Pandemia: Para que serve um velho?
Por Lélia Almeida,
Para que serve um velho? Para muitas pessoas um velho não tem serventia nenhuma e tem mais é que morrer. Assim estão as pessoas nestes tempos estranhos.
Passei um carnaval na casa do meu pai, lá fora, na casa que hoje não existe mais. Onde tinha um jardim, um pátio com árvores frutíferas e uma piscina.
As conversas com o meu pai sempre foram assim, nos últimos tempos, erráticas, sem pauta, com muitas lembranças e risadas. Tínhamos um jogo de lembrar os nomes das pessoas de outros tempos, do sobrenome e das ruas onde elas moravam.
Numa das conversas entre um caqui e outro perguntei o que ele achava que tinha sido tão revolucionário e transformador na vida dele que pudesse ser comparado a toda esta tecnologia da internet e tudo o que temos hoje.
As conversas com o meu pai sempre me deram uma perspectiva de tempo e de história, de onde estou, de onde vim.
Fomos ficando velhos e mais lentos os dois, o sol já estava baixando quando resolvemos guardar as cadeiras e começar os preparativos pra janta. Eu estava me recuperando de uma cirurgia no pé, ele tinha 84 anos, firmei bem os pés no chão, segurei nos dois antebraços dele para que ele levantasse num impulso, ele conseguiu e nos abraçamos rindo, Pensei que não ia dar certo, mas deu!
Continuamos onde sempre estivemos.
Meu pai vai na frente, eu vou atrás, como sempre fizemos, ele abre a clareira e ilumina o caminho, me diz quando dá pra caminhar mais rápido, quando é preciso parar e respirar e descansar, meu pai leva a lanterna, a força do espírito, vai na frente, vai contando do tempo e da idade, vai contando dos limites do corpo e do que tem que ser deixado pra trás.
Nos telefonamos agora, na quarentena, e cada vez que ouço a voz dele tenho que respirar muito fundo pra que ele não perceba que voltei a ser menina e que estou chorando.
Meu pai vai na frente, depois de ter pavimentado o caminho da minha infância e de toda a minha vida.
Eu não sei para que serve um velho. Mas ele, o meu pai, serve pra me lembrar que a vida é imensa, que as raízes são fortes, profundas e que o mundo não é pra amadores. Que o narcisismo e a cultura da eterna juventude são uma doença perversa.
E que no fundo não sei muito bem se vale a pena um mundo onde as pessoas tenham esse tipo de dúvida, onde as pessoas não sejam capazes de responder para si mesmas para que serve um velho.