Morte de mulher quilombola faz Tribunal de Justiça retomar caso contra transporte ilegal em GO

A morte da quilombola Domingas Fernando de Castro, 52 anos, em um caminhão pau-de-arara em Cavalcante (GO) desengavetou um processo que estava parado há oito anos no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO).

Em 2016, o Ministério Público de Goiás ofereceu uma denúncia sobre transporte irregular para a escola municipal Vereador Anedino de Deus Coutinho.

O colégio atende estudantes do ensino infantil e regular e está localizado no Povoado São Domingos, na zona rural de Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros. Na denúncia, o MP informou que não existe ônibus escolar fornecido pelo município na comunidade, sendo apenas uma caminhonete responsável por conduzir alunos da comunidade quilombola.

Segundo o ministério, esse transporte é feito em um carro Veraneio GM,modelo antigo, com capacidade para cinco estudantes, mas que leva 16 pessoas, de forma inadequada.

A sentença do juiz Leonardo de Souza Santos determinou que a prefeitura faça o transporte escolar adequado, gratuito e regular em favor de todos os alunos matriculados na rede municipal de ensino do município, com atenção especial ao trajeto da escola citada na denúncia.

A multa em caso de descumprimento é de R$ 100 mil. Outra determinação é que a prefeitura contrate ou adquira, por meio de licitação, frota para atender o público. A penalidade prevista também é de R$ 100 mil.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é dever do Estado garantir o ensino obrigatório e gratuito e transporte para quem estiver no ensino fundamental.

A quilombola Domingas Fernando de Castro morreu após sofrer um acidente em caminhão “pau-de-arara” na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Ela foi levada já inconsciente ao hospital de Cavalcante, Domingas não resistiu aos ferimentos.

No momento do acidente, caminhão tinha ao menos 15 pessoas amontoadas, que subiam os morros de difícil acesso da comunidade Vão das Almas, em Cavalcante (GO). Segundo relatos, o transporte fazia uma subida íngreme e precisou forçar um pouco mais o motor, por isso a fumaça. Assustados, cinco pessoas pularam; quatro estão bem.

“Culpa da vítima”

Apesar de ressaltar essas condições em inquérito, o delegado Haroldo Padovani Toffoli concluiu a investigação em 23 de fevereiro, apontando que a vítima é a culpada pela própria morte, que ocorreu em novembro do ano passado.

Domingas usava o veículo oferecido pela Prefeitura de Cavalcante como forma de se locomover no município goiano, quando se assustou com a fumaça que saía do transporte irregular e com gritos que avisaram “fogo”. A mulher acabou pulando da carroceria e se feriu gravemente.

“O resultado ocorreu por culpa exclusiva da vítima, de modo que a conclusão do presente caderno investigativo sem autoria definida é medida que se impõe”, define o delegado. Harold Padovani Toffoli conclui que a kalunga morreu porque pulou do veículo.

Quilombolas Descendente de pessoas escravizadas que fugiram e montaram o quilombo Kalunga, no qual vivia, Domingas estava a caminho do centro de Cavalcante para sacar o dinheiro da aposentadoria e fazer compras. Atualmente, essa é a única forma de transporte coletivo que existe no local.

O acidente também revela um lado aterrador do município, conhecido pelas paisagens paradisíacas. De difícil acesso para os turistas na região, o trajeto também faz parte da rotina de moradores que vivem nas comunidades.

Com apenas 9.583 habitantes, mais de 90% da receita do município é de fora, sendo movimentado pelo turismo da região. Os dados estão no Instituto  Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“É comum que no final ou no início de cada mês passe um pau-de-arara buscando as pessoas nas comunidades para que sejam levadas a cidade e sacar dinheiro de auxílios governamentais”, contou uma pessoa que não quis se identificar. “Aquilo é uma tragédia anunciada, mas muitas vezes se faz vista grossa porque é a única forma de acesso dos moradores”.

Kalunga

Kalunga era uma palavra ligada às suas crenças religiosas dos povos vindo do Congo e de Angola. No português brasileiro, calunga adotou outros sentidos, como “coisa pequena e insignificante”, conforme  no documento elaborado pelo governo federal “Uma história do povo Kalunga”, publicado em 2001. O documento pode ser acessado neste link.

O termo também está presente na música popular brasileira e aparece na canção Yáyá Massemba, gravada pela cantora Maria Bethânia, com a frase: “Que noite mais funda calunga/ No porão de um navio negreiro/ Que viagem mais longa candonga”.

Prefeitura

Em uma entrevista recente divulgada nas redes sociais do prefeito de Cavalcante, Vilmar Souza Costa, destacou que o município tem apenas 11 quilômetros de pavimentação. Veja a declaração neste link.

Também conhecido como Vilmar Kalunga, ele é o primeiro quilombola a ser prefeito na região com o maior quilombo do país.

O Metrópoles tem questionado o prefeito de Cavalcante, Vilmar Souza Costa, desde terça-feira (26/2), sobre as condições de transporte, mas até a última atualização deste texto, nenhuma resposta havia sido emitida.

Fonte: Metrópoles