Sertão Velho Cerrado: 40 milhões de anos em um filme. A luta do Cerrado de Goiás em cartaz no Netflix
40 milhões de anos em um filme.
Este documentário é uma grande campanha em defesa do Cerrado que sofre com desmatamentos recordes levando um ecossistema inteiro à extinção.
Preocupados, moradores da Chapada dos Veadeiros se juntam para a elaboração de um plano de manejo que os desafia a conciliar interesses aparentemente incompatíveis, abrindo um diálogo necessário entre a comunidade científica, agricultores familiares, grandes proprietários de terra e defensores do meio ambiente.
Os moradores da Chapada dos Veadeiros, preocupados com o fim do Cerrado em Goiás, procuram novas formas de desenvolver a região sem agredir o meio ambiente em que vivem.
O desafio, agora, é conciliar os interesses relacionados ao manejo da Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto. Para isso, a comunidade científica, grandes proprietários de terra e defensores do meio ambiente iniciam um diálogo delicado, mas necessário.
Crítica, por Marcelo Müller
Crítica, por Marcelo Müller
Ser Tão Velho Cerrado, mais do que visita guiada pela biodiversidade de uma área ambientalmente imprescindível, é um grito de alerta contra a destruição generalizada da flora e da fauna do Cerrado.
No começo do filme, há um breve período de apresentação, no qual especialistas, moradores, ativistas, entre outras pessoas umbilicalmente ligadas ao espaço, falam acerca do mecanismo que torna esse bioma tão relevante.
Recorrendo à convenção das chamadas “cabeças falantes”, o diretor André D’Elia exibe depoimentos múltiplos, criando um painel vasto, ainda que formalmente quadrado. Mesclando as imagens da natureza – algumas delas marcadas por um caráter próximo ao institucional, diga-se de passagem – e as falas dos cidadãos, ele consegue dar uma boa ideia da urgência da criação de esforços substanciais para a preservação de uma área gigantesca que, ao longo dos anos, vem sofrendo consideravelmente pela sanha expansionista dos ruralistas e das mineradoras que lá operam.
Passada a fase introdutória, funcional apesar da simplicidade e da insistência em procedimentos desnecessários, como a reiteração dos créditos dos depoentes, Ser Tão Velho Cerrado se lança sobre sua verdadeira intenção, que é justamente oferecer denúncias sistemáticas acerca do vilipêndio do Cerrado por quem está apenas interessado em lucrar.
Corajoso, o documentário chega a afrontar pecuaristas, latifundiários e mineradores, colocando suas atuações numa perspectiva ampla, dando conta dos efeitos colaterais, por exemplo, do desmatamento para a consolidação de monoculturas, como a da soja.
O realizador é, inclusive, incisivo exatamente por essa veia contestadora, inteligentemente deflagrando contradições e dissimulações ao cruzar os testemunhos.
Os grandes produtores falam recorrentemente de dinheiro, encabeçando uma mentalidade plenamente desenvolvimentista, mas demonstrando falta de respeito pelo meio ambiente.
Mesmo carecendo de uma urdidura sólida, do que decorre a dispersão ocasional, Ser Tão Velho Cerrado oferece ao espectador uma série de dados valiosos, incorrendo num didatismo que se, por um lado, o enfraquece na seara artística, por outro, o fortalece enquanto documento de uma indignação que deveria ser reverberada.
O ator Juliano Cazarré e a atriz Valéria Pontes aparecem, diante de um fundo preto, comentando determinadas questões, oferecendo, de maneira frontal, o posicionamento diretivo, então verbalizado com a devida carga emotiva.
Nesse âmbito, o destaque vai para os instantes em que esses mestres de cerimônia desnudam a lógica deturpada dos empresários que lucram com a mortandade, dissipando a bruma de falas aparentemente preocupadas com a produção nacional agrária, quando a verdade diz respeito à total prevalência da ganância.
Há passagens, porém, em que não é necessário contradizer, pois os próprios endinheirados expõem o egoísmo e a ambição.Ser Tão Velho Cerrado poderia se assumir, desde o princípio, como um filme-denúncia, fazendo da constatação da biodiversidade do Cerrado um pano de fundo.
André D’Elia, no entanto, hesita ao eleger seu ponto central, de onde as demais abordagens emanam, com isso tornando o andamento narrativo um tanto desconjuntado.
Colabora para essa sensação a falta de criatividade no que tange ao entremeio das imagens da beleza local e dos testemunhos da situação alarmante que coloca em risco o meio ambiente.
Esse procedimento acontece burocraticamente, no mais das vezes relacionando causa e efeito de forma direta, fazendo das imagens, bem como da iconografia, meras ilustrações das falas contundentes.
Mas, não obstante ser combalido por essa inclinação meramente ilustrativa, o filme logra êxito ao transmitir a sua mensagem, servindo de clamor para que tanto a sociedade civil quanto as autoridades olhem com atenção às arbitrariedades que acontecem no cerrado brasileiro.