Coronavírus: especialista prevê “dias muito duros” nas próximas 20 semanas
Diplomatas estrangeiros baseados em Brasília reagiram com muita preocupação à notícia, divulgada sábado (4) pelo Ministério da Saúde, de que em apenas 24 horas aumentou em 20% o total de mortes por covid-19 oficialmente registradas no Brasil.
Neste domingo (5), os números atualizados indicam 11.130 casos confirmados e 486 mortes no país.
O fato é que a pandemia no país passou da fase inicial, de transmissão dita “localizada”. Ela ocorre quando é possível identificar como a pessoa foi infectada pelo novo coronavírus e até de quem pegou. Nessa primeira etapa, as vítimas eram geralmente brasileiros e brasileiras de bom padrão econômico e social, que haviam viajado recentemente ao exterior.
Os estados mais vulneráveis no momento à rápida expansão da covid-19 – Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Amazonas e Distrito Federal, segundo o próprio Ministério da Saúde – possuem alta concentração aeroportuária e recebem grandes quantidades de passageiros vindos do exterior, em especial dos Estados Unidos e da Europa, áreas muito afetadas pela pandemia.
Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José Davi Urbaez, o Brasil não dispõe mais do tempo que teve para observar e aprender com os exemplos de outras nações, preparando-se adequadamente para enfrentar a doença. Agora, diz ele, o mais importante é garantir que a propagação do vírus ocorra de forma mais lenta.
“Provavelmente as 20 semanas na frente vão requerer de você, de mim, de todos, estrutura que a gente nunca teve. Serão dias muito duros, de muitos pacientes”, acrescentou.
Aspectos estruturais e conjunturais
As epidemias decorrentes de doenças virais seguem um padrão da matemática chamado de função exponencial. Essa função se manifesta em exemplos práticos do dia a dia, desde fenômenos naturais até modelos econômicos de juros.
A diferença é que, no caso das epidemias, as variáveis não são controláveis. O professor de matemática Ricardo Suzuki explica que ainda não se sabe qual é o fator multiplicativo da infecção por coronavírus. Portanto, não se sabe qual será a ordem de crescimento da doença.
Inicialmente, estimou-se, a partir sobretudo da experiência da China, que cada pessoa infectada poderia transmitir diretamente o vírus para outras duas ou três pessoas. Pesquisadores consideram tal estimativa pequena para países como o Brasil.
Tudo isso pode facilitar a disseminação. Há ainda os aspectos conjunturais, associados principalmente à qualidade da intervenção governamental.
O diretor da Sociedade de Infectologia do DF classifica o comportamento de Bolsonaro de “antipatriótico, criminoso e absolutamente irresponsável”. Segundo ele, há milhares de pessoas que podem seguir a opinião de um líder e ignorar os fatos por medo de encarar a realidade.
Crescimento exponencial
Para entender o que é crescimento exponencial, imagine uma pessoa infectada e admitamos que ela pode transmitir o vírus para apenas outras três pessoas.
1º dia – 1 pessoa infecta 3 = 1 x 3 = 3 pessoas infectadas
2º dia – 3 pessoas infectam cada uma 3 = 3 x3 = 9 pessoas infectadas
3º dia – 9 x 3 = 27 pessoas infectadas
4º dia – 27 x 3 = 81 pessoas infectadas
5º dia – 81 x 3 = 243 pessoas infectadas
6º dia – 243 x 3 = 729 pessoas infectadas
7º dia – 729 x 3 = 2.187 pessoas infectadas
Embora bastante simples, o exemplo acima mostra que somente uma pessoa, caso não cumpra as recomendações médicas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, pode levar à infecção de mais de 2 mil pessoas no intervalo de uma semana. É o que se denomina crescimento exponencial.
Cientistas brasileiros observam que a curva de evolução do covid-19 foi pouco acentuada nos primeiros dias, mas adquiriu inclinação muito alta ao longo do tempo.
“A gente tem que torcer para que essa crise demore mais a passar. Se a crise passar rápido, matematicamente falando isso significa que muita gente vai ficar sem atendimento e, consequentemente, mais gente vai morrer”, completa Ricardo Suzuki.
Subnotificação
Suzuki explica que a construção de gráficos para acompanhamento da doença ao longo do tempo depende da testagem de casos.
Esse dado, inclusive, parou de ser divulgado pelo Ministério da Saúde em março. Agora, não é possível ter acesso ao número de pacientes suspeitos, mas somente aos casos confirmados e ao total de óbitos registrados.
A estratégia para manejo da epidemia na Coreia do Sul, por exemplo, foi de testagem ampla, com isolamento apenas dos infectados. A ideia no país foi fazer a identificação o mais cedo possível.
A precariedade no sistema de testagem brasileiro pode ser contornada por outras medições, como o número de respiradores mecânicos que estão sendo demandados e a quantidade de leitos utilizados, afirma o médico infectologista José Davi Urbaez.
Até a semana 13, houve incremento de 230% em 2020 nas hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em relação ao mesmo período de 2019. Na última semana, foram 8.048 hospitalizações, enquanto no mesmo momento do ano passado foram registradas 1.123.
“Não há nenhuma dúvida de que não é uma gripezinha e não há nenhuma dúvida de que está acontecendo um problema grave”, disse o médico.
Isolamento social
O mecanismo de isolamento social pode permitir que a doença se manifeste de forma mais branda, alertam o médico e o matemático, exatamente porque adiam a marcha de evolução das infecções.
De acordo com Suzuki, os dados de outros países não deixam dúvidas de que o isolamento é uma forma eficaz de contenção.
“Com certeza absoluta ainda não chegamos nem perto do pico de contaminação”, garantiu. Por essa razão, ele defende que sejam mantidas as medidas de isolamento social. “Controles mais rigorosos são vitais para um crescimento menos acelerado da curva”, advertiu.