De Monte Alegre (GO): O engraxate do juiz torna-se advogado
Raro. É essa a palavra para definir o exemplo de Joaquim Pereira Ramos Filho, de 23 anos. O jovem natural de Monte Alegre de Goiás, a 569 quilômetros de Goiânia, veio para a capital há seis anos e meio e trilhou um caminho improvável.
Engraxate, de família humilde, mas perseverante e sonhador, Joaquim conseguiu pagar a faculdade sozinho e recebe a colação de grau hoje, no curso de Direito, pela Universidade Salgado de Oliveira, a Universo.
Ele, sim, pode dizer aos quatro cantos e para quem quiser ouvir que venceu. E mais: mostrou a tantos que o desacreditaram que tudo é possível.
Joaquim é o caçula de uma família com quatro filhos. Quando completou 17 anos, mudou-se para Goiânia para morar com o irmão mais velho.
Ele queria terminar os estudos e encontrar um trabalho, mas se mudou com a ideia de que não queria mais engraxar, atividade que ele começou a exercer aos 11 anos em Monte Alegre.
Mesmo assim, trouxe a caixinha a tiracolo para salvá-lo quando preciso, pois, racional desde novo, sabia que os primeiros meses na nova cidade não seriam fáceis.
Só depois de 90 dias perambulando, batendo de porta em porta, Joaquim conseguiu um emprego.
Na época, ele conciliava os afazeres do trabalho numa fábrica de enxovais, onde ele montava mosqueteiros, com os estudos, no Colégio Estadual Dom Abel, no Setor Pedro Ludovico, onde fez a segunda metade do 3º ano colegial. Mas Joaquim montou mosqueteiros só por três meses.
O salário era pouco e ele sabia que podia ganhar mais, “pelo menos duas vezes mais”, conta. O motivo para isso veio da crença no próprio potencial e no poder da determinação que sabia que detinha.
Em casa, num sábado, Joaquim decidiu experimentar. Pegou a caixinha de engraxate e saiu para ver no que dava.
Falante, simpático e com jeito especial de abordar as pessoas, conseguiu juntar 20 reais em poucas horas. Ele fez os cálculos e percebeu que poderia dar certo nas ruas.
“Foi automático. Conheci um que me indicou para outro, que pegou meu telefone e passava o número para os amigos e assim foi indo”, relata. A clientela, no entanto, é peculiar. Joaquim fez fama e carreira no meio jurídico.
Já engraxou os sapatos do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Goiás Leobino Chaves, do atual procurador-geral do Estado, Alexandre Tocantins, do juiz Jesseir Alcântara e de uma série de advogados renomados, como Felicíssimo Sena, Ricardo Naves e Flávio Rodovalho.
A convivência com tais pessoas mudou a vida do rapaz. De repente, estava ele indo engraxar os sapatos com cartão de visita em punho, vestido de camisa social, calça e sapato brilhando.
“Sou muito enjoado com a limpeza dos meus e fiquei mais ainda depois que vi que precisava ser mais cuidadoso para frequentar esses ambientes”, conta. O acesso aos gabinetes foi sendo liberado à medida que o tempo ia passando e a clientela sendo formada.
Hoje, ainda em plena atividade, faz 20 engraxadas por dia, 100 por semana, 400 por mês. E existe até um cronograma, em que ele separa cada dia da semana para visitar órgãos e locais específicos.
Exemplo chamou a atenção de autoridades
A escolha pelo curso de Direito também é fruto da relação de Joaquim com advogados. Ele conta que nunca determinou qual profissão seguir, apenas resolveu, desde cedo, que seria um bom profissional, independente da área. Um ano depois de terminar o colegial, decidiu entrar na faculdade.
Fez o vestibular, passou e muitos acharam aquilo uma loucura. Não foram poucos os que aferiram palavras, como: “Cuidado. Entrar na universidade é fácil. Difícil é sair.” Joaquim olhava para estes em silêncio, guardando para si a certeza de que seria capaz e que mostraria isso para todos, mais tarde. Deu no que deu.
O rapaz se forma hoje com histórico excelente, boas notas e detentor da simpatia dos professores, dos quais também engraxa os sapatos. Alguns escritórios já o procuraram para oferecer emprego, mas Joaquim diz que só largará a função quando passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Ele vai fazer a prova em junho e sonha em passar no concurso para promotor. As duas áreas preferenciais são Direito Civil e Penal. Para a colação, convidou cerca de 200 pessoas, entre amigos, parentes, clientes e até mesmo o governador Marconi Perillo.
Em 2008, no escritório do advogado Fernando Rodovalho, Joaquim foi apresentado ao, na época, senador da República. Marconi ficou impressionado com a determinação do jovem e, mais, com o talento daquele rapaz, que cantou e tocou músicas gospel na sua frente.
Joaquim é evangélico, toca violão e, vez ou outra, leva consigo o instrumento para o escritório dos advogados e canta algumas músicas.
Na ocasião, Perillo disse, ao saber que ele cursava Direito, que iria na formatura quando o jovem se formasse e pediu para que lhe encaminhasse o convite. E assim Joaquim fez, aguardando ansioso para saber se tal fato irá mesmo ocorrer.
Colação de grau
Colação de grau
A colação é hoje, às 20 horas, no Centro de Convenções. Os pais de Joaquim vieram de Monte Alegre para acompanhar as festividades e não conseguem disfarçar a alegria e o orgulho do filho.
Ele também está extasiado e, mais do que nunca, sente-se honrado em dizer para todos que é um engraxate advogado.
Na verdade, vergonha ele nunca teve, mas sofreu discriminação diversas vezes, seja na rua, durante o trabalho, seja na faculdade, onde muitos o viam, no início, com olhar piedoso ou discriminatório. “Sofri, mas isso não me atingiu. Eu sempre me valorizei”, diz.
Rotina repartida: trabalho, estágio e estudo
Durante a faculdade, os dias foram de muito esforço e labuta. Joaquim se recorda que aproveitava cada instante para fazer uma engraxada a mais e juntar dinheiro. No decorrer do curso, ele teve de vender um Corsa e um lote, ambos comprados com o próprio dinheiro, para conseguir arcar com os custos.
Afinal, não eram só as mensalidades. Faculdade envolve outros gastos. Com o tempo, algumas pessoas foram lhe ajudando.
Um deles foi o empresário Carlos Figueiredo, que o conheceu na rua, soube do garoto e decidiu incentivar.
Bolsa
No penúltimo período, Joaquim conseguiu uma bolsa pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG).
Na mesma época, foi indicado por um advogado amigo para um vaga de estágio na Procuradoria Geral do Município (PGM), onde também trabalhou até dezembro do ano passado.
Ele acordava cedo, ia para faculdade, onde ficava até às 10, 11 horas. Depois, até chegar a hora do almoço, Joaquim ia engraxar alguns sapatos, almoçava e ia para o Fórum do estágio, de onde saía às 18 horas.
Na época, ele tinha aulas à noite também. Entre 18 e 19 horas, quando tinha de retornar para a universidade, o jovem engraxava mais sapatos, porque tempo era dinheiro e ele precisava se formar.
Não foi fácil, mas gratificante.
Joaquim divide apartamento no Centro com um amigo. Hoje, diz que pretende comprar um carro, pois já conseguiu a carteira de motorista, também com o dinheiro de engraxate e que, se um dia for rico, vai ajudar todos que, assim como ele, se esforçam honestamente para driblar os obstáculos e ser alguém. “Quem sonha consegue.
O desafio é o que motiva a lutar”, afirma.
Publicações Original: jornal O Hoje