Deu no “O Popular”: prefeitura “caridosa” de São Domingos pagava R$ 48 mil mensais a médico



O Jornal “O Popular”, de Goiânia, publicou no último domingo (7) uma reportagem de capa sobre prefeituras que contratam médicos com carga horária impossível e como pessoa jurídica. 


Dentre as prefeituras “caridosas” estava a de São Domingos, nordeste do estado.


Um ponto polêmico referente ao modo de contratação dos médicos por prefeituras do interior do Estado tem sido cada vez mais praticado e questionado pelo Ministério Público de Goiás (MP/GO).


Trata-se do credenciamento de pessoa jurídica, mecanismo que permite celebrar contratos temporários com o profissional, que isenta a prefeitura dos encargos previdenciários e possibilita a remuneração acima do teto salarial (salário do prefeito).


No Estado, em cidades como Turvânia e São Domingos, graças a esse modelo de contrato, os promotores já identificaram casos em que um médico chegou a receber R$ 48 mil por mês, bem mais que o valor bruto do vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que é de R$ 32,7 mil (veja quadro).


Para se livrar dos gastos com tributos e direitos trabalhistas, em caso de servidor efetivo ou contratação de pessoa física de acordo com as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alguns gestores chegam a pressionar os médicos para que eles se inscrevam no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).


Dessa forma, o profissional pode ser contratado por meio de credenciamento como se fosse uma empresa prestadora de serviços, sobre a qual os encargos são menores e não recaem sobre a contratante (no caso, a prefeitura).


Além disso, não mais se trata de um servidor público propriamente dito, o que extingue a obrigatoriedade de obedecer o teto salarial, regra descrita no Artigo 37 da Constituição Federal.


Esse aspecto financeiro, conforme a justificativa de prefeitos de cidades menores e afastadas, é interessante porque permite oferecer um valor maior e atrair o interesse do profissional para trabalhar num lugar que, geralmente, sofre com a falta de médicos. 


Em contrapartida, é justamente essa vantagem financeira que tem despertado a atenção do MP em relação aos contratos celebrados em Goiás.


Além de burlar tanto o princípio do concurso público, meio ideal para a ocupação de cargos, quanto a lei de licitações, que rege a contratação de empresas e prestadoras de serviço, o credenciamento, nos moldes como vem sendo aplicado no Estado, abre brechas para uma outra questão: a possibilidade de favorecimento de pessoas conhecidas, amigas ou parceiros políticos do gestor.


O Tribunal de Contas da União (TCU), que foi o primeiro a lidar com a questão e entender que ela é aceitável em alguns casos, estipula uma série de regras para a efetivação do credenciamento, de forma a garantir a lisura, amplo conhecimento e divulgação. 


Pelo teor da posição do Tribunal, percebe-se que ele considera o credenciamento pertinente para contratar prestadores de serviços especiais. A contratação de um único médico, travestido de empresa, torna-se questionável.


São Domingos


Em São Domingos, na divisa de Goiás com a Bahia, o médico recém-formado Júlio César Sandoval Júnior foi contratado para trabalhar para a prefeitura no período de 20 de janeiro deste ano a 31 de dezembro pelo valor total de R$ 528 mil, o que representa uma cifra mensal de R$ 48 mil.


 “Em dois anos, ele ganharia R$ 1 milhão tranquilamente”, expressa o promotor Douglas Chegury, que instaurou ação civil pública de improbidade administrativa contra a prefeita da cidade, Etélia Vanja Moreira Gonçalves (PDT), e mais três pessoas.


O profissional foi contratado, inicialmente, como pessoa física e, depois, foi pressionado pela prefeitura a registrar uma empresa para que ele pudesse mudar o tipo de vínculo e ser credenciado como pessoa jurídica. 


O valor elevado foi justificado nas cláusulas do contrato por meio de uma carga horária expressiva: 40 plantões mensais de 12 horas.


A ação segue na Justiça, mas o médico deixou o cargo por vontade própria. 


“Toda contratação que é feita por um município tem de observar os preceitos da lei de licitações públicas. E a prerrogativa da lei é fazer a melhor contratação, do melhor serviço, com o melhor preço e dar isonomia, poder igualitário de concorrência”, expõe Chegury.


Ele explica que o credenciamento não é citado na lei, mas que é aceito pelo TCU, desde que obedecidas as regras de divulgação, publicação e convocação dos interessados, o que, segundo o promotor, não ocorreu em São Domingos.


 “As pessoas começaram a distorcer a situação. Passaram a utilizar como termo de credenciamento algo que não é credenciamento. 


De fato, é interessante para a prefeitura a contratação de pessoa jurídica, por causa da redução dos encargos tributários, mas tem de ser dentro das normas da lei”, pontua.


Fonte: Jornal O Popular 

Deixe um comentário