Título de “mulher e negra” em matéria gera debate e até indignação em Campos Belos (GO)

No último dia 7, publiquei aqui no Blog uma matéria com o título: “Mulher e negra, Ivone do Touro assume a presidência da Câmara de Vereadores de Campos Belos (GO)”.

Para grande surpresa, a repercussão foi grande nas redes sociais, com uma grande maioria de comentários indignados com o uso das duas palavras: mulher e negra.

Grande parte dos comentários partiu de pessoas negras ou pardas, pele cor de chocolate, como uma criança costumava chamar este jornalista, quando de minha passagem por Recife.

Claro que fiquei estupefato, ainda mais numa região que é berço do maior quilombo do país.  

 “Não entendi por que antes de tudo você colocar o tema “mulher e negra” ela é uma pessoa normal e eu também como negro não gostaria de uma matéria assim. A mídia hoje se torna a principal preconceituosa e como se isso fosse impossível pra uma pessoa negra. Parabéns a ela pela capacidade e aos vereadores pela confiança a ela dedicada independente de raça ou cor”, escreveu Adeilson Santos.

 “Olha de onde parte o preconceito, qual necessidade de colocar mulher negra, basta colocar vereador Ivone do touro já é suficiente”, postou Adão Gonçalves.

Já Paulinho Mendes disse que era “desnecessário se referir à raça e sexo. E na foto da matéria ainda coloca uma loira! Parabéns a Ivone, se chegou lá foi por competência e merecimento”.

Karina Pereira Ramos escreveu que “pra mim me incomodou o termo negra…primeiro que o termo é preta e segundo a cor da pele jamais deveria ser evidenciado em nada…E sim o potencial que ela tem …mesmo porque não foi a primeira vereadora a ter pleito em campos Belos. O termo usado me gerou incômodo porque pra mim não importa a cor da pele. Ivone é uma mulher forte e sempre esteve a frente da sociedade atual”.

Felizmente algumas vozes entenderam com mais profundidade a complexidade da questão, em especial na terra da comunidade quilombola  Kalunga.  

Cara, só queria entender o porquê das pessoas incomodarem tanto quando é falado a cor da pessoa. Boa parte do povo brasileiro é preconceituoso por essência e não sabe disso. Dizer que não faz diferença ser negro ou branco nessas circunstâncias é não conhecer nada da historicidade do país e da realidade que vive as pessoas de pele negra. É necessário especificar sim a cor por que mesmo sendo maioria no Brasil ainda sim são minoria em cargos de destaque, por que no Brasil o racismo aparece junto com a social exclusão”, disse Everton.

Já Clessio Bastos postou: “ Por que destacar o fato dela ser negra gera incômodo? O Brasil é um país de maioria negra, mas onde os cargos de poder são na maioria ocupados por brancos. E isso não sou eu quem diz, há inúmeras pesquisas comprovando isso. Aí uma mulher negra chega ao poder, e um jornalista faz questão de destacar, e as pessoas se incomodam. Muitos ainda recorrem ao fato de sermos iguais para desqualificar o destaque. Na teoria somos iguais, mas se negros não chegam ao poder em um país onde são maioria, isso mostra que essa igualdade é só na teoria, e por isso as exceções precisam ser destacadas. E isso deveria nos fazer refletir, não gerar incômodo”.

Sobre essa polêmica, achei sim que o texto merecia aquele título porque a parlamentar se declara negra, sendo ela a primeira mulher e negra, em toda a história da cidade, a ocupar tão importante cargo.

Para além de exaltar, o texto deseja revelar o quão ainda é machista, sexista e racista a sociedade, não somente no país à distância, mas em nossas barbas, no seio da sociedade campos-belense.

Sexista, sim.

Mais da metade dos moradores da cidade são mulheres. No entanto, nesta legislatura, há apenas uma mulher entre os 11 vereadores.

Há mais de 20 anos que uma mulher não senta na cadeira de presidente da Casa. A última foi no ano 2000. O nome da cadeira é poder e os homens não abrem mão.

Isso é normal? Qual o motivo para não se eleger um número maior de mulheres?

Vamos aprofundar o tema.

Quantas mulheres já foram eleitas prefeita de Campos Belos? Zero. Nenhuma.

Poucas, sequer, têm a oportunidade de colocar-se como candidatas. Então a sociedade local não é sexista?

Sobre a questão dos negros e de seus descendentes, os “morenos”, como se gosta de falar na comunidade.

Quantos são médicos? Quantos são grandes empresários da cidade? Quantos são grandes fazendeiros e produtores rurais?

Quantos são advogados, dentistas ou engenheiros, profissões tidas como das elites?

Pode-se contar nos dedos, mesmo os mestiços, pardos, ou moreno, na grafia mais romântica.

Quantos negros foram eleitos prefeito da cidade? Não minha memória, zero.

Onde está a maioria dos negros ou mestiços da comunidade?

Digo sem pestanejar: na roça, no cabo da enxada, no trabalho braçal, nas oficinas mecânicas, na construção civil, nos caixas de supermercados, nos empregos domésticos, nas enfermarias de hospitais, nos sub empregos. Não que estas profissões não tenham valor, mas são desprestigiadas. São nelas onde se ganha pouco e tem-se pouca representatividade social.

Culpa de quem? É dessas pessoas que trabalham, que se dedicam, que estudam?

Claro que não. Faltam-se oportunidades. O sistema joga contra, todos sabem e querem tapar o sol com a peneira.

Então quer dizer que a cor da pele na cidade não é importante?

Uma linda matéria do Jornal Correio Braziliense foi à raiz do problema nessa mesma questão, só que em âmbito nacional.

O texto diz que o último Índice de Inclusão Racial Empresarial (IIRE) mostrou que no Brasil os negros ocupam 4,7% dos quadros de executivos. Nos cargos de gerência, eles representam 6,3% do total.

Os pretos e pardos são maioria entre os aprendizes: 57% do total. Na política, 75,6% dos deputados federais eleitos em 2018 são brancos e apenas 24,4% são pretos ou pardos.

“Mudou-se o cenário, mas os negros continuam excluídos. A gente entende que um dos principais fatores é o racismo”.

É para mudar essa realidade que a iniciativa recrutou mais de 70 entidades e organizações signatárias, que são estimuladas a cumprir 10 compromissos com a promoção da igualdade.

Veja os requisitos para saber se determinada empresa é inclusiva:

1) Comprometer-se (presidência e executivos) com o respeito à promoção da igualdade racial.

2) Promover igualdade de oportunidades e tratamento justo a todas as pessoas.

3) Promover ambiente respeitoso, seguro e saudável para todas as pessoas.

4) Sensibilizar e educar para o respeito e a promoção da diversidade racial.

5) Estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade sobre diversidade racial.

6) Promover o respeito à diversidade racial na comunicação e marketing.

7) Promover o respeito a todas as pessoas no planejamento de produtos, serviços e atendimento aos clientes.

8) Promover ações de desenvolvimento profissional para se alcançar a igualdade racial no acesso a oportunidades de trabalho e renda.

9) Promover o desenvolvimento econômico e social na cadeia de valor dos segmentos étnico-raciais em situação de vulnerabilidade e exclusão na cadeia de valor.

10) Promover e apoiar ações em prol da igualdade racial no relacionamento com a comunidade

Leia a íntegra da matéria do Correio Braziliense

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