Kalungas: Sem médicos, quilombos ficam sem assistência em áreas mais isoladas



As casas dos dois, em comunidades kalungas cujo acesso é feito a partir da cidade de Teresina de Goiás, numa das regiões mais pobres e isoladas do Centro-Oeste brasileiro, foram visitadas por médicas cubanas, que atuavam no programa Mais Médicos, do governo federal.
Acesso difícil
O arroubo de assistência médica, numa região acostumada à desassistência e ao esquecimento, deixou de existir na semana que passou.
O governo cubano exigiu pressa. O atendimento foi expressamente interrompido. As médicas de Teresina e da região voltaram a Cuba. E a realidade ali, de uma crônica inexistência de médicos, voltou a uma estaca zero.
Unidades fechadas
O mesmo ocorreu em outros dois municípios responsáveis por comunidades kalungas.
São João D’Aliança, a 130 quilômetros de Teresina, também ficou com duas médicas a menos, as duas cubanas.
— As médicas cubanas tinham boa aceitação, sem tabu entre médico e paciente. Elas eram as únicas que iam às comunidades. Agora vamos ter de trazer essas pessoas para a cidade.
O isolamento dos kalungas já não tem as mesmas distâncias de décadas passadas. Mas ainda se faz presente em doenças que já deveriam estar erradicadas da região.
— Tem muitos anos que isso começou. A coceira deu quando eu capinava. Quando eu comecei a sentir essa coceira, uma filha minha que nasceu em 1977 estava começando a caminhar. Agora, depois dos remédios, posso dizer que estou são — diz Antônio.
Antes, Antônio buscava a pé atendimento em Teresina. Aos 81 anos, o esforço ficou impossível.
— Não vinha médico aqui. Até na cidade era difícil. Lá atrás, Teresina só tinha um farmacêutico, que atendia como médico — afirma ele.
População idosa corre mais riscos sem assistência
Quelemência José dos Anjos caminha para o centenário. A mulher de 99 anos passa boa parte do tempo num cômodo à parte de um casebre simples, em cima de uma cama, com o corpo todo coberto por uma manta.
Ela mal fala, ouve e caminha. Quem cuida de Quelemência é uma das filhas, Maria José dos Santos, de 54 anos.
— Aqui não tem banheiro. Eu esquento a água e coloco a bacia para ela se molhar — diz Maria.
As duas moram na comunidade do Limoeiro, um dos povoados dos quilombolas kalungas no nordeste de Goiás, a região mais pobre do estado. Limoeiro está em Teresina de Goiás, cidade de 4 mil habitantes. Brasília está a 300 quilômetros da região.
Quelemência envelheceu sem assistência em saúde, uma realidade em comunidades quilombolas. O aumento de uma população idosa nessas regiões é um fato cada vez mais evidente.
As prefeituras das cidades que são as portas de entrada para as comunidades kalungas não têm um levantamento sobre a proporção de idosos. Eles são muitos, e a dificuldade de deslocamento torna o atendimento de saúde aos mais velhos ainda mais distante.
Ela e a filha recebiam a visita das médicas cubanas que atuavam no Mais Médicos em Teresina de Goiás. As profissionais de saúde colocavam Quelemência para caminhar, mediam sua pressão, receitavam medicamentos para hipertensão.
Uma vez por ano, Quelemência precisa ir a Campos Belos, a 120 quilômetros de Teresina, para provar que está viva. Ela e filha entram numa van e vão à cidade provar que a idosa segue tendo direito à sua aposentadoria.
Mais indefinição
Aos 86 anos, Gregório Fernandes da Cunha reclama de uma “dorzada” nas pernas e de pressão alta. Ele vive na mesma comunidade de Quelemência, a do Limoeiro.
Gregório e a mulher também recebiam a visita das médicas cubanas. Ele é pai de três filhos, todos na casa dos 60 anos, e a família precisa se deslocar a Teresina e a Campos Belos atrás de médico.
A saída das cubanas deixou um ar de indefinição.
— Elas vinham, perguntavam do que eu sofria. Todo mundo busca atendimento em Campos Belos. Agora vamos ter de ir mais pra lá — diz Gregório.
O secretário de Saúde de Campos Belos, Guilherme Davi da Silva, sabe que essas pessoas precisarão ir às unidades na cidade. O município também está com médicos a menos: três cubanos voltaram para Cuba.
— Os cubanos tinham essa disposição de ir para o sertão, tinham uma estratégia de saúde da família. Está tudo muito incerto — afirma o secretário.
Em São João D’Aliança, que também abrange comunidades quilombolas, a prefeitura tenta uma saída para alcançar a população idosa que está no Vale do Paranã.
Os acessos são quase intransponíveis. A cidade ficou sem duas médicas cubanas. Ainda há um médico, brasileiro, no Mais Médicos, mas a sobrecarga na cidade impede que ele visite o vale.
— Não tenho dinheiro para contratar médicos. Se tiver de fechar as portas das unidades, vamos fechar — afirma a prefeita do município, Débora Domingues.

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O Povo Kalunga merece atenção em todas as áreas, em especial, a Saúde dos moradores do Sítio Histórico do Patrimonial Cultural Kalunga de Cavalcante, Teresina e Monte Alegre de Goiás.