Alto Paraíso de Goiás: Um vereador que vale por 5: conheça o ‘mandato coletivo’







Um portal em forma de disco voador indica que você chegou em Alto Paraíso de Goiás, um município localizado em pleno cerrado goiano, a 230 km de Brasília, que serve porta de entrada para a bela Chapada dos Veadeiros. 


Local místico, com pouco mais de 7 mil habitantes, já teve diversos registros de OVNIS, tanto que esculturas de pequenos ET’s fazem parte da decoração da cidade.


É no seio desse local que uma experiência política inovadora conseguiu sucesso nas eleições do último domingo. 


Ali foi eleito o Mandato Coletivo, uma candidatura única composta por cinco pessoas de diferentes formações. 


Cada um é responsável por uma área estratégica: jurídica; meio ambiente; cultura e juventude; turismo e comércio; educação e agroecologia.


Não está descartada a inclusão de novos integrantes, desde que aprovados por 75% do total de membros. Cada pasta pode ter participação de vários integrantes, porém terá apenas um representante. Todas as decisões serão tomadas coletivamente.


Com responsabilidades compartilhadas, o trabalho será menor, e o grupo se propôs a abrir mão do salário de vereador, que será destinado a um fundo comum a ser investido em “assuntos de interesse comum do município”. Entre as propostas para utilização do recurso estão a realização de um festival de cultura para a juventude e ações como mutirões para reflorestamento em torno de nascentes.


A ideia de um mandato coletivo não é totalmente nova. Vereadores de Salvador, Piracicaba e São Paulo já se articularam em prol da causa; o inovador do movimento de Alto Paraíso é definir o grupo antes do lançamento da campanha política, e não depois.

Construindo uma campanha


A ideia surgiu a partir de João Yuji, advogado paulista que trabalha como assessor jurídico na Câmara Municipal de Alto Paraíso. João ajudou a fundar em São Paulo o Movimento Ecofederalista, de inspiração anarquista, que defende a descentralização do poder, fortalecendo as instituições municipais, para que se possam criar estruturas realmente participativas para o povo.


‘Uma candidatura coletiva é a candidatura de um grupo e não apenas de um candidato. Formaliza-se apenas um candidato pois a Justiça Eleitoral não permite que seja registrado um colegiado como candidato. 


No entanto, na prática as decisões tomadas pelo candidato eleito, os votos nas sessões plenárias e o uso os valores recebidos pelo mesmo em razão do exercício do mandato, são definidos por um coletivo de mandatários’, explica o site do Movimento Ecofederalista.


Morando desde 2010 em Alto Paraíso, ele foi candidato ao legislativo municipal logo em 2012, sem sucesso. Em 2016 assumiu o desafio de adequar as ideias e propostas ecofederalistas e de mandato coletivo para a realidade local.
Entrar no sistema para transformar o sistema. Não é uma tarefa fácil. 


O primeiro desafio foi buscar um partido que pudesse bancar a proposta do mandato coletivo, discutida pelo movimento. Sendo o aspecto ideológico dos partidos geralmente muito pouco relevantes em pequenos municípios, o escolhido foi o nanico PTN. 


“Foi o primeiro a abrir as portas”, diz João Yuji, que foi registrado como o candidato, já que o sistema não permite inscrição coletiva.


Superada a parte burocrática, a tarefa foi formar a equipe do mandato coletivo. O advogado ficou responsável pela parte jurídica e pela representação do grupo nas sessões e votações. 


“Como o grupo vai dividir as tarefas, o trabalho será menor e vamos realizá-lo voluntariamente. Todos tomam as decisões juntos, convidando os demais cidadãos para estar presentes nas sessões da Câmara. Precisamos ocupar esse espaço. E mais do que aprovar um projeto ou outro, temos também dar informação para a população para que ela mesma possa agir sem estar numa postura dependente de um vereador”, afirma.


Laryssa Galantini, companheira de João, é a única mulher do grupo. Bióloga e mestre em Biodiversidade e Conservação, assumiu a responsabilidade na área de Meio Ambiente. Turismólogo, jornalista e guia turístico, Ivan “Anjo” Diniz, foi outro dos que aceitaram o desafio, cuidando dos assuntos de Cultura e Juventude. Alto, olhos azuis, loiro e com dreads, ele integra duas bandas de música e é ativo nos debates ambientais da região e na defesa da proteção do ecossistema do cerrado.


O mais experiente do time é Luiz Paulo Veiga Nunes, que vive há 20 anos em Alto Paraíso. Carioca, ex-engenheiro da Telebrás, ele deixou o trabalho e trocou a vida em Brasília pela opção de viver de forma mais engajada na questão social e espiritual, com maior ligação com a natureza. 


Construiu sua pousada e restaurante e já atuou como secretário municipal de turismo e foi integrante do conselho municipal de turismo, o que o colocam como indicado para a área de Turismo e Comércio.


César Adriano de Souza Barbosa, mais conhecido como Professor SAT, é mestre em Química pela Unesp e atua como pesquisador e coordenador de cursos de agroecologia e permacultura para jovens da região, assumindo assim a representação nos temas de Educação e Agricultura.


Daí veio o sedutor slogan: “Você vota em 1 candidato e elege 5 cidadãos comprometidos com o desenvolvimento da nossa cidade”. “O pessoal recebeu muito bem nossa proposta. O eleitorado é bem fechado mas fomos super bem recebidos”, diz Luiz Paulo.


Rumo às urnas



Nenhum dos candidatos do Mandato Coletivo é nativo da região, na qual a política ainda apresenta traços do velho coronelismo do interior do norte goiano. Em 2010, o prefeito da cidade foi assassinado.


Além dos primeiros fazendeiros e dos Kalunga, população de origem quilombola que ocupa a região de forma tradicional, o município, antes chamado de Veadeiros, recebeu a partir dos anos 50 dois fluxos de novos moradores: os garimpeiros em busca de cristais e os chamados “alternativos”, inspirados pela mística e modo de vida diferente.


Embora quase metade da população de Alto Paraíso seja conformada pelos “alternativos”, potenciais eleitores do grupo, a grande maioria deles não transferiu seu título de eleitor para o local. Por isso, os integrantes do mandato e outros cidadãos realizam campanhas incentivando para que participem do voto e das decisões locais.


No dia 2 de outubro, apuradas as urnas, o Mandato Coletivo, inscrito com o nome de João Yuji e número 19.111, teve 148 votos. Décimo mais votado para nove vagas, o grupo foi eleito por ter sido o primeiro da coligação composta por PTC, PSC, PMN, PV, PT e PTN, que garantiu uma vaga pelo total de votos dados aos partidos. 


Além do grupo, a Câmara foi praticamente toda renovada, com apenas um candidato reeleito.No mesmo dia de eleito, o grupo já postou uma foto da primeira reunião em sua fanpage no Facebook. “Começamos hoje mesmo nosso trabalho, organizando nossas agendas e um cronograma de ações para os próximos três meses. 


Em breve divulgaremos nossos projetos e ações que estão sendo programadas”. O efeito multiplicador das redes é notável: de 300 curtidas no dia 29 de setembro, o grupo dobrou o número depois da eleição e agora já passa de 900.


Com perfil tão diferente e uma proposta ousada, os integrantes do Mandato Coletivo, talvez sejam vistos quase como ETs dentro da política tradicional. Mas são poucos lugares em que os ETs são vistos com tanta simpatia como em Alto Paraíso. Com uma política “terrestre” tão chata, o potencial de abdução política pode ser grande.


Fonte: Calle2

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