Crônica: três policiais e várias histórias de pescador

Nos textos que já publicamos nesse blog nunca me aventurei pelas crônicas policiais e muito menos pelo humor.
São temas em que precisamos de um toque especial para que o texto possa chamar a atenção de quem ler.
Mas nessa oportunidade quero dividir com os leitores um caso de “policiais” ocorrido na primeira metade da década de 1990, em Porangatu (GO).
Naquela época, a região norte de Goiás passava por uma onda crescente de crimes, principalmente roubos de carros, tráfico de drogas e outros que levaram os órgão de Segurança Pública de Goiás a tomar várias medidas para garantir a tranquilidade da população.
Dentre as medidas estava a troca do Comando do Batalhão da Polícia Militar de Porangatu, responsável pelo policiamento em toda região.
A sociedade estava ansiosa para conhecer o novo Comandante, um Coronel respeitado na corporação pela sua rigidez no comando da tropa e na dureza com a bandidagem.
Foi escolhido a dedo pelo Comando Geral para a empreitada. Os Policiais estavam na expectativa de mudanças bruscas na forma de trabalho, coisa que inquietava os mais dedicados, menos os soldados L. e G., conhecidos no batalhão como brincalhões, piadeiros e amantes de uma boa pescaria.
Eram queridos pela população e companheiros de farda.
No sábado que antecedeu a apresentação do novo Comandante os soldados L. e G. decidiram dar uma pescadinha no Rio Santa Tereza e curtir a bela paisagem proporcionada pelo curso d`água que corta as regiões norte de Goiás e Sul do Tocantins, desde Estrela do Norte até a cidade de Peixe, onde encontra as águas do Rio Tocantins.
Ocorre que naquela época o soldo dos praças goianos não permitia esses luxos, levando os pescadores a desistirem da pescaria por não terem dinheiro suficiente para a bebida e o botijão de gás, combustível do possante Corcel I – 1970.
Desistiram até que o praça G. teve uma grande ideia: vamos na casa do novo Comandante, nos apresentamos e pedimos a ele um empréstimo!
Brilhante ideia respondeu o soldado L., e lá se foram os dois praças pra casa do Comandante.
Tocaram a campainha e logo apareceu o rígido Coronel ainda vestido em roupas de dormir.
Após as apresentações de praxe, com direito a continência, soldado G. expôs as razões que os levaram a procurá-lo naquela manhã.
Pois não, respondeu o Coronel, que retornou pra residência e trouxe a grana necessárias para a cachaça e para o botijão de gás.
E lá foram eles felizes rumo ao Rio Santa Tereza.
Na segunda feira após a apresentação do novo Comandante, o oficial do dia em alto bom tom anuncia aos Soldados G. e L. que se fizessem presentes com certa urgência na sala do novo Comandante.
Sob o olhar curioso da tropa lá se foram eles, momento em que a ficha caiu: vamos pegar uma cadeia inesquecível, disse o soldado L.
Sentaram-se em frente ao Comandante e foram logo questionados sobre resultado da pescaria:
– foi boa Coronel. Trouxemos até uns peixinhos pro Senhor nessa caixa térmica, disse o Soldado G.
Nesse momento o Coronel iniciou a reprimenda aos dois pescadores:
– nunca se vai na casa de alguém àquela hora da manhã pedir dinheiro emprestado para uma pescada sem convidá-lo para ir junto (ele também era amante de uma boa pescaria).
O conhecido “sabão” foi pelo fato de não ter sido convidado pelos novos comandados a conhecer o famoso Rio Santa Tereza, muito piscoso naquela época.
A reprimenda virou história de pescador e o Comandante indagou aos soldados quem deles era motorista?
De pronto soldado G. respondeu que era motorista de viatura no batalhão. De hoje em diante será meu motorista particular, determinou o Comandante.
– E você soldado L., voltará amanhã mesmo para a Academia de Polícia em Goiânia, pois iremos implantar na região a Companhia de Policiamento Ambiental e você está sendo o primeiro membro a ser convocado.
Fará um curso de Agente Ambiental e assim aprenderá que não se pesca uns peixinhos desse tamanho, momento em que guardou a caixa atrás da cadeira pensando no frito do almoço!!
Soldado G. foi motorista do referido Comandante enquanto esse esteve na ativa, inclusive quando Comandante Geral da Polícia Militar de Goiás.
Faleceu jovem, na segunda metade da década passada em decorrência de problemas hepáticos, sendo cuidado até os últimos momentos pelo Coronel amigo, que o adotou como filho.
Quanto ao Soldado L., esse continua na ativa em Porangatu, sendo há muito um dos principais defensores das questões ambientais na região norte do estado.
O Coronel, hoje na reserva, pode ser encontrado com frequência em pescaria no Rio Araguaia, na região de Bandeirantes.
Lamenta sempre a perda do amigo de pescada, Soldado G., com quem construiu um grande repertório de histórias de pescador.
PS: Os nomes dos personagens foram preservados em razão de um deles ainda estar na ativa prestando serviços à população da região norte de Goiás, inclusive com várias operações de fiscalização realizadas em conjunto com esse escriba.
VALMIR CRISPIM SANTOS
Geógrafo e Agente de Fiscalização da AGRODEFESA
Campos Belos – GO