Saída do Reino Unido da União Europeia é retrocesso global

Por Kennedy Alencar,
Brasília
A decisão do Reino Unido de se separar da União Europeia é um recuo num processo de integração política, econômica, cultural e social de mais de 60 anos, que teve início depois de duas guerras mundiais no século passado nas quais o continente europeu foi palco de massacres.
É um retrocesso civilizatório que não atinge apenas os europeus. Tem efeito global.
Além das consequências econômicas imediatas, como queda da libra e abalo das Bolsas, haverá as de médio e longo prazo, afetando o emprego, a produção e a livre circulação de pessoas e mercadorias. Haverá estímulo a políticas protecionistas e xenófobas na Europa e no mundo.
A decisão do Reino Unido é uma daquelas em que quase todo o planeta perde. Ganham apenas grupos nacionalistas que pregam a intolerância aos estrangeiros e que têm uma visão econômica mais fechada.
A forma titubeante e vergonhosa como a União Europeia vem tratando a crise dos refugiados já era um sinal do que estava por vir no Reino Unido.
Os britânicos eram os que mais se queixavam de suposta tolerância excessiva com imigrantes. A União Europeia titubeou, cedeu a uma visão mais dura em relação aos refugiados e mostrou uma fraqueza que ajudou a dar combustível à saída do Reino Unido.
Essa decisão não é resultado de um fenômeno isolado, mas global. A candidatura de Donald Trump a presidente dos Estados Unidos pelo Partido Republicano reflete o crescimento da intolerância, da ignorância e do preconceito no mundo.
Depois do que aconteceu no Reino Unido, não convém subestimar o risco planetário da eleição de Trump. Grupos extremistas se fortalecerão na França, na Alemanha e em outros países da Europa.
Para o Brasil, que vive um momento de transe político e econômico, haverá consequências negativas.
Uma piora do cenário econômico internacional poderá prejudicar uma recuperação do país, que ensaia uma saída do fundo do poço.
E a lição política é negativa. Dá impulso a quem tem uma visão fechada em relação ao mundo e às diferenças.
Mercosul corre risco
O governo Temer discute a possibilidade de rever a regra do Mercosul que trava a negociação de acordos bilaterais. Se a inspiração for o Reino Unido, o Brasil poderá ter sucesso na empreitada para destruir o Mercosul.
Essa regra foi criada em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, que é tucano como FHC, defende uma mudança para permitir que o Brasil faça acordos bilaterais.
O Mercosul nasceu depois do fim das ditaduras militares no Brasil e na Argentina. É uma construção da democracia na América do Sul.
O Brasil deveria avaliar bem os prós e contras de mudar essa regra. Hoje, o país tem acordos comerciais importantes com a Argentina, por exemplo. Para o Brasil, a conta com o Mercosul está no azul. A balança comercial intrabloco é favorável ao país.
Há muitos problemas domésticos na nossa economia a demandar atenção do governo Temer. Não parece acertado priorizar essa mudança do Mercosul num governo que, se deixar de ser interino, terá um horizonte de menos de dois anos e meio até uma eleição presidencial.
A indústria brasileira está dividida a respeito disso. É um tema que merece melhor reflexão e que não pode ser decidido no embalo do desejo de se deixar uma marca numa gestão de guinada do Itamaraty.
Fonte: Blog Kennedy Alencar