Religião vodu é substituída pela católica

Nas seqüências de brigas e de disputas pelo poder, a Igreja Católica começou a tomar lugar no Estado. Na Constituição de 1811, ela foi reconhecida como religião oficial. Cada vez mais, a pequena elite sedenta marginalizava a religião do povo. Mas também, ao longo do século XIX, foram constantes os embates entre essa mesma elite e o Vaticano, a tal ponto que, em uma lei de 1820, o presidente Henry Chistophe (1807-1820) determinou que apenas com sua autorização os padres poderiam batizar, casar ou enterrar os mortos.

O vodu teve um pequeno crescimento de influência com a presidência de Faustin Soulouque (1847-1859). Maso Papa Pio IX e o novo presidente Fabre Geffrard (1859-1867), com o intuito de erradicar essa guinada vodu, chegaram a um acordo e assinaram a Concordata de 1860, que designava a Igreja Católica Apostólica Romana a gozar de privilégios especiais. Porto Príncipe, capital do país, tornou-se sede do arcebispado. O prazo do “contrato” era de 100 anos, com expiração apenas em 1960.

Por todos esses anos, o vodu foi estigmatizado e perseguido, mas continuou sendo a espinha dorsal da cultura haitiana e a religião da massa.

REVIRAVOLTA – A família Duvalier (François e Jean-Claude) sobem ao poder em 1957 e passam 30 anos como mandatários da nação. François Duvalier (Papa Doc), um dos ditadores mais brutais das Américas, defensor ardoroso do voduismo, torna-se desafeto do clero nacional e do Vaticano. Nos vários embates, Papa Doc expulsa padres, invade igrejas com seus paramilitares (tontons macoutes) e prende fiéis. A crise com a Igreja culmina com a expulsão do Arcebispo (Monsenhor Poirier). Duvalier profana igrejas com rituais vodus e recebe a excomunhão do Vaticano.

Foi nesse período que os ditadores, praticantes do vodu, fizeram, com seus exageros, que a religião adquirisse uma má reputação internacional. A Igreja e Papa Doc voltaram à mesa. Duvalier demonstrou disposição de reconciliar, fez concessões ao vaticano e conseguiu anular a bula de sua excomunhão. Entretanto, a Concordata de 1966 não foi renovada.

Com a queda de Jean-Claude Duvalier (Baby Doc), em 1986, a Igreja volta a ter influência em Porto Príncipe. Mas a surpresa saiu de casa. Em 1986, sobe à presidência, eleito pelas massas pobres do país, o padre das favelas, Jean-Bertrand Aristide. A oposição ferrenha do clero às posições do padre popular, seguidor da teologia da libertação, acabou por expulsar Aristide do sacerdócio, por ter se “envolvido” com assuntos políticos. A Igreja novamente perde o apoio de um presidente da República.

Aristide foi deposto por um golpe militar em 1991. Na sua volta ao poder, três anos depois, pelas mãos dos americanos, ele dá um grande presente ao povo haitiano. Em abril de 2003, o vodu é oficializado no Haiti com o mesmo status de outras religiões praticadas no país. A decisão tomada pelo padre significou que cerimônias do ritual vodu, como casamentos, teriam o mesmo valor das católicas. “Sempre fomos a maioria no Haiti e nunca foi ilegal a prática do vodu”. “O que o presidente Aristide fez por nós, e somos muito gratos, foi tornar mais fácil a obtenção do status necessário para que as cerimônias religiosas tenham valor legal”, disse à época, Mambu Racine Sumbu, uma americana, sacerdotisa do vodu, em entrevista à BBC.

E o vodu, legalmente, voltou a caminhar junto dos haitianos. (D.M.)

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