Ontem meu coração torceu pelo Haiti. 7 a 1 com gosto de vitória

Por Dinomar Miranda, 


Ao assistir à partida de ontem (8) da seleção brasileira contra o Haiti, um dos países mais pobres do planeta, pela Super Copa América, fui traído pelo sentimento. 


Mesmo calado no meu cantinho, ao invés de estar torcendo pelos canarinhos, para com os quais sou apaixonado, peguei-me numa corrente de esperança com os “bombagay”. 


Assim os haitianos chamam os brasileiros, que significa sangue bom, em créole – a língua da maioria da população haitiana. A oficial é o francês.
  
“Faz o gol, bombagay!” 


Peguei-me contagiado, mesmo ciente das dificuldades dos haitianos em vencer o Brasil, com a torcida, que aproveitou a partida para se divertir e apoiar sempre que possível. 


A cada bola tirada pela defesa, a cada lance de perigo, os torcedores enlouqueciam nas arquibancadas e o meu coração torcia junto.  


Que sensação incrível!


O ápice veio quando o atacante James Marcelin, 30 anos, fez o único gol dos haitianos, na vitória dos Brazucas por 7 a 1.


O gol foi aos 24 minutos do segundo tempo. Nazon chutou cruzado, Alisson espalmou e a bola sobrou para Marcelin, livre, balançar as redes brasileiras.


Quem é Marcelin? Até então não sabia e fui pesquisar. 


Mas tinha certeza que ele, há dez anos, era um daqueles inúmeros garotos que ajudamos em 2006, quando tive a imensa honra de participar, por quase um ano, da Força de Paz da ONU naquele país. 


Num país destroçado, com milhões de pessoas vivendo muito abaixo da linha da pobreza, sem luz elétrica e à base da lenha e carvão, sem água encanada, emprego, passando fome e imerso num eterno conflito e com muita violência, a única esperança sempre foi e é o futebol.


Só ele une aquele povo. 


E quando a seleção do Haiti joga, há paz por 90 minutos. O mundo inteiro sabe disso. E como amam o Brasil! 


Os vi chorar, um país inteiro, copiosamente, quando da derrota da seleção brasileira na Copa de 2006, para a França. 


Nós os representávamos. 


E dez anos depois, eu fui o Haiti por 90 minutos. 


Relembrei os campeonatos que organizávamos para uma multidão de crianças e adolescentes pobres dos bairros de Cité Militaire e Tabarre, nas tardes de domingo. 


Era na rua mesmo, com barras pequenas e sem goleiro. Era uma tarde em que eles sonhavam em serem jogadores de futebol. 


Era uma tarde em que eles tinham a esperança de um dia estar na seleção de seu país, representando os milhões de haitianos. 


Muitos ficaram pelo caminho, abatidos pelo imenso terremoto que matou 300 mil em 2010 e outros tantos pela fome, pela violência, pela pobreza absoluta. 


Os onze haitianos de ontem representavam todos eles. E o gol de Marcelin, que valeu por oito, foi o gol de milhões. 


Imaginei as ruas de Porto Príncipe (a capital do país) naquele momento. Que festa!


E na comemoração de Marcelin, numa feição carregada de orgulho, de satisfação, de choro, eu entendi tudo e vibrei junto. 


E não podia ter sido diferente. 7 a 1 foi um placar emblemático. 


Um representou um fracasso absurdo de uma nação, não apenas como pátria do futebol, para muito além disso. 


O outro, no entanto, representou uma redenção. 


Não uma redenção no seu conceito comum, mas uma vitória da vida contra a morte.  


Da alegria sobre a tristeza, apesar de milhões de haitiano, ainda nesta quinta-feira (9), neste momento, não terem nada no prato para oferecer aos seus filhos.  


Confira os gols e ouça o eco haitiano 

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