Encontro de Culturas: Opereta Popular deste ano fará alerta à destruição do cerrado
Quando perguntam a Doroty Marques desde quando ela produz operetas, ela costuma responder:
“Pergunta difícil. Só posso dizer que já caminhei pela Floresta Amazônica, com índios e seringueiros, e produzi operetas.
Com plantadores de banana no litoral paulista, nos presídios, no sertão, na favela, na rua, no cerrado… São 40 anos caminhando pelo Brasil produzindo operetas com crianças e jovens”.
Em São Jorge, a Opereta Popular é tradição desde 2003, durante o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, montada pelos participantes do projeto Turma Que Faz e coordenada pela arte-educadora.
O tema é definido com meses de antecedência, para que toda a comunidade seja envolvida e se prepare para o espetáculo. Neste ano, é a obra Azulão Companheiro que está fervilhando na cabeça de Doroty desde janeiro.
Vem em boa hora. O objetivo desta opereta popular é chamar atenção para o desaparecimento do nosso cerrado, em troca de soja, cana e gado.
“Ó, dá até verso”, brinca a artista, que com gargalhadas sonoras espanta qualquer notícia ruim. O azulão verdadeiro, ou só azulão, é um pássaro em extinção. A maioria que sobreviveu está na gaiola.
Ele é encontrado do Nordeste do Brasil ao Rio Grande do Sul e em países vizinhos, como Paraguai, Argentina e Bolívia.
“Podíamos ter escolhido um pássaro da região do cerrado, mas a intenção de usar o azulão é pelo fato de ele ser nômade”, explica Doroty.
O azulão vai viajar procurando a ajuda de seus companheiros. “Ele acha que vindo até aqui encontrará mata secundária, seu habitat natural, mas dá de cara com grandes plantações de transgênicos”.
O cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, ocupa 22% do território nacional e concentra 5% da biodiversidade do planeta.
Como está localizado em regiões planas, propícias à agropecuária, está ameaçado: atualmente, 48% de seu território original foi derrubado.
“Nossa opereta mostra que estamos acabando com tudo. A soja já invadiu a Chapada dos Veadeiros. E aí, como vamos fazer? Vamos deixar invadir tudo mesmo? Vai engaiolar?”, provoca Doroty, fazendo menção também à triste realidade dos pássaros.
A opereta
O termo opereta é usado porque nas obras de Doroty Marques não existe muito diálogo, só ritmo, cor, movimento e música. Em Azulão Companheiro, a passarada vai invadir o palco do Encontro.
Foram meses de pesquisas sobre os cantos e movimentos dos pássaros – ao vivo e a cores, nas ruas da vila de São Jorge, e no Youtube, que mais frustrou do que informou. No canal online, poucos estão em liberdade.
Na opereta da Turma e de Doroty, as crianças vão botar pra voar os pássaros pretos, sabiás, joão-de-barro, periquitos e azulões.
Estão ensaiando o voo em tecidos há meses, porque o tempo no espetáculo é cronometrado e a sincronização deve ser perfeita.
“É uma das operetas mais difíceis que já fiz na vida, porque não tem meio termo e nem como errar. Ou arrasa ou desarrasa”, conta a arte-educadora.
Quando apresentou o tema aos meninos do Turma, Doroty desanimou por um dia: eles estavam com medo de “voar”. Passaram-se poucos dias, voltaram atrás. Ensaiaram e agora já voam, estão quase prontos para a opereta, que será apresentada no dia 29 de julho.
Não podia ser diferente: se tem um trabalho que a arte-educadora é mestra, é fazer menino voar – na vida, na imaginação, na emoção, na arte. Em um ano de dificuldades financeiras, esse é um dos maiores incentivos ao Encontro de Culturas. Enquanto tiver gente disposta a voar, teremos motivos para continuar.
***Agradecimento especial à comunidade de São Jorge, comerciantes e pousadeiros, que fizeram doações e tornaram possível a compra dos tecidos e materiais e o pagamento de uma costureira para a criação do figurino da opereta. E à sempre parceira Téia Avelino, que tornou possível a arrecadação.
Fonte: Portal Encontro de Culturas de Alto Paraíso