Fechamento da Escola Agrícola de Arraias (TO): “O sonho não pode acabar”


Por Valmir “Crispim” Santos*, 

O sonho não pode acabar…

“Transcorria o ano de 1986, e
as belezas exuberantes da Ilha do Bananal embalavam minhas esperanças e o sonho
de um futuro melhor. 

Naquele dois de fevereiro iniciava a maior oportunidade
que tive em minha vida, aliás, de toda uma família composta por 12 irmãos, filhos
de agricultores de uma região pobre de Goiás. 

Vinte e sete anos depois o sonho
de criança ainda está presente na memória que revive esse momento como se fosse
ontem, e a cada vez sou invadido pela emoção de sua importância em minha vida. 

É que nessa data iniciava minha trajetória de estudante no internato da Escola
Agrícola de Canuanã em Formoso do Araguaia – TO. Essas emoções (não as chamo de
lembranças), vieram a tona nesse final de semana (23/02), com a notícia da
possibilidade de fechamento da Escola Técnica Agrícola David Aires França em
Arraias – TO.
 



Entre os sonhos de uma
criança pobre em 1986, iniciando uma trajetória vitoriosa como interno de uma
Escola Agrícola lá na Ilha do Bananal e os jovens alunos da Escola Agrícola
David Aires França de Arraias existem muitas semelhanças; a maior delas a
verdade clara de que somente uma educação de qualidade pode fazer a diferença
na vida de qualquer cidadão.


Outra semelhança está no fato de que as duas escolas
estão localizadas em regiões pobres do Estado do Tocantins, sobretudo a Escola
Agrícola David Aires França, e ambas tem como característica principal o
atendimento da população carente da região onde estão instaladas.


O sudeste do Tocantins
apresenta os piores indicadores sociais do Estado, principalmente em função do
passivo social acumulado pela falta de políticas públicas adequadas ao
desenvolvimento local. 

Esse passivo foi primeiro evidenciado nos Estudos do
Geógrafo Josué de Castro em “Geografia da Fome no Brasil” – 1946. 





Nele essa
região ficou nacionalmente conhecida como “corredor da fome e da miséria”, onde
imperava o abandono, a exploração e a falta de investimentos em políticas
básicas de desenvolvimento humano. 



Essa realidade começou a mudar nas últimas
duas décadas, principalmente após a criação do Estado do Tocantins e
consequentemente a potencialização de investimentos públicos em diversas áreas,
visando acima de tudo a inclusão social. 

A melhoria nas condições de vida da
população dessa região nos últimos tempos está diretamente associada aos avanços
na educação, especialmente na redução do analfabetismo e na formação superior.


Nos quesitos que compõem o
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do município de Arraias, a educação é o
que apresenta os avanços mais consistentes. Mesmo assim, ainda exibimos um
índice de analfabetismo de 21,2%, ante os 9,6% de média nacional (IBGE/Censo
Demográfico de 2010). 


Se aprofundarmos mais um pouco nessa análise
descobriremos que a maior quantidade de analfabetos do município habitam na
zona rural, onde a grande maioria não tem acesso à escola; e quando essa
possibilidade existe encontram uma situação desalentadora, pois a realidade das
escolas rurais no Brasil é motivo de desestímulo a quem quer que seja.


Diante de tal realidade a
opção utilizada nos últimos tempos pelo sertanejo dessa região foi transferir –
se para as cidades na busca de uma educação de melhor qualidade aos seus
filhos. 


Por mais que sejam humildes, todos compreendem que somente uma educação
de qualidade poderá proporcionar uma ascensão social à família, quebrando a
corrente de pobreza, miséria e submissão que perpetua há séculos principalmente
na zona rural dos municípios do sudeste do Estado do Tocantins. 


Fato é que nos
últimos vinte anos o índice de habitantes residentes na zona rural de Arraias
caiu de 53,79% para 30,75% da população, conforme mostram os censos populacionais
de 1991/2010. Situação que numa primeira análise representa inúmeros
inconvenientes sociais, culturais e econômicos ao município. 


Só a título de
comparação, a redução da população rural no Brasil nesse mesmo período foi de apenas
oito pontos absolutos, caindo de 24% em 1991 para 16% em 2010, enquanto que em
Arraias tivemos o dobro disso. Sem dúvida a busca por uma educação de qualidade
é a principal razão do elevado êxodo rural experimentado nos últimos vinte
anos.


Diante desse cenário muito
me estranha a decisão do Governo Estadual em fechar e entregar à Universidade
Federal do Tocantins a área da Escola Técnica Agrícola David Aires França. 


Tendo como base os números acima apresentados e a necessidade de políticas públicas
que possibilite a redução do êxodo rural não só em Arraias, mas em todo país,
chegamos facilmente a conclusão de que o caminho mais adequado é ampliar a
disposição de vagas nas Escolas Técnicas e Internatos que atendem
principalmente os habitantes da zona rural; em especial aos sertanejos humildes
que estão espalhados nesses sertões, resistindo bravamente a fúria do
agronegócio sobre suas propriedades. 


Internato como a Escola Agrícola de
Arraias representa o último refúgio seguro para os filhos desses bravos
brasileiros abandonados pelas politicas públicas ao longo de nossa história. 


É
a certeza de uma educação de qualidade sem a necessidade de abandonar o campo e
a vida simples, mas digna. E pelo que percebemos as políticas do Governo
Estadual apontam no sentido contrário dessa necessidade.




O fechamento da Escola
Agrícola David Aires França vai contra o entendimento do Governo Federal e da própria
Universidade Federal do Tocantins em potencializar a Educação no Campo como
politica pública capaz de minimizar os diversos problemas enfrentados pelo meio
rural atualmente. 


A própria UFT terá entre seus cursos nos Campus de Arraias e
Tocantinópolis a graduação em Educação no Campo. 



Situação semelhante vive à
Universidade Federal de Goiás, que acabou de aprovar junto ao CNPq um Projeto
de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural, destinada à formação
de professores que trabalham na Educação do Campo nos territórios da cidadania
do Vale do Paranã e Chapada dos Veadeiros em Goiás, incluindo as comunidades
remanescentes de quilombos kalunga; também atendidas pela Escola Agrícola David
Aires França. 


Essa tendência deixa evidente a valorização da Educação no Campo
e sua importância social. Portanto, desativar uma unidade de ensino com a
estrutura da Escola Agrícola David Aires França seria ir contra a mobilização
atual para a valorização do ensino em tempo integral.


E voltando aos sonhos de
criança de 1986, ao entrar na Escola Técnica Agrícola na 5ª série ginasial, na
busca de um futuro diferente que não o da pobreza e da miséria experimentado
até aquele momento pela família, os resultados não poderiam ser melhores: conclui
o curso Técnico em Agropecuária em 1992, e construí uma carreira profissional
que me possibilitou a graduação em Geografia, e abriu caminho para que outros
irmãos também tivessem acesso a universidade. 


Esse foi o diferencial entre a
pobreza evidente e uma vida sem grandes privações à toda família. 

E para que
não digam que sou uma exceção, sonharam e compartilharam dos meus sonhos os
amigos de turma: João de Albuquerque Filho – Extensionista Rural em Almas – TO;
Hélio Dinarte – Médico Veterinário da ADAPEC em Almas – TO; Ten. Cel Carlos
Alberto Rodrigues – Cmte do Corpo de Bombeiros em Gurupi – TO; Dr. Raimundo
Wagner Rodrigues – Professor da Universidade Federal do Tocantins em Gurupi;
Cícero Crispim Santos – Assessor Técnico da Prefeitura Municipal de Campinaçu –
GO; Cabo Jailton Alves – Policial Militar em Formoso do Araguaia – TO; e mais
vinte e cinco cidadãos honrados e queridos pela sociedade onde vivem.




Nesse momento estão
construindo esse sonho na Escola Agrícola David Aires França – em Arraias – TO,
os jovens e sonhadores: Sabino Dias
Carvalho – Fazenda Santa Maria; Francivânio
Chaves de Jesus – Comunidade dos Poções; Matheus Barbosa Chaves – Comunidade das Canjicas; Deuzimário dos Santos Marques –
Comunidade Kalunga do Mimoso; Ozelino
Fernandes Castro – Comunidade Kalunga do Riachão; Luziel Tiago Santos – Comunidade Kalunga de Campo Alegre; Deusimar Santos – Caseara – TO, e mais
de duas centenas de adolescentes provenientes em sua maioria de comunidades
pobres e esquecidas pelo poder público de Tocantins e Goiás. 

Esses sonhos não
poderão ser interrompidos e jogados ao vento. 


Todos esses jovens sem exceção,
são pessoas carentes e batalhadoras que encontraram na Escola Agrícola David
Aires França, talvez a única oportunidade de mudar a realidade familiar e
alcançar uma condição socioeconômica mais justa e satisfatória. 

A chance de
sonhar.

A vocês jovens e cidadãos de
bem, estudantes da Escola Agrícola David Aires França meus sinceros
agradecimento por continuar esse sonho, e tenham a certeza de que continuaremos
lutando pelo direito de sonhar. O sonho não pode acabar…



*Técnico
em Agropecuária, Geógrafo, Professor e Mestrando
em
Geografia e Ordenamento do Território pela
Universidade
Federal de Goiás.  

PS:
opiniões e críticas referentes ao texto acima poderão 
ser
enviadas a valmircrispim@hotmail.com, http://www.facebook.com/crispim.santos.1

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