Resiliência e muita luta: a linda história de Toni Bilú

No último dia 20, o país comemorou o Dia da Consciência Negra, uma data marcada para lembrar o sofrimento dos escravizados negros, tomados à força em sua terra natal na Mãe-África e trazidos ao Brasil a bordo de navios negreiros, como se fossem porcos, para serem vendidos aos “empresários” da cana-de-açucar e depois àqueles que exploravam as minas.

Por séculos esses seres humanos, filhos, netos, bisnetos, trinetos foram explorados e subjugados. Mesmo depois de século de uma pseudo libertação, seus descendentes, grande maioria miscigenados, erram na sua própria pátria como se fossem cidadãos de quinta categoria.

Por isso a data de 20 de novembro traz esse horroroso passado da nossa sociedade para ser lembrado e não mais ser repetido.

Ao contrário, para servir de mais um reforço de que o país tem uma dívida impagável com os afro-brasileiros. Uma dívida de sangue, mais sentida no nordeste de Goiás, berço do maior número de cidadãos de cor negra do estado e de seus descendentes.

É no nordeste de Goiás, que por décadas e décadas milhares de negros puros se esconderam em locais inacessíveis de serras e matas e formaram o maior quilombo do país.

São desses negros fugidos ou libertos que a grande maioria de quem nasceu em Campos Belos, Monte Alegre, Arraias, São Domingos, Alto Paraíso e outras cidades da região se descendem.

Não à toa o nordeste de Goiás sempre foi negligenciado pelo Poder Central. Não quiseram dar muita atenção a esse território de maioria negra ou de seus descendentes. Faltou tudo. Escolas, estrutura, estradas, energia elétrica, incentivos fiscais, investimento.

O resultado foi a pobreza generalizada e um terreno fértil para a desesperança e para a falta de oportunidades. Mas muitos foram fortes e são resilientes como os negros de origem. É um desses cidadãos, de Campos Belos, que eu gostaria de apresentar-lhes.

É um dos mais populares vereadores da cidade. Fala bem, tem boa dicção e se tornou um radialista, função que o levou ao cargo de parlamentar municipal.

Curioso, quis saber mais dessa figura ímpar. O vereador gravou um vídeo e contou sua história.

Negro, de família humilde, de parcos recursos, um jovem adulto de 36 anos, que teve poucas chances de estudar bem e galgar postos nesta injusta sociedade goiana e brasileira.

Recebeu o nome de batismo de Antônio Ferreira Ramos. Mas todos o conhecem pela alcunha de Toni Bilú, um querido locutor de carros de som da cidade.

Mas qual a história de vida dessa personagem?

Após algumas perguntas, descobri que o conheci, ainda menino, há cerca de 30 anos. Costumava encontrá-lo com seus pais à beira do rio montes claros, em fazendas de pessoas amigas.

Esse agora parrudo garoto era aquela franzina criança, filho de um casal de oleiros, paupérrimos trabalhadores rurais. Bilu Teteia, o pai, era conhecidíssimo de todos nós.

Estremeci e, ao mesmo tempo, vibrei, com um misto de emoção. Aquela criança hoje é uma vencedora. Pais alcoólatras, pobres, analfabetos, negros e sem patrimônio. Hoje um dos filhos do casal é um importante e brioso representante da comunidade na Câmara de Vereadores.

Quem vitória espetacular, que história de vida.

Seus pais, além de outras atividades rurais, produziam tijolos numa dura e dolorosa rotina em olarias a carvão. Só quem conhece, sabe o quanto é insalubre este tipo de trabalho braçal. E foi neste ambiente que o menino de 5 anos conheceu e foi inserido nas duras asperezas da vida.

E contou-me a sua vida.

“Querido Dinomar Miranda, aqui quem fala é o locutor e atual vereador Toni Bilú.

Bem, de fato minha jornada começou bem cedo, quando tinha 5 anos de idade. Já ajudava o meu pai em uma olaria, onde ele fazia tijolos junto com a minha mãe.

Lá mesmo morávamos. Como era muito pequeno, só recolhia os tijolos do terreiro, fazendo os montes e os carregava um de cada vez. Era uma forma de ajudá-los , como eu podia”, conta ele, todo cheio de orgulho.

“De fato, quando chegou a hora de estudar, tivemos que mudar para cidade. Aqui fomos morar no Setor Bem-Bom, numa casa simples, de madeira, sem piso e o “telhado” de palha. Recordo-me quando chovia, molhava tudo e a nossa coberta era uma lona de plástico preto. Mesmo assim, não desisti da vida e fui para escola.

Minha mochila era um saco vazio de plástico que antes acondicionava arroz de 5 kg. Muitas das vezes meu almoço era o lanche da escola”, relembra ele de sua rotina, muito parecida com as de outros muitos conterrâneos.

“Em meio a tantas dificuldades, não desisti e meu sonho era saí daquela vida que vivíamos e poder ajudar os meus pais. Comecei a vender picolé ainda bem novo, com cerca de 8 anos de idade. Fiz boas amizades, vendia até bem. Mas os bandidos começaram a chupar os picolés e a fugir. Em alguns casos até nos batia. Cansado da rotina, fui engraxar sapato nas ruas”, relembra ele.

É, caro Bilú. O primeiro calote a gente nunca esquece, né verdade ? O meu foi no campo do Juventude, hoje Centro Olímpico Padre Magalhães. Naquela tarde de domingo, chuparam todos os meus din-dins, não pagaram e ainda quebraram a pequena caixa de isopor.

Voltemos à história do nosso vereador.

“Com a caixa de engraxar, também não tive muito sucesso. Filho de pobre e de cor negra não tinha muita opção. Mas segurei o pique até os 11 anos de idade, quando tive uma brilhante ideia. Precisando comprar o uniforme da escola, chamei um primo, hoje falecido, e arrumamos duas enxadas. Começamos a andar nas ruas e a bater nas portas das pessoas perguntando se queriam limpar o lote. A ideia vingou e limpamos o primeiro, o segundo e vários lotes. Juntei o dinheiro e comprei a primeira camiseta escolar.

Nesta jornada, ficamos conhecidos pelo povo da cidade e formamos uma clientela de lotes. Durante o trabalho, além do dinheiro, ganhávamos lanches e até almoço. Foi um grande passo na nossa vida como adolescente.

Mais faltava muito para sairmos daquela triste situação. Muitas das vezes, nem acreditava que iríamos ter uma vida melhor, porque muita gente nos ignorava. Diziam que eu seria ladrão e drogado, não teria futuro na vida justamente pela cor e pela pobreza que vivia.

O tempo passou e com 14 anos de idade minha mãe conseguiu um emprego em um restaurante da praça e, querendo me ajudar, pediu emprego ao patrão para que eu pudesse trabalhar de garçom sem remuneração. Apenas para aprender a trabalhar e aquilo foi um divisor de água. Mudou minha vida.

Fui contratado e trabalhei sem receber até aprender conquistar os clientes e a receber um salário de 30 reais por mês. Foi como garçom que comecei a conhecer o povo da minha cidade, aprender a conviver e respeitar o próximo como devia.

Ganhei o nome de Biluzinho. Passei a sonhar com algo melhor. Queria ser cantor e montei uma dupla com a minha irmã, Ana Lúcia. A dupla tinha nome bonito: Ana Lúcia e Luciano; mas não deu certo, porque tínhamos o talento e não as condições materiais.

Caro Dinomar Miranda, mesmo não tendo condições, não desisti e comecei a promover eventos. Eu mesmo era o locutor, o que me tornou mais ainda conhecido na comunidade.

Em 2008 recebi o convite para ingresso na Rádio RCB AM e consegui entrar na casa de cada companheiro da minha cidade”, diz Bilú, com muito carinho.

Sei disso, Bilú, o quanto é gratificante entrar na vida das pessoas através do rádio. Foi ele quem me tornou jornalista. Antes da RCB, por inúmeras vezes, fomos abatidos em voo nas rádios piratas de Campos Belos, nos idos de 1990, por agentes da Polícia Federal. Mas a cada batida policial, nossa crença no rádio voltava mais forte. E que bom que você já encontrou, anos depois, uma rádio legalizada e patrimônio da comunidade.

Voltemos novamente à nossa conversa.

“Recebi também um convite para ser locutor de carro de som. No rádio foi ótimo, mas na rua o pau cantou. Fui muito criticado e não tinha muito apoio. Mas em meio a tudo isso e às enormes críticas, não desisti, sendo hoje um dos melhores entre aos demais locutores.

Em 2020, reuni minha família e anunciei minha pré-candidatura a vereador de Campos Belos, junto com o atual prefeito Pablo Giovanne, pelo PSD.

Vencemos as eleições e me tornei um orgulhoso vereador pelo nosso município. Venci todos os preconceitos e críticas e hoje estamos à disposição do povo da nossa cidade.

Que esta história possa servir de exemplo, incentivo e de coragem para muita gente, porque não importa sua cor ou sua situação financeira. Seja você mesmo e vá em busca dos seus sonhos”.

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