAÍZES, encontro que acontece desde 2016, é organizado de forma colaborativa por voluntários e tem como missão defender e difundir os saberes e fazeres tradicionais, valorizando mestras e mestres como bibliotecas vivas das ciências ancestrais.
Além dos mestres, muitos jovens participam do encontro. “Acredito que esse conhecimento não pode ficar guardado e deve ser ensinado para não ser esquecido”, ressalta Daniela Ribeiro, bióloga e idealizadora do evento.
Daniela fala com tristeza sobre a discriminação sofrida pelas parteiras, pajés e raizeiros. “Muitos sofrem perseguições religiosas e de outros profissionais de saúde.
O trabalho dos mestres e mestras não é só uma questão de cultura popular, também é de direitos que precisam ser respeitados e o direito de exercer o ofício deles. Por que só o farmacêutico pode vender o remédio? Por que a mulher não pode ter o direito de parir em sua própria casa?”, indaga.
Durante a Roda de Conversa “Raizeiros Parteiras, Benzedeiras e Pajés no âmbito do SUS”, as parteiras relataram a discriminação sofrida em hospitais, a dificuldade de notificação do parto para as parteiras tradicionais e pediram a volta do Programa Nacional das Parteiras.
Apesar das dificuldades enfrentadas pelas parteiras, o Conselho Consultivo do Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) já reconhece o ofício, Saberes e Práticas das Parteira Tradicionais do Brasil como Patrimônio Cultural do país.
Esses saberes, segundo o Instituto, correspondem a uma realidade presente em todo território nacional, passado de geração em geração, mesclando conhecimentos tradicionais, religiosos e de saúde.
Cecília Gonçalves, parteira e raizeira do município de Cavalcante/GO, conta que nasceu “pela mão de parteira” e que aprendeu o ofício com a mãe.
“Meus sete filhos também nasceram pelas mãos de parteiras. Eu sei o cuidado que as parteiras têm na hora do parto. Me sinto honrada e feliz de poder trabalhar nessa área e de estar cultivando essa tradição e usando as técnicas antigas do nosso conhecimento”, ressalta.
Cecília revela a vontade de passar os conhecimentos para outras pessoas e diz que sua vida é dedicada ao Cerrado e aos cuidados com a saúde humana. “Eu vivo das raízes e das plantas. Passo meu tempo preparando os remédios para quem precisa e vou levando minha vida assim. Vivo feliz”, afirma.
O uso de plantas medicinais com propriedades terapêuticas faz parte da cultura de povos de várias partes do planeta. No Brasil a prática não é diferente.
Os povos do Cerrado, por exemplo, formados por indígenas, quilombolas, raizeiras, comunidades tradicionais e outras populações mantém viva a tradição do uso das plantas medicinais para auxiliar no processo curativo e de bem-estar.
O Sistema Único de Saúde (SUS) reconhece a importância das plantas medicinais e a oferta à população, com recursos da União, Estados e Municípios, medicamentos fitoterápicos. Por meio das Farmácias Vivas, projeto do Ministério da Saúde (MS), que une a ciência aos conhecimentos ancestrais, são distribuídos medicamentos fitoterápicos aos usuários do SUS.
No âmbito da Fiocruz, o Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde (ObservaPICS) visa partilhar experiências e estudos acerca dessa modalidade de cuidado com pesquisadores, trabalhadores, gestores e usuários do SUS.
O ObservaPICS reúne pesquisadores e colaboradores técnicos da fundação e de outras instituições do país. Tem apoio do Ministério da Saúde e conta com a parceria da Biblioteca Virtual em Saúde em Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas em Saúde (BVS-MTCI-Bireme), do Consórcio Acadêmico Brasileiro para a Saúde Integrativa e da Rede PICS Brasil.
Participação da Fiocruz – A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem estudos no âmbito das plantas medicinais e, esse ano, por meio da iniciativa Prospecção Fiocruz Cerrados, uma equipe da Coordenação de Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) e da Fiocruz Brasília participou do encontro Raízes.
A equipe acompanhou diversas atividades com objetivo de produzir um relatório técnico sobre as experiências relatadas. O evento também foi acompanhado por uma equipe do Canal Saúde que produziu um programa contando o que aconteceu no encontro.
Para o coordenador de Saúde e Ambiente da VPAAPS, Guilherme Franco Netto, o encontro tem relevância fundamental, pois as práticas e pensamentos fazem uma relação estreita da humanidade com a natureza e vice-versa.
“Na perspectiva da sustentabilidade, os relatos dos participantes do evento deixam claro a necessidade de ter uma ação mais territorial”, afirma.
Segundo Guilherme, as práticas desses profissionais fazem uma estreita relação da humanidade com a natureza e vice-versa.
“Tivemos a oportunidade de vivenciar soluções completamente baseadas na natureza e que nos fizeram refletir sobre a relação desses profissionais com o SUS. Esse é o sentido da presença da Fiocruz neste encontro que demonstra a potência de práticas que existem no Brasil, e para que possamos contribuir da melhor maneira possível”, afirma.
Além da equipe da Fiocruz, também estiveram presentes no encontro representantes do Ministério da Saúde e de secretarias de saúde estadual e municipal.
Saída de campo – Cerca de 400 pessoas participaram da saída de campo realizada no Santuário Fazenda Volta da Serra. Durante um quilômetro caminhando a pé até as cachoeiras, foi possível conhecer diversas espécies de plantas encontradas no Cerrado, entre elas a carqueja, a aroeira e o alecrim.
A cada parada os mestres e mestras mostravam as riquezas do bioma e explicavam sobre as propriedades de cada planta observada, uma verdadeira aula a céu aberto. A caminhada foi finalizada com benzimentos no rio São Miguel.
Importante destacar que a caminhada foi iniciada com uma grande roda, na qual os participantes enfatizaram a importância do Cerrado e o compromisso de não devastar o bioma, de não poluir, ou envenenar suas águas e seu solo.
Preservação do Cerrado – Na “Roda de partilha de saberes com Benzedeiras, Benzedores e Pajés”, o mestre Arnaldo dos Santos Rosa relatou sobre os conhecimentos que adquiriu ao longo dos seus 40 anos das plantas do Cerrado e uso medicinal delas. Em sua fala, disse ter abandonado os estudos muito cedo devido ao racismo sofrido na escola, mas que a vida no Cerrado lhe oportunizou conhecimentos que não estão nos livros.
Arnaldo se considera um guardião do Cerrado e defende a preservação do bioma mais desmatado no Brasil. “O Cerrado é a nossa vida. Nele está a nossa água e imagina a nossa vida sem água. É muito importante a gente cuidar dele e precisamos chamar mais pessoas para nos ajudar a cuidar do Cerrado”, destacou.
O evento terminou no domingo (26/05), no centro da cidade de Alto Paraíso de Goiás, distante cerca de 40 quilômetros de São Jorge, com uma feira de plantas medicinais e produtos artesanais dos mestres de várias regiões do país.
Fonte: Fundação Fio Cruz