Solenidade nos Kalungas concede título de doutora honoris causa à Dona Procópia Rosa

Em sessão solene, em pleno cerrado goiano, na comunidade Riachão, no território Kalunga do município de Monte Alegre de Goiás, nordeste do estado, o Conselho Superior Universitário da Universidade Estadual de Goiás (CSU|UEG) concedeu formalmente o título de doutora honoris causa à Dona Procópia dos Santos Rosa, de 89 anos.

O evento ocorreu na tarde desta quarta-feira (7) e reuniu autoridades nacionais, como o ex-secretário Gilberto Carvalho, que falou em nome do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva.

Quem presidiu a solenidade foi o reitor da Universidade Estadual de Goiás, professor Antônio Cruvinel.

Prefeitos da região, vereadores, professores e pesquisadores de diversas universidades do país também marcaram presença.

A proposta foi feita pela Unidade Universitária de Campos Belos (GO), que defendeu a notória atuação de Procópia na defesa do meio ambiente, a luta pelo reconhecimento do território Kalunga e a promoção da paz entre os povos como justificativas.

Gilberto Carvalho falou em nome do Presidente Lula.

“Falo em nome do presidente eleito. Nossa saudação e reconhecimento à doutora Procópia, pela sua sua vida, seu exemplo e testemunho que se irradia por todo o Brasil. São figuras como a senhora que nos dão a esperança e a certeza que nós reconstruiremos o Brasil em meio ao escombros, à intolerância e ao ódio.

É tempo de reconstruir. O seu exemplo de sua vida nos anima em devolver a dignidade ao povo brasileiro. Seu título é merecidíssimo. Com toda a certeza, o título hoje concedido pela UEG é revolucionário e vai além dos seus muros”, disse Carvalho.

Por sua vez, em singelas palavras, a agora doutora Dona Prócopia Rosa pediu união.

“Gente, vamos unir. Eu tô ficando velha. Muita gente nossa ficando velha. Une! quanto mais unidos melhor (sic). por que melhorou? foi por conta de união. Tudo começou aqui. O centro do kalunga é aqui”.

A concessão do título reconhece a importância da líder quilombola, reforça o poder das mulheres e destaca a luta contra o racismo no Brasil. 

“Temos povos que, no decorrer da história, foram escravizados e mesmo diante dessa realidade ainda contribuíram significativamente para que esse País pudesse se erguer”, disse o reitor da UEG, Antônio Cruvinel.

“Muito emocionante o que a UEG está fazendo hoje! Mudará a história do Brasil e de Goiás no sentido decolonial, que ainda é uma urgência em nosso País!’, disse o servidor Marconi Moura de Lima, da Unidade Universitária de Campos Belos, um dos autores da proposta.

“Gratidão aos professores Luiz Marles e Adelino Machado, ao servidor Marconi Moura e a todos que conhecem e reconhecem a luta do povo Kalunga, em especial ‘iaiá’ Procópia dos Santos”, disse a neta da homenageada, Lourdes Fernandes de Souza, conhecida como Bia Kalunga.

Presenças

Centenas de pessoas da comunidade Kalunga, bem como de Monte Alegre, Campos Belos, Teresina, Cavalcante, Arraias, Goiânia e Brasília marcaram presença na sessão solene.

Entre elas, a superintendente da Mulher e da Igualdade Racial do Governo de Goiás, Rosilene Oliveira Guimarães; os prefeitos Felipe Campos, de Monte Alegre; Wilmar Costa, de Cavalcante; Cleverton Barbosa de Melo, de Teresina; Pablo Giovani Batista, de Campos Belos; Pedro Wilson, ex-reitor da PUC-GO e ex-prefeito de Goiânia; Fabiano Arantes, diretor do Câmpus Campos Belos do Instituto Federal Goiano;

Djiby Mane, professor da UnB e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, representando as autoridades e personalidades que enviaram carta de apoio à concessão de título Doutor Honoris Causa; o procurador regional da República, Marlon Alberto Visher; as promotoras de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Rony Alves de Jesus, Cíntia Costa da Silva e Alessandra Elias de Queiroga; a defensora pública do Distrito Federal, Rita de Cássia Lima; e Saulo Dias dos Santos, representante da equipe de transição do Governo Federal eleito, entre outras.

História

Nascida no dia 10 de fevereiro de 1933, a descendente de escravos Procópia dos Santos Rosa sempre viveu na Comunidade Kalunga Riachão, localizada à margem direita do Rio Paranã, no município de Monte Alegre de Goiás.

“Meus avós, meus pais, eu e meus filhos nascemos aqui”, diz. Com 89 anos, a líder tem dois filhos, 12 netos, 70 bisnetos e 15 tataranetos.

Vivendo entre as montanhas, num lugar que já foi de difícil acesso, a líder quilombola rompeu uma tradição da comunidade de que somente os homens podiam sair da comunidade.

Dona Procópia conta que a primeira vez que foi a Monte Alegre estava com 50 anos. Aos 60 foi a Goiânia.

A matriarca não teve oportunidade de estudar, uma vez que não haviam escolas no quilombo e não lhe era permitido sair do território para estudar, devido, inclusive, aos problemas de acesso, como a falta de estradas, distância dos centros urbanos e falta de meios de transporte adequados.

Mesmo não tendo estudado, sua liderança foi sendo conquistada passo a passo. Parteira, rezadeira, ‘dançadeira’ de súcia (dança típica da comunidade), Procópia foi voz firme na defesa do território Kalunga quando havia a ameaça da construção de uma usina hidrelétrica que poderia inundar o local.

Ela conta que teve a ajuda da antropóloga Meire Baiocchi para defender os interesses do povo kalunga. “Dona Meire nos ajudou muito e eu sou muito grata”, lembra.

A titulação das terras da comunidade, a construção de escolas e da rede de energia elétrica foram outras conquistas que o povo kalunga teve com o empenho da matriarca.

Em 2005, Procópia dos Santos Rosa foi indicada para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz da Organização das Nações Unidas.

Na ocasião, foram selecionadas mil mulheres de diversas partes do mundo, e, destas, apenas 52 eram brasileiras.

A indicação foi anunciada de forma simultânea para 40 países, e seu nome foi indicado devido a sua luta em prol dos territórios e dos direitos dos Kalunga.

“Fui a São Paulo. Não ganhei. Ganhei apenas uma flor, mas fiquei muito feliz por levar o nome do Kalunga pra todo mundo”, diz.

Com presença forte, apesar da dificuldade de se locomover por conta da idade, Dona Procópia ainda hoje é figura respeitada na Comunidade Kalunga e sempre é procurada pelos moradores em busca de conselhos sobre assuntos de interesse da coletividade.

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