Da consciência negra à consciência humana: A luta contra a servidão moderna
Por Nelson Soares dos Santos,
Toda minha vida, pesquisei, estudei e refleti sobre a
situação do negro no Brasil, mas foi na graduação quando pela primeira vez, fiz
um trabalho com um mínimo de cientificidade sobre o processo de abolição da
escravatura no Brasil.
situação do negro no Brasil, mas foi na graduação quando pela primeira vez, fiz
um trabalho com um mínimo de cientificidade sobre o processo de abolição da
escravatura no Brasil.
Naquela época estava interessado em entender as
diferenças de motivações que possuíam de um lado, os abolicionistas livres como
Joaquim Nabuco, Castro Alves, entre outros; e de outro lado, os negros aquilombados com destaque para Zumbi dos
Palmares.
diferenças de motivações que possuíam de um lado, os abolicionistas livres como
Joaquim Nabuco, Castro Alves, entre outros; e de outro lado, os negros aquilombados com destaque para Zumbi dos
Palmares.
Eu conclui que Zumbi tinha uma motivação existencial enquanto os abolicionistas,
em sua maioria, por vezes até eram libertários idealistas, mas parte de um
sistema que em sua essência queria perdurar e fazer aumentar a oferta de
mão-de-obra assalariada para o sistema capitalista.
em sua maioria, por vezes até eram libertários idealistas, mas parte de um
sistema que em sua essência queria perdurar e fazer aumentar a oferta de
mão-de-obra assalariada para o sistema capitalista.
Eu sempre dizia que os idealistas nunca entenderam as
motivações dos negros aquilombados, nunca foram capazes de sentir a dor sentida
pelos escravos, e nem tão pouco compreender a crueldade que significava a escravidão.
motivações dos negros aquilombados, nunca foram capazes de sentir a dor sentida
pelos escravos, e nem tão pouco compreender a crueldade que significava a escravidão.
Mesmo Castro Alves com seus versos que nos faz deixar as lágrimas rolar diante
da dor que ele foi capaz de expressar não chegou a profundidade da dor sentida
pelos escravos.
da dor que ele foi capaz de expressar não chegou a profundidade da dor sentida
pelos escravos.
Como nas guerras, aqueles que compreenderem a profundidade da dor não viveram
para contar e expressar o sofrimento pelo qual passaram. A servidão é uma dor
que além do corpo escraviza o espírito e a alma e deixa marcas que o tempo e as
vezes, sequer a morte é capaz de apagar.
para contar e expressar o sofrimento pelo qual passaram. A servidão é uma dor
que além do corpo escraviza o espírito e a alma e deixa marcas que o tempo e as
vezes, sequer a morte é capaz de apagar.
Crueldade maior, é perceber mais de cem anos depois que a
abolição da escravatura foi uma grande ilusão para a grande maioria dos negros
no Brasil.
abolição da escravatura foi uma grande ilusão para a grande maioria dos negros
no Brasil.
Sem lugar para viver, sem trabalho (substituídos que foram por imigrantes),
sem comida, os negros foram jogados na rua, na sarjeta, e jamais foram tratados
como cidadãos.
sem comida, os negros foram jogados na rua, na sarjeta, e jamais foram tratados
como cidadãos.
Ficaram a margem da lei e ainda hoje, pouco pode ter de apoio do
estado para a construção da verdadeira cidadania.
estado para a construção da verdadeira cidadania.
O Sistema Capitalista agiu
com toda a sua crueldade sobre os negros, agora livres, livres para não
encontrarem ninguém que os quisesse escravizar em troco de míseros trocados que
pudessem pelo menos saciar a fome e a dor de estar no mundo.
com toda a sua crueldade sobre os negros, agora livres, livres para não
encontrarem ninguém que os quisesse escravizar em troco de míseros trocados que
pudessem pelo menos saciar a fome e a dor de estar no mundo.
A consciência Negra
Foi o sofrimento e a dor que levou os negros no Brasil a
luta. O surgimento do movimento negro no Brasil, desde os mais radicais aos mais
pacíficos não foi uma dádiva dos brancos ou do sistema de governo, de estado,
ou de mercado.
luta. O surgimento do movimento negro no Brasil, desde os mais radicais aos mais
pacíficos não foi uma dádiva dos brancos ou do sistema de governo, de estado,
ou de mercado.
Foi uma luta árdua, dolorida, sofrida com muito sangue derramado
desde os dos negros quilombados, pelos revoltosos da Revolta da Chibata, e tantos outros
anônimos que levantando a cabeça colocaram suas vidas em risco e ensinaram os filhos
a resistir, a luta, a não aceitar nada diferente da igualdade e do direito de
ser cidadão.
desde os dos negros quilombados, pelos revoltosos da Revolta da Chibata, e tantos outros
anônimos que levantando a cabeça colocaram suas vidas em risco e ensinaram os filhos
a resistir, a luta, a não aceitar nada diferente da igualdade e do direito de
ser cidadão.
Foi assim que surgiu o dia da consciência negra, o direito
às cotas, a luta pela educação de qualidade. Tudo que hoje temos é fruto de uma
luta de milhares de mãos, uma luta pela qual se derramou literalmente sangue,
suor e lágrimas.
às cotas, a luta pela educação de qualidade. Tudo que hoje temos é fruto de uma
luta de milhares de mãos, uma luta pela qual se derramou literalmente sangue,
suor e lágrimas.
A consciência da negritude brasileira se fez sim, com a
alegria do samba, mas também com o sofrimento.
alegria do samba, mas também com o sofrimento.
O cúmulo das lutas foi se
somando até que o negro construiu um inconsciente coletivo no qual se descobriu
como etinia, como povo também e essencialmente brasileiro mas que tinha uma
origem própria, uma descendência da qual aprendeu a se orgulhar.
somando até que o negro construiu um inconsciente coletivo no qual se descobriu
como etinia, como povo também e essencialmente brasileiro mas que tinha uma
origem própria, uma descendência da qual aprendeu a se orgulhar.
A Servidão Moderna
A luta do negro, no entanto, mal começou.
Quando se
descobriu como participante do sistema, com alguns direitos, muitos deveres e
uma tendência constante a ser marginalizado é que se percebe que a luta pela
libertação é maior do que parecia ao primeiro momento.
descobriu como participante do sistema, com alguns direitos, muitos deveres e
uma tendência constante a ser marginalizado é que se percebe que a luta pela
libertação é maior do que parecia ao primeiro momento.
A escravidão do sistema
é sutil. O trabalho dito livre, o salário reivindicado, o direito de consumir é também os símbolos de
uma nova escravidão. E esta nova escravidão é mais cruel por que vem travestida
do direito da liberdade de escolha.
é sutil. O trabalho dito livre, o salário reivindicado, o direito de consumir é também os símbolos de
uma nova escravidão. E esta nova escravidão é mais cruel por que vem travestida
do direito da liberdade de escolha.
É o próprio individuo que luta para ser
escravizado e disputa com o seu semelhante o espaço e o direito de ser tornar
um escravo.
escravizado e disputa com o seu semelhante o espaço e o direito de ser tornar
um escravo.
E não foi esta a liberdade pela qual os ancestrais lutaram, não foi
esta a busca de Zumbi dos Palmares, descobre o negro do século XXI, atônito e
estupefato.
esta a busca de Zumbi dos Palmares, descobre o negro do século XXI, atônito e
estupefato.
A luta então recomeça. Agora o negro sabe que a sua
liberdade depende da liberdade do seu semelhante, que a consciência negra tem
de se transforma em consciência humana, que ao final somos todos iguais, somos
todos seres humanos em busca do desenvolvimento humano, físico, mental e
espiritual.
liberdade depende da liberdade do seu semelhante, que a consciência negra tem
de se transforma em consciência humana, que ao final somos todos iguais, somos
todos seres humanos em busca do desenvolvimento humano, físico, mental e
espiritual.
A luta é também por justiça social, democracia e uma nova forma de
liberdade fundada na cooperação e não na competição.
liberdade fundada na cooperação e não na competição.
A nova cidadania requer uma sutileza na forma de lutar e
virtudes que façam da sociedade um lugar de paz. É o tempo do guerreiro
pacífico.
virtudes que façam da sociedade um lugar de paz. É o tempo do guerreiro
pacífico.
A luta contra a servidão moderna é contra o ato de se perder
no perverso direito de ser livre para consumir. A mercadoria que se possui é a
inimiga que escraviza que distancia os indivíduos e os faz escravos de suas
próprias vontades. A luta é pelo domínio de si.
no perverso direito de ser livre para consumir. A mercadoria que se possui é a
inimiga que escraviza que distancia os indivíduos e os faz escravos de suas
próprias vontades. A luta é pelo domínio de si.
A condição de possuir sem ser possuído e a educação do desejo
de receber para compartilhar. E assim, o maior desafio é perceber o outro. Em tempos
de uma vida em rede a percepção da existência do outro se tornou um desafio a
ser vencido todo momento.
de receber para compartilhar. E assim, o maior desafio é perceber o outro. Em tempos
de uma vida em rede a percepção da existência do outro se tornou um desafio a
ser vencido todo momento.
Libertar-se é
poder ter a si mesmo para ter o direito de viver com o outro. Eis o fundamento da
luta por uma consciência humana nos nossos dias. Da consciência negra à consciência humana : A luta contra a servidão
moderna.
poder ter a si mesmo para ter o direito de viver com o outro. Eis o fundamento da
luta por uma consciência humana nos nossos dias. Da consciência negra à consciência humana : A luta contra a servidão
moderna.
Nelson Soares dos Santos é secretário-geral do PPS Metropolitano, diretor da Fundação Astrogildo Pereira em Goiás e membro da direção estadual do PPS do Estado de Goiás.