Projetos conciliam turismo com preservação do meio ambiente, em Cavalcante (GO)

Por Pablo Giovanni, do Correio Braziliense,

Dentro do nosso Cerrado, há lugares que uma pequena parcela da população conhece, com paisagens de tirar o fôlego de turistas de todas as partes do país.

A relação entre turismo e biodiversidade de dois projetos de conservação dentro da Chapada dos Veadeiros possui um importante papel para a preservação do patrimônio histórico e cultural da região.

A pouco mais de 3km do centro de Cavalcante, município goiano que protege cerca de 60% do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, há um dos locais mais paradisíacos do parque: a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Vale das Araras.

O Correio Braziliense percorreu as trilhas das Araras, do Ouro, do Poço do Buriti e do Recanto das Pedras.

Ao longo do percurso, de pouco mais de 4km, placas indicam o trajeto, onde o trilheiro pode ouvir áudios — previamente baixados na recepção da reserva — que revelam a longa história do lugar e sua preservação, como o sistema de canais para desvios das águas do rio Bartolomeu, construído há mais de 200 anos por bandeirantes para a lavagem do ouro.

A trilha sensorial visa integrar o turista às maravilhas da natureza.

“A nossa experiência é imersiva, de informação da natureza e também sobre esses aspectos históricos. O que estamos desenvolvendo é algo que vai além do simples passeio para chegar a uma cachoeira.

O diferencial das placas, além das informações sobre as trilhas da reserva, é um incremento de informações sobre a região”, explicou o ambientalista Richard Macedo, proprietário da reserva.

“Uma vez acessado, os áudios podem ser ouvidos off-line durante a trilha. Com isso, pretendemos fornecer mais informações, conscientização da preservação da natureza, aumento da biodiversidade e conhecimento histórico do surgimento dessa região”, completou.

Dentro da reserva, há um processo de preservação, principalmente em meio às áreas já modificadas pela ação do homem, como a expansão do agronegócio, pecuária, mineração, desmatamento e queimadas, que são responsáveis pela Chapada ter perdido 87% da superfície de água nos últimos 37 anos — dados do projeto MapBiomas.

Dentro desse processo de recuperação, que tem o apoio de ambientalistas, há o reaparecimento de espécies nativas da região, como o lobo-guará e o tamanduá-bandeira.

O projeto, chamado de Pegadas do Cerrado, é financiado pelo Grupo Boticário e executado pela Fundação Pró-Natureza (Funatura).  

Apesar de ser uma pequena área, no comparativo com outras extensões de reserva e parques, a RPPN Vale das Araras tem uma relevante área de preservação do Cerrado, principalmente porque faz parte de um corredor de áreas protegidas que ligam o Parque Municipal do Lavapés ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

Nas trilhas, por exemplo, há exaltação também do trabalho do território do Quilombo Kalunga, o maior do país.

O Kalunga foi o primeiro do Brasil a ser reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Territórios e Áreas Conservadas por Comunidades Indígenas e Locais (TICCA).

O destino final do passeio foi a cachoeira São Bartolomeu, que possui seis metros de altura e vários poços para banhos.

“Passamos por um processo de seleção pelo trabalho desenvolvido em prol da natureza. Fizemos um diagnóstico, rodamos a região e escutamos atores relevantes, além de desenharmos o perfil do turista de conservação, por meio de uma oficina com atores locais.

É um prazer inaugurar essa experiência, que é diferente”, explica a gerente do projeto Pegadas do Cerrado, Luciana Amado.

Experiências

Correio também viajou até Alto Paraíso de Goiás, onde conheceu o Santuário Volta da Serra.

Com turismo sustentável e autêntico, as cachoeiras situadas dentro do santuário apresentam experiências únicas, como trilhas e cachoeiras paradisíacas.

Além disso, o apicultor e proprietário do local, Lauro Jurgeaitis, explica que dentro da fazenda, há a produção de café e mel, nativos do Cerrado. 

“Nosso trabalho tem um nicho muito importante. Lá para o início dos anos 1990, decidimos procurar a organização do parque, para que pudéssemos contribuir com a preservação do bioma”, explica.

“Procuramos a Funatura e começou o trabalho que, à época, tinha o projeto com nome de santuário de vidas silvestres. Esse trabalho nos gerou um documento, que é o plano de manejo, que contempla fatores históricos, como biologia, fauna e flora. Fizemos o registro desse santuário e nos comprometemos em não alterarmos essa área. Conseguimos, além de mantê-la, aumentar a biodiversidade”, completa.

Todo o processo de produção do café foi pensado antes de ir para a mesa do consumidor. “Nós apanhamos o café, que é orgânico, que leva três catas ao mês. Nós não podemos tirar verde, e precisamos esperar que ele amadureça. Para um café de qualidade, não podemos pular essas etapas. O café é catado com a mão”, explica Jurgeaitis.

Após conhecer cada espaço dentro da fazenda, a reportagem foi colocada à prova. Enquanto o senso comum de muitas pessoas é a visão, experimentamos às cegas comer as produções de comidas da fazenda. Saboreamos o mel, castanhas e sucrilhos de mandioca.

“O Cerrado é verdadeiramente um tesouro da natureza, e a diversidade de produtos daqui é a oportunidade de experimentar uma pequena amostra do que essa região tem a oferecer. Ao apoiar e consumir produtos locais, contribuindo para a proteção do Cerrado e para o sustento das comunidades que dependem desse recursos”, cita trecho lido aos convidados do projeto.

A coordenadora de projetos nas áreas de gestão e planejamento ambiental da Fuantura, Mara Moscoso, ressalta que o Cerrado é um dos biomas mais ameaçados do Brasil. “A nossa organização não atua só na conservação da biodiversidade, mas em políticas públicas, redes, trabalhos com as populações tradicionais. Atuamos na Chapada desde 2001, e apoiamos a criação de mais reservas como essas”, completa.

*O repórter viajou a convite do Grupo Boticário e Fundação Pró-Natureza, no âmbito do projeto Pegadas da Biodiversidade