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A grande burguesia dos meios de comunicação acaba de extinguir, por meio da questionável competência do STF, a exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão.
Trata-se de um golpe contra o Estado de direito democrático.
Trata-se de um caso de lesa-opinião pública que, não fosse trágico e perigoso para a democracia (mesmo essa de corte elitista e liberal), deveria ir para os anais jurídicos como uma das mais peças mais hilariantes e falaciosas da história do Supremo.
O argumento fundamental do ministro Gilmar Mendes é que a exigência do diploma cerceia a liberdade de imprensa. Para “ilustrar” sua tese, lembra que a lei que determinou a exigência do diploma foi editada em 1969, portanto, durante o regime autoritário. O argumento é falacioso e o exemplo é descabido.
Em primeiro lugar, o douto togado confunde liberdade de imprensa com a não exigência do diploma. Em seu distorcido argumento, a inexistência da obrigatoriedade do diploma é condição para aquela liberdade (e ainda a de expressão e de opinião) se materializar.
Em segundo lugar, nosso sábio jurisconsulto descontextualiza o que foi a exigência sob o regime militar e o que é, hoje, quando vivemos sob uma democracia que busca se consolidar. (Essas e outras decisões “supremas” mostram como estamos ainda numa semidemocracia).
O jornalismo já é uma das profissões mais abertas, dado que há muitos meios de exercê-lo sem a necessidade do diploma, restando apenas algumas poucas funções exclusivas do profissional habilitado em curso superior.
Como o STF acatou a iniciativa dos empresários da comunicação, temos agora legalizado um golpe à liberdade de expressão, mesmo nos seus limites político-ideológicos burgueses.
Se a dita liberdade de imprensa é uma ficção burguesa, dado que somente o grande capital pode exercê-la de fato (pois monopoliza as grandes redes de rádio e TV, em conluio com a aristocracia política), imagine agora o cerceamento à liberdade de expressão com a inexorável e progressiva presença de porta-vozes dessa mesma burguesia política e empresarial com a idéia fixa do livre mercado acima de tudo e de todos.
Se formos rigorosos e coerentes (conforme a “lógica” pretensamente jurídica do STF), não há necessidade do diploma de Direito para exercer a advocacia, nem se tornar juiz, procurador ou ministro do Supremo.
Afinal, são ambas as profissões meras “artes”: a de jornalista, a arte de escrever: a de advogado e similares, a arte de falar e escrever.
E também não há necessidade de diploma para os economistas, assistentes sociais, publicitários etc (afinal, em quê um eventual prejuízo destes à sociedade poderia ser diferente do prejuízo de um jornalista à mesma, para que seja exigido o diploma daqueles, e não deste?).
Quem desconhece, aqui, os graves prejuízos que o jornalismo pode fazer às pessoas e instituições? Quem pode esquecer a TV Globo e jornalões escondendo da opinião pública a campanha das Diretas, já? Quem não sabe que o jornalismo de TV e Rádio é monopolizado pelos políticos e empresários? Vocês sabiam, por exemplo, que está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei para unificar os fusos horários brasileiros, em função do interesse da grade de programas das grandes emissoras?
O STF está judicializando assuntos que fogem de sua alçada, como é o caso de ofender com esta estúpida decisão liberdades consagradas no texto constitucional.
A democracia corre perigo quando uma corte toma decisões autoritárias com o apoio de procuradores federais, juízes e, é claro, a chamada grande imprensa venal e do capital, que manipula e distorce fatos para defender interesses escusos e elitistas da velha direita.
Outro argumento canhestro: jornalismo é uma “arte”, como a arte literária, apenas diferenciada porque se materializa dentro de uma empresa que paga (mal) aos seus assalariados (que serão demitidos para serem substituídos por apaniguados).
Como dissemos, o diploma nunca impediu a liberdade de imprensa, nem de expressão, nem de opinião (que são diferentes tipos de liberdade, não necessariamente complementares).
Pelo fato de ser uma profissão aberta, milhares de profissionais estão empregados sem a necessidade de diploma (muitos, infelizmente, fazendo jornalismo marrom, puxa-saco, aético). O diploma nunca impediu ou cerceou quaisquer daquelas liberdades (muitas, apenas no papel, mas por causas materiais, exatamente capitalistas).
Ao mesmo tempo, jornalismo é uma técnica de redação, não uma arte, um trabalho diletante e romântico.
Exige a ética da comunicação, conhecimentos dos gêneros jornalísticos, redação e locução com técnicas específicas etc.
Mas, diante do avanço autoritário dessa corte de iluminados juristas, propomos, sob a mesma lógica, que seja extinta a exigência do diploma de Direito para o exercício da liberdade de representação perante o Estado ou outrem.
Afinal, no fundo, apesar da arrogância e pretensão desses togados, não há nada nos livros jurídicos que não possamos aprender sem a necessidade de um curso de Direito.
Se o Congresso não criar uma lei que reestabeleça a exigência do diploma, só restará a liberdade de opinião nas assembléias e reuniões públicas.
E talvez devamos temer até por esse direito, pois vejo que ações e idéias reacionárias estão começando a convergir nas váriasinstâncias dos três poderes, talvez temendo o avanço da nossa luta contra-hegemônica a essa ordem política e social de atraso e violência.
Proposta nossa contra a reserva de mercado dos formados em Direito: que os rábulas possam voltar à ativa e presidirem o STF. A democracia está frita com esses nobres juristas.
Roberto Numeriano é jornalista, mestre em Ciência Política, professor de comunicação da Esurp e da Faculdade de Caruaru