Indigentes comem carne humana em lixão de Olinda (PE); documentário traz episódio que o país não pode esquecer

Por Dinomar Miranda,

Sábado, 16 de abril de 1994.

Essa foi a manchete da Folha de São Paulo: “Indigentes comem carne humana em Olinda (PE)”.

O episódio ocorreu há exatos 28 anos. Ainda em um país sem internet e redes socais, o fato se tornou um escândalo, não apenas em Pernambuco, onde cheguei para morar um ano depois.

A notícia foi página dos principais jornais do país.

Catadores do “Lixão de Aguazinha”, periferia de Olinda (PE), acharam uma mama e um pedaço de “bucho” humanos, descartados como lixo hospitalar, advindo de procedimentos cirúrgicos e jogados sem o mínimo cuidado e o dever legal.

Levaram para casa, cozinharam e serviram à família com cuscuz.

No lixão, centenas de pessoas passavam o dia e a noite sobre montanhas de lixo à procura de algo que comer ou de bens para revender.

Aquilo chocou.

Cinco anos depois, ao final do meu curso de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco, fui investigar o episódio e produzi um documentário para a TV.

A pesquisa, produção e a edição são minha e das também jornalistas Marla Urias e Tatiana Moreira.

A direção e o roteiro é de minha autoria.

As imagens foram feitas por Ítalo Wagner, com Iluminação de José Luiz, edição de Leonardo Alfinete, supervisão técnica Marcos Muniz e Orientação do jornalista e professor Paulo Fradique.

Fui a campo procurar os personagens da história. E os achei. Confirmaram a história e contaram como tudo ocorreu.

O documentário foi buscar a fumaça que existia por detrás daquela barbaridade. Comeram querendo? foi um acidente ? sabiam que era carne humana? Quem eram as pessoas? como viviam?

Como era vida dos catadores? Como era a insalubridade de quem sobrevive em um lixão urbano?

O que encontrei naquele lugar foi estarrecedor.

Nos meus então 28 anos de vida, fui atrás de algumas perguntas e encontrei uma massa de brasileiros vivendo como porcos, comendo das sobras de uma cidade insensível àquele drama.

A maior alegria daquele grupo de catadores, composto por dezenas de crianças, era a chegada dos caminhões de lixo de um shopping. Ali era certeza de comida e bons alimentos.

Descobri também que até ali o ser humano consegue explorar o outro que nada possui.

Os atravessadores de recicláveis estavam no local comercializando o nada e sugando até alma de mortos vivos, em especial das crianças catadores.

Descobri também o outro lado do ser humano: dos voluntários.

“O projeto meio ambiente e cidadania ”, um esforço de voluntários, ONGs e governo tinha o objetivo de por fim, ao menos, ao drama das crianças e adolescentes dos lixões de Olinda, com creches, escola, esporte e atenção básica.

Mais de 80 crianças estava sendo assistida. 22 anos depois consegui recuperar a fita que continha o documentário “Aguazinha: Repentes de Esperança”.

Infelizmente, apesar de mais de duas décadas depois, parece que não houve muito avanço. Os lixões continuam por aí, assim como os catadores e as crianças desses submundos.

São brasileiros de quinta categoria, invisíveis e condenados, principalmente, em não ter qualquer tipo de dignidade.

Assista ao documentário e sinta o impacto, mesmo 22 anos depois.

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