Alto Paraíso (GO): Desafios da participação do Encontro Quilombola. Uma voz que precisa ser ouvida

Foto: Alan Oju



Por Narelly Batista,


“Tive de deixar de estudar porque num tinha carro para poder ir pra escola. Aí to assim. Parada.”


Josenilce Ferreira, 22 anos, é kalunga e mora em Monte Alegre de Goiás, uma das três cidades em que está localizada a comunidade do Sítio Histórico Kalunga. 


O território do quilombo kalunga é o maior do país, compreendendo cerca de 4.000 pessoas e área territorial quase que absolutamente preservada. Morando dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Josenilce vive em um lugar belo e tranqüilo. Um céu azul, cachoeiras cristalinas, vegetação virgem e paz. 


O problema é que viver em um cartão postal não significa ter uma vida plena e com garantia de ter suas necessidades básicas atendidas. Pelo menos, não no Brasil Central.


Para chegar até sua escola, Josenilce tinha que fazer uma viagem de três horas a pé.  Estudando a noite e sem veículo próprio ou coletivo que a levasse para a escola, foi obrigada a abandonar os estudos. Quer ser professora e montar uma escola em sua região, mas sabe que os planos terão de esperar.  


Pelo menos até que uma ponte seja feita e algum tipo de veículo faça o transporte das crianças, jovens e adultos kalungas que não possuem formas de chegar até a escola. 


A construção de pontes nos rios, transporte coletivo e energia na região kalunga foram algumas das questões debatidas na última segunda-feira (27) durante o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros nas mesas do III Encontro Quilombola de Goiás.  


Desde sua primeira edição, o Encontro Quilombola, que hoje está em sua terceira edição, vem debatendo políticas públicas a esses grupos. De lá para cá algumas questões precisam ser observadas. 


A primeira é que pouca coisa mudou, embora o enfoque midiático à comunidade quilombola de Goiás, em especial a comunidade kalunga, tenha sido claramente ampliado. E em segundo é que os personagens e as vítimas quilombolas permanecem condenados ao silêncio já que governo e sociedade civil seguem distante das necessidades e pautas que fazem a comunidade remanescente de quilombos e negra alvo de problemas sociais adversos.


Goiás possui hoje 22 comunidades quilombolas, divididas em áreas urbanas e rurais. Inseridos em ambos os espaços, as comunidades quilombolas sofrem com as dificuldades marcadas por seus tons de pele. 


As dificuldades e peculiaridades de cada grupo resultam no final das contas , quando no meio urbano, na marginalização da juventude negra ou, quando no campo, o isolamento da juventude e a manutenção da pobreza, uma vez que não há escola, saúde, meios de geração de renda, energia elétrica e sistema de esgoto, além de áreas de lazer para essas comunidades.


A comunidade kalunga vive hoje basicamente do trato com a roça e a produção de mandioca e farinha.  Seu Francisco, 43 anos, é trabalhador rural e tira por mês cerca de R$200,00 quando a colheita é boa. 


Segundo ele, um dos maiores problemas para os negócios é a falta de recursos para desenvolver outros tipos de cultivo que não só a farinha e mandioca. Hoje a produção de farinha caseira, torna-se a cada dia mais um modelo de produção menos viável. 


Uma vez que não há como embalar e informar a data de validade, o que inviabiliza a comercialização do produto. Para o pequeno produtor do sítio histórico kalunga, os meios de geração de renda se tornam cada vez menores, naturalizando assim histórias de jovens e adultos que topam empregos pesados a troco de comida e valores simbólicos, muito distante do que regulamenta a lei.


Leda Borges, secretária da Mulher, Igualdades Racial, Desenvolvimento Social, Direitos Humanos e Trabalho de Goiás esteve nas rodas de prosa do evento e falou do que tem sido feito institucionalmente para solucionar os problemas das comunidades quilombolas de Goiás. A secretária informou estar acompanhando as denúncias de exploração sexual em Cavalcante.


Denúncias


Nos quinze anos de evento, a convivência com a comunidade quilombola e os povos da floresta dentro do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros resultou em inúmeros relatos e denúncias divulgadas via site.  Todos esses casos foram divulgados após dias de convivência com a comunidade e com cuidadosa produção jornalística para que os personagens que vivem essas histórias não sejam prejudicados. No entanto, as rodas de prosa continuam sendo um desafio.


O desafio é criar um ambiente acolhedor para que a comunidade, principalmente a comunidade kalunga que mora no meio rural, consiga expor suas dificuldades de forma auto-representativa e consiga cobrar.  


Participaram da roda de prosa sobre exploração do trabalho infantil e sexual, a Secretária da Mulher, Igualdade Racial, Desenvolvimento Social, Direitos Humanos e Trabalho de Goiás, Leda Borges, a presidenta da Associação Quilombola de Piracanjuba, Luci Tavares , o presidente Associação Quilombola Jardim Cascata de Goiás , Edson Ferreira e a representante da Associação Kalunga de Cavalcante e funcionária da Secretaria de Mulheres, Igualdade Racial, Desenvolvimento Social, Direitos Humanos e Trabalho de Goiás, Lucilene Rosa.


Após a explanação, a equipe de comunicação foi convidada a ouvir desabafos diversos de kalungas presentes que não se manifestaram na atividade, mas quiseram falar sobre as pautas apresentadas.  Acompanhe nas redes sociais os próximos desabafos. 


Fonte: Portal Encontro das Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros 

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