Artigo: Os heterônimos de Fernando Pessoa e Chico Xavier

Os heterônimos de Fernando Pessoa e Chico Xavier representam fenômenos literários e espirituais distintos, mas que se encontram em um ponto comum: a criação de personalidades alternativas que transcendem a identidade do autor original.

Ambos os escritores, embora separados por contextos históricos, culturais e filosóficos, utilizaram essa multiplicidade de vozes para explorar diferentes perspectivas e dimensões da existência humana. Este artigo visa traçar um paralelo entre esses dois fenômenos, evidenciando suas semelhanças e diferenças.

Fernando Pessoa, um dos maiores poetas da língua portuguesa, criou ao longo de sua vida um conjunto complexo de heterônimos.

Estes não eram simples pseudônimos, mas sim personalidades literárias completas, cada uma com sua própria biografia, estilo de escrita, e visão de mundo. Os três mais famosos são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.

  1. Alberto Caeiro: Considerado o “mestre” dos outros heterônimos, Caeiro representa uma filosofia de vida centrada na simplicidade e no naturalismo. Sua poesia é desprovida de sentimentos profundos e complexidades filosóficas, refletindo uma aceitação tranquila e quase bucólica da realidade.
  2. Álvaro de Campos: Contraponto a Caeiro, Álvaro de Campos é um engenheiro de formação e poeta de expressão futurista, marcado por uma visão moderna e muitas vezes angustiada da vida. Sua escrita é intensa, cheia de energia e emoção, refletindo o frenesi do mundo contemporâneo.
  3. Ricardo Reis: Poeta médico e classicista, Reis é o mais racional e estoico dos heterônimos. Suas obras são influenciadas pela filosofia epicurista e estoica, abordando temas como a brevidade da vida e a busca pela tranquilidade através da razão.

Os heterônimos de Pessoa foram, em muitos aspectos, uma maneira de o autor lidar com sua própria complexidade interior e com as diferentes visões de mundo que habitavam sua mente. Eles permitiram a Pessoa explorar diversas dimensões da realidade e da experiência humana sem ficar limitado a uma única perspectiva ou estilo literário.

Chico Xavier e Seus “Heterônimos” Comunicantes

Chico Xavier, um dos mais conhecidos médiuns brasileiros, psicografou milhares de cartas e livros atribuídos a espíritos desencarnados. Diferentemente de Pessoa, que criava seus heterônimos conscientemente como parte de sua produção literária, Chico Xavier afirmava estar canalizando as mensagens de espíritos reais, que lhe ditavam textos, muitas vezes assinados por nomes de autores falecidos ou desconhecidos em vida.

  1. Emmanuel: Considerado o espírito guia de Chico Xavier, Emmanuel era uma figura de grande autoridade moral e espiritual. Suas mensagens, geralmente de cunho doutrinário e filosófico, abordavam temas como a reencarnação, a caridade, e o progresso espiritual da humanidade.
  2. André Luiz: Outro espírito de destaque, André Luiz é autor de uma série de livros que descrevem a vida no além-túmulo, começando com o clássico “Nosso Lar”. Através desses relatos, André Luiz oferece uma visão detalhada do mundo espiritual, que se tornou um pilar na literatura espírita brasileira.
  3. Outros Espíritos: Além de Emmanuel e André Luiz, Chico Xavier psicografou mensagens de uma vasta gama de espíritos, incluindo poetas, romancistas, e pessoas comuns que teriam falecido e desejavam comunicar-se com seus entes queridos. Cada um desses espíritos tinha seu próprio estilo de escrita e personalidade, que Chico Xavier procurava respeitar e reproduzir fielmente.

Paralelos e Contrastres

Embora a motivação por trás dos heterônimos de Fernando Pessoa e das psicografias de Chico Xavier seja diferente, ambos os fenômenos envolvem a manifestação de múltiplas vozes que transcendem a identidade do autor original. Em ambos os casos, essas vozes têm características únicas, com biografias, estilos e visões de mundo próprias.

Fernando Pessoa criou seus heterônimos de forma consciente e deliberada, como um exercício literário e filosófico. Chico Xavier, por outro lado, via-se como um mediador de mensagens espirituais, acreditando que os textos não eram de sua autoria, mas sim ditados por espíritos.

Tanto Pessoa quanto Xavier demonstraram uma capacidade impressionante de variar estilos e vozes. Pessoa o fez através de suas próprias habilidades literárias, enquanto Chico acreditava estar canalizando estilos que não lhe pertenciam originalmente.

Para Pessoa, os heterônimos foram uma maneira de explorar as múltiplas facetas de sua própria identidade. Chico Xavier, no entanto, via suas psicografias como uma expressão do outro, das almas desencarnadas que desejavam transmitir suas mensagens ao mundo dos vivos.

Em uma palavras, os heterônimos de Fernando Pessoa e os “heterônimos” espíritos de Chico Xavier representam duas manifestações de uma multiplicidade de vozes dentro de um único indivíduo.

Embora surjam de contextos e motivações diferentes, ambos os fenômenos revelam a capacidade humana de transcender os limites da identidade individual, seja através da criação artística ou da mediunidade.

Enquanto Pessoa usou seus heterônimos para explorar as complexidades da alma e do pensamento, Chico Xavier utilizou sua mediunidade para dar voz ao outro lado da vida, criando assim um legado espiritual que continua a influenciar milhões de pessoas.

No ar uma última comparação: Pela obra de quase 500 livros publicados, Chico Xavier se tornaria Imortal da Academia Brasileira de Letras?

Em 1932, o mineiro do século debutava com o livro “Parnaso de Além-Túmulo”, noticiado na imprensa do Rio, então capital da República, onde eram publicadas crônicas e artigos de “imortais” da Academia Brasileira de Letras, dentre os quais Humberto de Campos.

O fato é que os imortais começaram a se interessar pela “literatura” de Chico, mas foi Monteiro Lobato que disse uma frase que se tornaria famosa:

“Se Chico Xavier produziu tudo aquilo por conta própria, então ele merece ocupar quantas cadeiras quiser na Academia Brasileira de Letras”.

*Abílio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito titular da 9ª Vara Civel de Goiania. Delegado Adjunto da ABRAME-GO. Expositor espírita, ex- Presidente do Núcleo Espirita Casa de Jesus em Anápolis-GO, onde é co-mantenedor com Delnil Batista, o presidente. Co-fundador/mantenedor do Lar de Maria em Dianópolis-TO. Titular da Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 23 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás -IHGG. Membro da União Brasileira de Escritores-GO e de outras Instituições literárias. Graduando em Jornalismo. Acadêmico de Filosofia e de História. Autor de 15 livros de história regional, poemas, crônicas, 3 de Direito. Em ebook inédito: Cristianismo Espírita.