Simplicidade e voduísmo inspiram Arte Naïf
Uma das principais manifestações artísticas haitianas é a Arte Naïf, que desde a liberalização da crença vodu no país, no início de 1940, começou a crescer e a ganhar força e espaço.
Naïf é definida como uma arte primitiva moderna, produzida, geralmente, por artistas sem uma preparação acadêmica. É caracterizada pela simplicidade e pela falta de elementos ou qualidades presentes nas artes produzidas por artistas com formação. As telas Naïf têm pinceladas de cores fortes e tropicais e falam de temas comuns, como a natureza, e no Haiti, principalmente, expresam e servem de anteparo ao voduismo.
Segundo Albert Mangonès, um estudioso das artes, os primeiros pintores haitianos foram escolhidos pelos hugan (sarcedotes do vodu), graças ao seu talento, para servir às Loas (espiritos). “Os artistas executavam o que os hugan lhe pediam, num domínio em que apenas a decoração simbólica era necessária, enriquecendo assim a bela tradição das formas abstratas e coloridas sobre os elementos vodus”.
O que serviu de meio de expressão de uma religião cassada e perseguida pela elite, mas a serviço e incrustada no seio cultural do “povão”. Mesmo assim, para Michel-Philipe Lerebours, pesquisador da história da arte do Haiti, muitos artistas haitianos propuseram um vodu de fachada. Produziram uma arte que não os comprometesse mais do que as pretensas cerimônias propostas aos turistas.Ainda segundo ele, certos artistas se calaram sem jamais mostrar a verdadeira face do vodu, preferindo contar os mitos e as lendas (zumbis e sereias), naturezas mortas com crânios humanos e diversos outros acessórios cabalísticos.
Outros se limitavam apenas às danças, tratamentos, invocações e curas, ou seja, tudo o que podia ser trazido à vista do público.Mas a arte Naïf aparece também com uma outra função muito peculiar. Tende a aproximar dois povos: brasileiros e haitianos.
Os dois países, relativamente distantes geograficamente, possuem diversas semelhanças culturais, étnicas e sociais, herdadas desde o tempo da colonização e do sistema escravagista. Essa proximidade cultural é bem nítida nas telas Naïf desenvolvidas em ambos os países, principlamente com a fluência de elementos afros e do sincretismo religioso.
Para Lucien Finkelstein, presidente-fundador do Museu Internacional de Arte Naïf, diferentemente do Haiti, que há muito ocupa um lugar de destaque no mundo com arte Naïf, o Brasil tem crescido no cenário internacional. “Essa osmose cultural é provável que tenha um ancestral comum, mesmo que desenvolvida com total desconhecimento uma da outra.
Porém, o surpreendente é descobrir na pintura Naïf dos dois países o mesmo prazer, a mesma alegria de pintar pelos seus artistas, com sua ingenuidade, simplicidade e franqueza absoluta”. Gerson, Elza O.S e Lia Mittarakis são alguns artistas Naïf de porte no crescente espaço brasileiro.
Mas os grandes nomes da pintura, mundialmente conhecidos, são haitianos, como Hector Hippolite, Pierre-Joseph e Préfète Duffat. Foi Hector Hippolite, segundo Michel-Philipe Lerebours, o grande nome haitiano, que, com suas pinturas, mergulhou profundamente nas raízes do vodu, ousou pela primeira vez materializar as Loas (1946) diante dos questionamentos preconceituosos e dos simulacros das elites tradicionais. (DM)