MPF atua em defesa dos direitos fundamentais das comunidades ciganas de Itumbiara (GO) e região

Em auditório lotado, na sede da prefeitura de Itumbiara (GO), o Ministério Público Federal (MPF) promoveu audiência pública com o objetivo de garantir os direitos fundamentais das comunidades ciganas de Itumbiara (GO) e região.

O evento, que ocorreu na última quinta-feira (15), foi idealizado pelo procurador da República Wilson Rocha Fernandes Assis e contou com a participação de representantes da sociedade civil organizada e do poder público, entre eles, o prefeito de Itumbiara, Dione Araújo, e a Superintendente da Mulher e Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Goiás, Telma Aparecida dos Reis.

A audiência pública foi aberta à sociedade e discutiu as condições de vida das famílias integrantes da comunidade cigana, instalada em Itumbiara há mais de 70 anos.

Durante o evento, representantes de cinco comunidades ciganas locais puderam expor seus anseios e debater sobre direitos humanos violados ou não atendidos pelo poder público. Ao longo do encontro, foram amplamente debatidas políticas públicas adequadas nas áreas de saúde, saneamento básico, moradia, assistência social e educação.

A previsão, no Plano Diretor de Itumbiara, de uma área destinada à moradia digna dos membros da comunidade cigana local foi um dos pontos de destaque. Grande parte da comunidade vive em barracas feitas em lonas improvisadas, sem energia elétrica e sem rede de água e esgoto, como é o caso dos ciganos que vivem há 40 anos no bairro Buriti III, em um terreno pertencente ao Município.

Sem um Código de Endereçamento Postal e sem infraestrutura urbana mínima, o exercício da cidadania fica comprometido.

“A maioria da população mal se dá conta da necessidade de um comprovante de endereço para acesso ao comércio ou ao sistema bancário. Já a ausência de infraestrutura sanitária compromete inclusive a frequência regular de crianças na escola. Sem condições adequadas de higiene pessoal, são discriminadas no ambiente escolar e abandonam os estudos”, pontua o procurador, que visitou o local após a audiência.

Para Wilson Assis, a tradicionalidade de um povo não pode ser usada como justificativa para que o Estado se omita na garantia de seus direitos.

“O poder público tem deveres legais para com essas comunidades. Em contextos de diversidade cultural, a construção das políticas pública deve se dar em diálogo com o grupo. Estamos aqui para garantir que esse diálogo ocorra, de modo a assegurar o pleno gozo dos direitos fundamentais da comunidade cigana de Itumbiara”, esclarece o procurador.

Maura Piemonte, líder cigana da etnia Calon e integrante do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, considera o povo cigano um “povo esquecido”.

Na audiência, ela cobrou do Município providências efetivas acerca da regularização de casas e locais de moradia, informando que a ausência de políticas públicas específicas para os povos ciganos impacta na falta de cidadania.

Segundo a líder cigana, os primeiros ciganos chegaram no Brasil há mais de 400 anos e, desde então, sua maioria sempre viveu à margem da sociedade. Para ela, o povo cigano é alvo de políticos e autoridades inescrupulosas, especialmente em períodos eleitorais, sendo que os altos índices de analfabetismo presente nas comunidades ciganas os tornam mais suscetíveis a promessas vazias ou, especialmente, a confundir direitos com favores ou benesses de gestores públicos. “Os ciganos se tornaram ‘rentáveis’ para a classe política”, desabafou Maura.

Já para Diana Aparecida, liderança da comunidade cigana de Itumbiara, a audiência pública foi um instrumento importante para dar voz ao povo cigano local. Ela espera que o Município possa disponibilizar uma área com infraestrutura mínima para que a comunidade viva com mais dignidade. Ela, assim como Maura, também apontou o problema do analfabetismo e da evasão escolar como graves e urgentes para o povo cigano.

Contribuiu também com a audiência pública a coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Sandra Pereira Braga, do Quilombo Mesquita, em Cidade Ocidental (GO).

Sandra participou da audiência como representante da Rede de Povos e Comunidades Tradicionais (Rede PCTs). A liderança alertou para a necessidade de união entre as diversas comunidades ciganas de Itumbiara, fortalecendo assim sua representatividade junto ao poder público. “Contribuir para essa audiência com o compartilhamento de informações entre quilombolas e ciganos é de suma importância e é sempre um aprendizado para mim”, disse Sandra.

Para ela, a auto-organização dos ciganos de Itumbiara é o caminho mais adequado para a luta por políticas públicas que trarão mais dignidade e respeito a esse povo, além de fortalecer suas tradições. A coordenadora executiva também visitou, com o MPF, a comunidade cigana Buriti III e ficou bastante impressionada com a falta de condições mínimas de moradia no local. “É triste e revoltante ver pessoas vivendo dessa forma há mais de 40 anos”, desabafou.

Oficina — Na sexta-feira (16), ocorreu a segunda oficina do Projeto Territórios Vivos no estado de Goiás. O projeto é resultado da parceria do MPF com a Cooperação Técnica Alemã (GIZ) e a Rede PCTs, entidade que congrega os representantes da sociedade civil que participam do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. A primeira oficina ocorreu em maio deste ano, na comunidade quilombola Kalunga, no município de Cavalcante.

Durante a oficina, as lideranças presentes foram capacitadas para a defesa de seus direitos como comunidade tradicional e debateram sobre a inclusão das áreas de posse tradicional das comunidades ciganas de Itumbiara na Plataforma de Territórios Tradicionais.

Foi debatida, ainda, a constituição de uma associação cigana em Itumbiara, de modo a facilitar a interação do grupo com o poder público e a sociedade envolvente. A formalização da associação foi pensada como estratégia para a destinação de um espaço coletivo por parte do poder público local, por meio do Plano Diretor que está sendo elaborado em Itumbiara.

Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) — Os ciganos no Brasil são considerados um povo tradicional, na forma do Decreto 6.040/2007. Segundo o Decreto, povos e comunidades tradicionais são “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. (Fonte: Ministério da Cidadania).

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