Quilombo aguarda dez anos por titulação em Nova Roma (GO), inclusive com ameça de pistoleiros
Por Por Daniela Carolina Perutti (texto e fotos), doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).
“Você veio de longe pra fazer pesquisa nesse fim de mundo? Aqui não tem nada não.” A fala de uma funcionária da prefeitura de Nova Roma, surpresa com meu interesse em pesquisar a região, é recorrente entre os moradores dessa cidade sertaneja, localizada no Nordeste de Goiás.
Em função da falta de perspectiva de emprego ou melhora de vida, a sensação geral é de que em Nova Roma, que conta com cerca de 3.471 habitantes (IBGE, 2010), restaram apenas os velhos, as crianças e os que não têm estudo.
Se a sensação de que a vida local está acabando é presente entre os novarromanos de um modo geral, ela parece ser ainda maior entre os membros da comunidade quilombo Família Magalhães, que vive no extremo norte do município. O grupo é originário do território Kalunga, considerado hoje o maior quilombo do país, com cerca de 8.000 pessoas distribuídas em 42 localidades (Projeto Kalunga Sustentável).
A área deste, nas proximidades do rio Paranã (quilômetros abaixo do território dos Magalhães), abrange os municípios de Monte Alegre de Goiás, Teresina de Goiás e Cavalcante (confira a localização exata clicando aqui). Os primeiros indícios de constituição do quilombo naquela região datam da segunda metade do século XVIII, em documentos oficiais.
O grupo foi perdendo sucessivamente o território que ocupava para supostos proprietários, ficando confinado a uma pequena faixa de terra.
Para José Magalhães, o filho mais velho, é difícil entender o ‘mundo da lei’, no qual alguém pode ser dono de uma terra sem nunca nela ter plantado, tampouco pisado |
Com o apoio de vizinhos e políticos locais, o grupo tomou conhecimento de que, por serem quilombolas, possuíam direito à terra conforme disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitória (ADCT). Em 2004, ao recorrer a um procurador da república e narrar a situação, foram orientados acerca de seus direitos.
Faz dez anos que a comunidade Família Magalhães foi reconhecida pelo governo federal como quilombola, tendo recebido a certidão de autorreconhecimento pela Fundação Cultural Palmares.
Enquanto isso, a comunidade sofre as consequências pela não titulação de suas terras. Orientada por agentes governamentais, ainda em 2004, a não mexer substancialmente no território, de modo a evitar novos conflitos, ela deixou de fazer roças maiores, restringindo-se a pequenas plantações no quintal de cada casa.