O Facebook puxa o tapete da imprensa


A mudança anunciada há dias pelo Facebook para privilegiar audiências familiares ou de grupos de amigos marca uma reviravolta na estratégia de fidelização do público tornando ainda mais complexa a batalha da imprensa para sobreviver na era digital. 


É também um reconhecimento implícito da dificuldade da rede em lidar com a questão das notícias falsas e da desinformação em ambiente virtual.

Mark Zuckerberg, um dos criadores e atual executivo chefe do Facebook,anunciou no dia 11 de janeiro que a rede passaria a dar mais espaço e atenção à interatividade entre pessoas ao mesmo tempo que reduziria consideravelmente o volume de notícias e de comentários na área destinada à publicação de notícias ( News Feed, na versão inglesa, e Feed de Notícias, na versão brasileira do Face).

As consequências da revisão das estratégias do Facebook podem mudar os rumos da guerra surda entre imprensa e redes sociais virtuais porque reabrem a polêmica sobre se elas podem ser consideradas veículos de comunicação ou se são apenas uma plataforma tecnológica, sem compromissos editorais ou jornalísticos. 


No primeiro caso, a opção implica complexas responsabilidades sociais e informativas como, por exemplo, definir quais as notícias importantes ou quais as que são dignas de crédito.

A nova orientação editorial altera drasticamente a relação entre a rede e boa parte da imprensa que, há pouco mais de dois anos, achou que o Facebook poderia ser uma excelente oportunidade para ampliar audiências e obter um faturamento publicitário adicional. 


Na época, foram muitos os que advertiram jornais, revistas e empresas de rádio ou televisão de que a aposta na ampliação de audiência poderia ser ilusória e perigosa pois a rede de Mark Zuckerberg passaria a controlar a relação da imprensa com o público, sem a garantia de receitas capazes de resolver a crise no modelo de negócios da mídia.

Mas o tempo se encarregou de relativizar todos estes prognósticos e expectativas. As audiências da área de notícias do Facebook se estabilizaram nos países ricos desde 2016 num patamar de 45% do total geral de acessos a este tipo de conteúdo, embora ainda seja quase duas vezes e meia maior do que no You Tube, o segundo colocado no ranking com 18%, conforme pesquisa do Pew Research Center, dos Estados Unidos.

Além disso, os estrategistas do Facebook perceberam que houve uma queda no interesse dos usuários por notícias de atualidade como consequência das controvérsias entre políticos, imprensa e redes sociais sobre autenticidade e credibilidade em informações publicadas. 


A pesquisadora Shan Wang, do Nieman Lab, descobriu que metade dos usuários norte-americanos do Facebook não lê integralmente nenhuma notícia inserida entre os dez primeiros posts de seus feeds na respectiva página pessoal. Na Inglaterra, o jornal The Guardian divulgou uma pesquisa mostrando que apenas um em cada quatro britânicos confia nas notícias publicadas pelo Facebook.

Dois desdobramentos críticos

Se o balanço do namoro jornalístico entre Facebook e grandes jornais não foi muito promissor, os resultados da aposta publicitária pela imprensa também não foram animadores, especialmente para as publicações menores. Apenas os grandes jornais conseguiram alguma receita com anúncios na área de notícias do Facebook. 


Os pequenos e médios ficaram bem longe das expectativas iniciais, fato que também se repetiu na questão das audiências. Só depois é que os jornais perceberam que audiência e tráfego não significam a mesma coisa. Audiência implica fidelização de leitores enquanto o tráfego mede apenas o número de pessoas que acessam a página, sem a preocupação de voltar. O Facebook oferece circulação de notícias mas não audiências fiéis.

Independente das controvérsias em torno da relação das redes sociais com a imprensa, duas outras questões, bem mais sérias e complexas, passaram a preocupar os usuários do Facebook, Twitter, You Tube, Instagram, Google e outros. A primeira é sobre o controle de redes sociais e a outra é sobre os problemas resultantes da globalização das estruturas e estratégias de destas mesmas redes. 


A decisão do Facebook de mudar sua estratégia de publicação de notícias, bem como outras decisões tomadas anteriormente, mostra que os usuários têm pouco poder de interferência nas opções da empresa. Isto coloca quase dois bilhões e meio de pessoas espalhadas pelo mundo na dependência das decisões de Mark Zuckerberg, um executivo de apenas 33 anos, e de seus assessores.

Ao alterar sua estratégia editorial em função de problemas políticos e comerciais nos Estados Unidos e Europa, o Facebook impôs a nova orientação a todas as demais nações do mundo onde existem usuários da rede. 


No caso dos países ricos, seguramente surgirão alternativas para o que Zuckerberg já não acha mais rentável, mas na América Latina, África, Ásia e Oriente Médio, as populações ainda dependem muito do Facebook e serão empurradas para um vácuo em matéria de redes sociais. 

Um problema perigoso para a sobrevivência da democracia, segundo Emilly Bell, fundadora e diretora do Centro Tow para o Jornalismo Digital, na Universidade de Columbia, em Nova Iorque.

Texto de Carlos Castilho, jornalista e pesquisador acadêmico. Publica um blog na plataforma medium


Fonte: Observatório da Imprensa

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