Religião: mitos e realidade de uma ceriônia “vodu” no Haiti





Por Dinomar Miranda – (em visita ao Haiti -2006)


Ir ao Haiti e não conhecer um templo vodu dá ao visitante a sensação de uma viagem incompleta. 


Conhecer o vodu, seus mitos, crenças, história e, claro, assistir a um ritual no terreiro é uma experiência fantástica. 


O templo que nos recebeu fica em Tabarre, na região metropolitana de Porto Príncipe. 


Uma área pobre, mas em melhores condições do que outros bairros capital.



O nosso contato com a sacerdotisa Immacula, um Mambo (nome dado à celebrante feminina), foi muito cordial. 


Ela fez exigências. A primeira delas foi que nós nos dirigíssemos ao seu terreiro para “negociar”. Os espíritos assim solicitavam, porque são superiores e nós deveríamos ir até eles. 


Ela fez alguns pedidos para ajudar na celebração. Immacula pediu bebidas (rum ou cerveja), cigarros e alimentos para distribuir aos fiéis. 


E, claro, uma quantia em dólar para pagar os “custos”.


No início da tarde do domingo, dia do ritual, fomos ao santuário levar o acordado. Para surpresa, encontramos Mami (nome carinhoso dado à mestre vodu) acamada, no meio do terreiro.




Ela balbuciou algo em creole, o idioma local, com uma feição de dor e desconforto. 


Então, o intérprete informou que ela estava com muita febre e dor de cabeça, conseqüência de mais uma malária.


Fiquei preocupado e ofereci ajuda. Ela pediu alguma medicação que diminuísse os incômodos, mas logo tratou de dizer que o ritual seria realizado. 


No final da tarde, perto das 5h, chegamos ao templo para a cerimônia e o encontramos todo enfeitado e colorido. 


O que chamou a atenção foi a quantidade de crianças próxima ao terreiro. Fiquei me perguntando se todas elas participariam do ritual.


Fomos recebidos por um Hounsis (ajudante do sacerdote), um senhor de meia-idade, que nos convidou para sentar num altar especial, rústico é verdade, mas um local de destaque.


Nas paredes, multicoloridas, vários desenhos de deuses, loas e figuras sincréticas parecidas com os santos católicos. 


São Jorge estava ali representado, podia se ver, mas o bicho sob sua lança não era um dragão.


E começaram os batuques dos tambores! 


O Hounsis e outros ajudantes começaram a ornamentar o chão com alguns símbolos vodus, em representação ao espírito invocado. 


A noite caiu rapidamente.


A atmosfera de uma senzala apareceu como um encanto. 


O negrume, apenas cortado pelos riscos de uma vela; o cheiro de suor e do rum; e as batidas secas dos tambores transcendiam a um tempo remoto e ancestral.



A cerimonia de ornamentação dos símbolos perdurou por quase 40 minutos. E a Mami? Como estava? Estaria em condições de presidir a celebração?




O terreiro, com o passar do tempo, logo se encheu, principalmente de crianças e adolescentes. 


As garrafas de rum eram passadas de mão em mão, num ritual que eu não pude identificar se fazia mesmo parte da cerimônia ou se era uma bebedeira deliberada.


A sarcedotiza apareceu cercada de fiéis, num longo vestido colorido, com a predominância do verde. Sua aparência ainda era de uma pessoa frágil e abatida pela malária. 


Veio ao nosso encontro e depois de dar-me um beijo no rosto, perguntou, em creole, para quem o “trabalho” seria oferecido.


Agradecido, respondi apenas que só desejaria assistir e tirar fotos. Ela se sentou e o homem que conduzia o ritual trouxe consigo, de um pequeno quarto, alguns objetos “sagrados”.




Dentre eles, um facão, que foi enrolado num lenço vermelho. Então, o Hounsis começou a desferir punhaladas com o facão, sem causar ferimentos, nas barrigas de suas ajudantes (todas mulheres).


No centro do terreiro, havia também uma pilastra de cimento, colorida e desenhada com uma serpente. 


O altar era o local sagrado onde estavam sendo depositadas as oferendas para a loa Ezuli Freda, o espírito que incorpora em Mami Immacula, a mestre vodu de Tabarre. 


E, segundo um dos Hounsis, o espírito representa o bem ou o mal, dependendo das circunstâncias.


Mami, que passou boa parte do tempo sentada, estava ali quase inerte, a espera de Ezuli Freda, que a qualquer momento poderia baixar, chamada e aclamada pelas danças, palmas, cânticos e tambores.


Mas o tempo não colaborou. Já passava das 19h e a noite do Haiti é traiçoeira. Por questão de segurança, fomos obrigados a deixar o Piè restile (o templo) antes de Eluzi Freda marcar presença. 


Eles, os fiéis e os sarcedostes, ficariam ali pela madrugada, no frenesi dos batuques e do êxtase.



Depois de despedir-me de Mami Immacula, um dos seus ajudantes contou-me de um ritual inacreditável que os voduistas realizam. A celebração é chamada de Bizango. 


Trata-se de um ritual canibal, feito uma vez por ano, numa quarta-feira de dezembro, por alguns mestres de vodu. 


Ela se assemelha a uma passeata, à meia-noite, pelas ruas da cidade. Vestidos de vermelho e preto e comandando zumbis, os celebrantes matam e comem os humanos quem vão encontrando pelo caminho.


O vodu é mágico. O difícil dessa religião primitiva é separar os mitos da realidade.



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