O Jornalismo e o tição
* Alfredo Vizeu
O ex-governador Leonel Brizola foi perguntado certa vez por um repórter sobre sua possível decadência política. Tranqüilo e com voz firme ele respondeu: “Eu sou que nem o tição, é só soprar que eu incendeio”.
O tição é um pedaço de lenha acesa ou queimada, um braseiro, colocado entre gravetos e lenhas nos fogões do interior do Estado do Rio Grande do Sul para ajudar a fazer o fogo nas manhãs frias. Como disse Brizola, um simples sopro e a chama toma conta de tudo.
Pois o exemplo do ex-governador serve como uma boa analogia para explicar como jornalistas, estudantes de jornalismo, professores, pesquisadores e a sociedade de uma maneira geral sentiram-se incomodados com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de abolir a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da atividade profissional.
Sopraram o tição e aumentam cada vez mais as manifestações em todo o País, de legislativos estaduais a deputados e senadores, bem como das entidades sindicais na luta pelo restabelecimento do diploma.
A FENAJ e Sindicatos de Jornalistas de todo o País reuniram-se em São Paulo para estabelecer estratégias de ampliação e fortalecimento do movimento.
O Jornalismo não acabou. Está mais forte do que nunca. A decisão do STF, com todo o respeito que os ministros do Supremo merecem, mostrou pouco conhecimento do que é o Jornalismo.
Uma breve leitura dos livros publicados pelo pioneiro dos Estudos e das Teorias de Jornalismo no Brasil, Luiz Beltrão, pernambucano de Olinda, mostraria o impacto que o Jornalismo produz na sociedade diariamente, seja em pequenos acontecimentos e nos grandes.
A título de ilustração – e mais uma vez com todo respeito aos ministros do STF – tomo um curso realizado por Beltrão no Centro Internacional de Estúdios Superiores de Periodismo para América Latina (CIESPAL) para mostrar a centralidade do Jornalismo no Brasil, isso já no começo da década de 60.
No estudo ele apresenta e teoriza sobre a sua atividade no ensino de Jornalismo. O trabalho desenvolvido no Ciespal é transformado em livro, uma apostila com as conferências de Beltrão no Ciespal, ainda não publicado em português: Métodos de La Enseñanza de la Tecnica de Periodismo.
No livro Beltrão, aborda temas como: os processos didáticos para aplicação da aprendizagem do jornalismo; o conceito de jornalismo, suas modalidades e características; o estilo jornalístico; a reportagem policial, entre outros.
Da obra vamos nos deter em três aspectos que consideramos trazer uma interessante reflexão sobre o Jornalismo: a pesquisa, a bibliografia, o jornal-laboratório e a interdisciplinaridade.
Beltrão, sem dúvida, tem uma preocupação constante nas suas obras com a pesquisa sobre o campo do Jornalismo.
Em Enseñansa del Periodismo Beltrão apresenta uma investigação realizada no curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, com a participação dos alunos, sobre os efeitos da suspensão da circulação dos jornais em função de uma greve dos gráficos.
Como enfatiza Luiz Beltrão, a investigação foi à primeira do gênero no Brasil e, provavelmente, também a primeira na América Latina.
O estudo mostra as conseqüências da falta de circulação de notícias sobre a sociedade durante o período que durou o movimento dos gráficos de 21 de março a 9 de abril de 1963.
A greve afetou os serviços públicos atingindo o interesse coletivo porque as ações governamentais que eram divulgadas nos jornais deixaram de ser comunicadas.
Beltrão mostra também que a área de diversão foi atingida resultando numa pouca procura aos cinemas mesmo com o lançamento, dias antes do término da paralisação, da superprodução Ben-Hur.
Com a volta da circulação dos jornais, a pesquisa identificou que durante as seis semanas seguintes de exibição do filme as sessões estavam sempre lotadas. A investigação mostra ainda que até mesmo os acontecimentos sociais foram afetados.
Festas e homenagens tiveram que ser adiadas em função da baixa assistência.
O estudo indica que a circulação das notícias é uma exigência da própria sociedade e a ausência das mesmas afeta fortemente o cotidiano de homens e mulheres.
A interpretação da realidade como um conjunto de notícias responde a uma expectativa pública e a exigências técnicas. A instituição do Jornalismo atua como uma mediadora entre a realidade global e o público ou audiência que se serve dela.
Uma breve leitura do livro de Beltrão, dentro da vasta bibliografia que temos sobre o campo jornalístico, contribuiria para uma melhor compreensão sobre o que é o Jornalismo. É uma atividade que exige um profissional altamente qualificado.
Por isso, o futuro jornalista deve estar preparado para os desafios das tecnologias digitais, do desenvolvimento da multimídia, das telecomunicações e da Internet, com a convergência de meios e suportes que diluem as fronteiras tradicionais do Jornalismo trazendo para a cena novos protagonistas, novos atores e novos processos (nova geração de jornalistas, professores e empresas jornalísticas).
Mas, o maior desafio é de natureza ética: ser fiel à destinação do Jornalismo como serviço público sem perder de perspectiva as inovações tecnológicas que atualizam constantemente seus gêneros e formatos garantindo a plena integração com as demandas da sociedade.
Por fim, há seis meses, por estar participando da Comissão Superior de Especialistas em Formação Superior para Subsidiar a Revisão das Diretrizes Curriculares de Jornalismo, do Ministério da Educação (MEC), não vinha escrevendo artigos sobre a relevância do Jornalismo para que minha opinião não se confundisse com a da Comissão e comprometesse de alguma forma o trabalho sério e ético que foi realizado.
Agora que o trabalho acabou, sinto-me à vontade para me manifestar publicamente de novo.
Desde já reitero minha defesa intransigente na formação superior em Jornalismo e na exigência do diploma para o exercício da atividade de jornalista.
Respeito às opiniões em contrário, mas, mais de 30 anos de luta como profissional, professor e pesquisador de Jornalismo mostraram-me a centralidade desse campo de conhecimento nas sociedades democráticas.
É sempre bom lembrar as palavras de Ruy Barbosa em Imprensa e o Dever da Verdade: “A imprensa é a vista da Nação.
Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, se acautela do que a ameaça”.
Alfredo Vizeu – jornalista diplomado e coordenador do Núcleo de Jornalismo e Contemporaneidade do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE