Moradores de São Domingos (GO) estão assustados com desmatamento de fazenda que equivale a 400 campos de futebol de cerrado
Diversos moradores de São Domingos (GO), no nordeste do estado, estão assustados, e outros indignados, com um grande desmatamento que está sendo realizado nas imediações da zona urbana do município, nesta semana.
Com aval e licença da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMAD), a empresa Aldeia Agro Bahia Ltda está autorizada a desmatar 400 hectares de cerrado virgem, equivalente a 400 campos de futebol, na Fazenda São Domingos, no sopé da Serra Geral, um bioma rico com fauna e flora exclusivas daquele habitat.
Além do bioma exclusivo, a área é rica em nascentes de água que abastecem toda a região, especialmente a comunidade local. Tratores têm feito a “limpeza” da área e boa parte dos 400 hectares já foi desmatada.
O blog teve acesso à licença ambiental que autoriza a fazenda a realizar o desmatamento para transformar a área em atividade do agronegócio. A licença da SEMAD está registrada sob o número “20241259” e tem validade até maio de 2029. O documento, autorizando o desmatamento, contém os nomes da Secretária Andréa Vulcanis, do subsecretário Robson Disarz e do superintendente da SEMAD Marcelo Bernardi Valerius, tendo sido assinado por este último. A autenticidade do documento pode ser conferida com um QR Code.
O documento da SEMAD autoriza a empresa Aldeia Agro Bahia a transformar o cerrado da Fazenda São Domingos em uso do solo para “empreendimentos agrossilvipastoris”, como atividades de agricultura de sequeiro, agricultura irrigada e integração lavoura-pecuária extensiva e semiextensiva e floresta.
O blog entrou em contato com o Governo de Goiás e com a SEMAD com as seguintes perguntas:
O desmatamento é de conhecimento da SEMAD/GO? A licença é autêntica?
Houve audiência pública junto à comunidade, que está preocupada com o empreendimento?
Houve estudo de impacto ambiental para a concessão da licença?
A APA da Serra Geral preza pela conservação daquele bioma único. A SEMAD levou isso em consideração?
Em resposta, a SEMAD expediu a seguinte Nota:
“A propósito das informações solicitadas pelo jornalista Dinomar Miranda, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável esclarece que a supressão de vegetação reportada no vídeo cumpriu requisitos estabelecidos pelo Código Florestal.
É importante ressaltar que o Código Florestal vigora em todo o território brasileiro e que apenas o Congresso Nacional tem competência para promover eventuais alterações no texto.
Tanto empreendimento, quanto atividade estavam devidamente licenciados. Houve estudo de impacto ambiental. A área suprimida foi de 499 hectares”.
O prefeito de São Domingos (GO), Cleiton Martins (PSDB), mesmo não sendo responsável pela autorização, foi procurado pelo blog para saber sua opinião sobre o empreendimento.
O prefeito disse que toda atividade humana tem algum impacto no meio ambiente e que este não é diferente, mas afirmou que a fazenda está realizando um grande investimento no local, o que vai gerar muita riqueza e divisas para o município e seus moradores.
Contudo, não é todo mundo que pensa como o prefeito. Diversos moradores partiram para a ação e denunciaram o desmatamento; gravaram vídeos com drones e fizeram centenas de fotografias do impacto.
Eles afirmam que, em época de desastres ambientais, aquecimento global e mudanças climáticas, como as enchentes que assolam neste momento o estado do Rio Grande do Sul, é um absurdo que o estado de Goiás e o Estado Brasileiro autorizem tamanha intervenção humana contra o cerrado.
Luta contra o desmatamento do cerrado
O desmatamento do Cerrado ultrapassou a desvastação da Amazônia. Por isso o Governo federal anunciou que vai aumentar os esforços para conter a crescente destruição no Cerrado. Isso porque, se o ritmo verificado no segundo semestre de 2023 se mantiver nos primeiros meses deste ano, a taxa anual de desmatamento pode chegar a 12 mil km².
Mas parece que o Governo de Goiás não pensa semelhante e acha que o Cerrado tem pouco ou nenhum valor.
A estimativa foi apresentada durante a primeira reunião do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de 2024, realizada em Brasília.
“Fazendo a projeção com base no ritmo de desmatamento entre agosto e dezembro de 2023, ou seja, os primeiros cinco meses da taxa prodes 2024, se a tendência seguir como verificamos no segundo semestre do ano passado, é possível que a gente chegue na taxa PRODES de 2024 com algo próximo a 12 mil km²”, disse André Lima, Secretário Nacional da Secretaria Extraordinária de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Segundo medições do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desde 2019 o desmatamento no Cerrado vem crescendo vertiginosamente. Em 2023, o bioma perdeu 11 mil km², a maior cifra desde 2015 e o equivalente a sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
De acordo com o secretário do MMA, o problema não são somente os desmates ilegais. Nos estados que mais destroem o bioma – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, conhecidos como MATOPIBA – o número de autorizações de desmatamento já emitidas, mas não executadas, é alto.
No Piauí e Bahia, por exemplo, a taxa de autorizações não executadas chega a 50%. O número refere-se a autorizações emitidas entre 2020 e 2023. O prazo para execução é de dois anos, prorrogáveis por mais dois.
“Precisamos resolver isso, não dá para ficar como está. Este é um grande desafio que precisamos enfrentar. Precisamos de um sistema de informação efetivo, de transparência, de integração de dados”, diz Lima, em referência à falta de integração entre os sistemas de autorização estaduais e federal.
Ainda segundo o secretário, outro problema que precisa ser enfrentado é a validação dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR). Do desmatamento registrado em 2023 no bioma, 94% aconteceu dentro de áreas já cadastradas no CAR. O problema é que grande parte dessa destruição – 85% – estava dentro de imóveis cujo CAR ainda não havia sido analisado.
“Como se dá [os governos estaduais] uma autorização sem ter o CAR analisado? Sem saber se é sobre APP ou Reserva Legal?”, pergunta Lima.
Emissões de gases estufa
Combater o desmatamento no Cerrado também é essencial se o país quiser manter sua meta climática, disse o governo federal. Entre agosto de 2022 e junho de 2023, a destruição do bioma lançou ao ar mais de 105 milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera, o que compromete os esforços conseguidos com a redução do desmatamento na Amazônia.
“Com o aumento do desmatamento no Cerrado, uma parte expressiva dessa economia de carbono, dessa redução do carbono conseguida na Amazônia, acaba sendo anulada”, diz Lima.
Além da execução do Plano de Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), o governo propõe algumas mudanças legais, como atualizações na Resolução Conama 379/2006, que trata da regulamentação de dados e informações do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).