Diário da Manhã: Nova eleição em São Domingos e o rosnado de Caiado em Posse


“Todos cantam sua terra,

         também vou cantar a minha”…

Cassimiro de Abreu

Lá longe, nos contra-fortes da Serra Geral, São Domingos e Posse são sentinelas avançadas da honra de Goiás, rebatendo as estocadas expansionistas da Bahia e de Minas Gerais, no Grande Sertão – Veredas.

Jornalista há mais de meio século, nunca dei conta de escrever sobre essas duas cidades, por envolvimento emocional com elas. 

Ô paixão! É paixão para mais de metro. Agora, eu vou entrar nessa enrascada. Os excessos e as omissões correm à conta dessa paixão desenfreada.

São Domingos, terra de meus pais e de minha primeira mulher é o mais belo e agarrativo pedaço da natureza, e é lá que o rio nasce, e é lá que a lua mora, e o vento que enruga as águas do lago nunca sai de lá, porque em São Domingos o relógio parou, a dor morreu de morte morrida e o amor se renova todas as tardes e manhãs no dobrar do sino da velha igreja.

Em São Domingos, a metade da população é parente, um do outro. A outra metade são primos e, não raro, compadres. A cidade respira e transpira política e lá todo dia é dia de eleição. 

Ô terra de homens inteligentes e mulheres bonitas. Ali, as pessoas não se identificam pelo nome, mas por números – 15 (PMDB) ou 45 (PSDB).

Famílias centenárias dominam a cidade desde sempre. A mais antiga delas é os Pinheiro/Santa Cruz, do Brigadeiro Felipe Antônio Cardoso. Depois, vem os Chaves, os Régis Valente e os Oliveira, mas a prefeitura para eles tem mais poder do que a Casa Branca. Lá, os votos não são muitos, pouco mais de cinco mil, e,mesmo assim, raras vezes filhos desses clãs governaram a cidade, pela autofagia política. No passado, teve deputados estaduais e agora tem deputado federal com vários mandatos, Pedro Chaves, o Pedrinho.

Mesmo com deputado federal, os Chaves não conseguem eleger vereador. Nem os Régis. E a última vez que governaram a cidade foi há cerca de 40 anos, com Rosendo Chaves, assim mesmo como candidato único. Ele é irmão do deputado Pedrinho e do promotor Waldir Chaves, os dois meus amigos de longa data. Rosendo ainda está lá, firme e forte – um homem boníssimo e muito querido na cidade. 

Os Chaves são pessoas de destaque em Goiás, além do deputado, os desembargadores Leobino e Arivaldo Chaves, que já presidiram o Tribunal de Justiça do Estado e ainda o bispo d. José Chaves. Tenho pelos três amizade e admiração, desde os tempos de menino, principalmente por Ari. 

Não se tem notícia de que três irmãos, de uma casa só a um só tempo, sejam tão destacados como os filhos de d. Bertula. 

Por mais ilustres, os filhos saem de São Domingos, mas São Domingos e a paixão política de lá nunca saem deles. E ai daquele que não ama a terra natal e nem tem opinião política.

Botar prefeito pelo voto e tirar prefeito no tapetão é a diversão na cidade.

Essa guerra começou ainda no século passado: Hélio Régis, que fora prefeito pela primeira vez em 1982, não elegeu o sucessor e teve que mudar-se da cidade. Foi parar no Tocantins. 

Voltou candidato em 2000, e os Chaves mandaram vir de Brasília Gervásio Gonçalves. Gervásio é funcionário do Senado Federal há quase 30 anos. Um homem esforçado, pois não pertence a nenhuma das famílias citadas. Oriundo da zona rural, em Brasília, lutou muito, estudou, e com esforço próprio venceu. Fez amizades pragmáticas, pois é ligado a Joaquim Roriz e ao círculo de Paulo Otávio, Luiz Estêvão,  Roberto Arruda e Gim Argelo. Amizades da pesada.

Assim que as coisas da política apertam em São Domingos, o nome de Gervásio é lembrado. E ele está sempre pronto. Uns o consideram “bate pau” dos Chaves, mas outros o têm como “amigo certo das horas incertas”.

Em 2000, Gervásio perdeu a eleição para Hélio Regis e no fim da apuração, derrotado e imprudente, teria feito a inconfidência: 

“O dr. Ari me garantiu que, se eu perdesse, ele me fará prefeito pela Justiça.” 

Dr. Ari é o desembargador Arivaldo da Silva Chaves, na época, em exercício e com largo prestígio no TJG. Foi dito e feito: Hélio Regis foi cassado pelo Tribunal de Justiça e o perdedor, Gervásio, virou prefeito.

Na prefeitura, Gervásio aprontou tanto que não terminou o mandato e foi afastado pelo mesmo Tribunal que o empossara. E são Domingos, em coro, concluiu: “Nem o dr. Ari deu conta de segurar Gervásio.”

O desembargador Arivaldo é primo primeiro de Hélio Régis, mas em São Domingos, os laços da política são mais fortes do que os laços de sangue.

Hélio Régis tinha tanto prestígio que ainda elegeu a sua mulher Rosana prefeita, e morreu precocemente. 

Mas para agravar o que já é crítico, chegou a São Domingos o promotor Douglas Chegury, um fiscal  espartano da lei, disposto a preservar o meio ambiente e a lavar o processo eleitoral da sujeira e da compra de votos. 

Desde que chegou à região, que o dr. Chegury virou um xerife temido e visto como remédio para todos os males. O fato mais excêntrico de sua presença na região foi a prisão com algemas do prefeito de Iaciara Quintino de Paula. Depois disto, sem que o dr. Douglas soubesse, muita injustiça tem sido feita em seu nome, até contas indevidas foram pagas: “Se não me pagar isto, eu vou lhe denunciar ao promotor de São domingos”– chantageavam os malandros. E as contas eram pagas. Hoje, o nome do promotor Douglas já não causa tanto medo. 

E ele também já deve ter notado que as pequenas violações ambientais na região se devem ao estado de penúria, de pobreza e miséria da população.

Por ação do promotor Douglas Chegury, o prefeito Odelmar de Almeida, o Dimá, foi afastado com menos de um ano de mandato e a Justiça convocou nova eleição.

E Gervásio Gonçalves, “o amigo certo das horas incertas” foi chamado para resolver mais essa parada.

Gervásio não podia ser candidato porque está incurso na Lei da Ficha Limpa. Mas como conhece os caminhos de arrecadar dinheiro em Brasília, ele resolveu colocar em seu lugar sua mulher Etélia Vanja, “a laranja”, como é chamada pelos 45. D. Etélia é funcionária federal e nada tem a ver com São Domingos. Ela ganhou a eleição por 14 votos, e tem a administração mais mal avaliada entre todos os prefeitos do Estado, conforme pesquisas de vários institutos.

Gervásio tornou-se o prefeito de fato, chegando ao ponto de ter procuração para exercer o mandato. O assunto virou escândalo e foi contornado. O promotor Douglas Chegury foi para cima e conseguiu a quebra de sigilo telefônico dos patrocinadores da eleição da prefeita Vanja.

Nunca se viu tanta lambança assim. À cata de dinheiro ilícito, raparam o prato e lamberam os dedos. Gervásio foi atrás de um profissional da área, o ex-governador Joaquim Roriz, que teve de renunciar o mandato de Senador por gatunagem. Até cheque pré-datado foi repassado por Roriz, que ainda quis voltar atrás, mas Gervásio foi mais esperto e disse que descontara o tal cheque em um posto de parente. 

A trapalhada mais debochada envolveu o ex-prefeito de Iaciara Adão Ribeiro. Combinou  em mandar 3 mil e duzentos reais para Gervásio. Só que errou na digitação e acabou mandando 32 mil reais na conta do primo de Gervásio, Deusmar Gonçalves. De posse da grana, se recusaram em devolver o excedente.

Aí é demais, pois bandido que se preza tem código de honra. Em São Domingos, deve ter nova eleição.

Já que falei tanto de coisas torpes, tenho que defender a honra de minha terra natal, insultada pelo deputado Ronaldo Caiado, em pequeno comício de um pequeno bairro periférico, de pessoas humildes e indefesas. 

Lá, fez-se valente, esmurrando o vácuo, colérico de ódio, com linguagem imprópria à família e a um deputado, ainda mais a um médico. Estropiou a língua portuguesa, errando na matemática e pecando na gramática. Quem não o conhece, acredita que tem mesmo coragem. Tem nada: não dá conta de ouvir o barulho do chinelo da frágil Marina Silva, que no ano passado o colocou porta a fora do palanque do PSB, e de lá saiu de  cata-cavacos.

A vida pública de Ronaldo Caiado honra a própria incoerência. É deputado há mais de 20 anos e não existe nenhuma lei de sua autoria. É reacionário pré-histórico, e foi abrigar-se sob o manto vermelho do socialista Eduardo Campos, de quem fazia apologia e mentia ter até intimidade com ele. A frágil Marina Silva botou-o porta a fora e Campos disse que nunca o vira mais gordo. 

Escorraçado do palanque do PSB, o dr. Ronaldo Caiado foi requebrar-se para a coligação governista. Requebrou-se, requebrou-se até resvalar-se no terreno escorregadio da desonra, pois protagonizou cena deplorável em praça pública de Americano do Brasil. Chorou aos pés do presidenciável Aécio Neves para fazer o governador Marconi Perilo engoli-lo goela baixo. Foi rejeitado.

Desprezado e humilhado, o deputado Ronaldo Caiado foi bater no palanque de Iris, a quem Caiado passou a vida chamando de “jacu mal atirado” e outros adjetivos impublicáveis. Muitas vezes ele jurou em praça pública que, ao vender a usina de Corumbá, Iris começara a quebrar a Celg, cuja pá de cal aconteceu com a venda de Cachoeira Dourada.

E é esse homem que foi fazer-se valente em minha terra natal. “Comigo não: passa fora, canalha”– disse um dia Ruy Barbosa, para um arruaceiro que fora insultá-lo em seu escritório. 

Quanto mais o comício em Posse era pequeno mais se apequenava o deputado no palanque. Um dos presentes me contou a cena: “O Caiado começou chamando o Iris que estava a seu lado de ‘galo velho de terreiro’, e começou a gritar apoplético. Sempre parava e mostrava os dentes, parecendo que estava rindo-se para dentro, como se risse de si mesmo. No palanque, Iris cochilava. E o Caiado gritava o seu nome, e Iris espantava-se, uma judiação. E o trololó do Caiado, babando, tornava gritar o nome de Iris que se espantava, e o coitado cochilava e espantava”, contou-me um dos presentes, para testemunhar. E foi assim por muito tempo, até que o deputado deu uma crise de repetição da mesma palavra: mandruvá, mandruvá, mandruvá, mandruvaaaá… Esbugalhou os olhos, e uma saliva viscosa escorreu-lhe pelo canto da boca.

Lá em Posse, passou a ser chamado de Caiado Mandruvá.      

(Carlos Alberto Santa Cruz, jornalista)

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