Deu no “O Popular”: São Domingos e o troca-troca de prefeito que virou piada


Reportagem original de O Popular,de Goiânia 

Política virou piada sem graça para os eleitores do município de São Domingos, no Nordeste do Estado, a cerca de 650 km de Goiânia, divisa com a Bahia. 

Em menos de dois anos, votação municipal na cidade se transformou em rotina anual para a descrente população dominicana. Por lá, o prazo de validade dos prefeitos vem sendo de apenas um ano de mandato e ainda em 2014 eles podem ter que voltar para as urnas. 

Os motivos dessas constantes cassações são suspeitas de compra de voto e fraude na prestação de contas das campanhas.

O primeiro que desocupou o cargo de prefeito na cidade de 11 mil habitantes foi Oldemar de Almeida Pinto Filho, o Dimá (PMDB), cassado por comprar votos em troca de material de construção e combustível. 

Em julho de 2013, uma nova eleição foi realizada e a vitória ficou com aliados do mesmo grupo político. A ex-primeira dama, mulher de Gervásio Gonçalves da Silva, prefeito por duas gestões (1997 e 2001), Etélia Vanja Moreira (PTN), ao lado do seu vice Ruy de Oliveira (PT), venceram o pleito por uma diferença de apenas 14 votos sobre o rival Trajano Pinheiro (PSDB). Agora, após investigação do Ministério Público, pelos mesmos motivos, Etélia também está afastada. Ela aguarda liminar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO) para voltar ao cargo até novo julgamento.

A reportagem acompanhou por dois dias a crise política de São Domingos. Esse entra e sai na prefeitura vem incomodando boa parte da população, que se vê atônita com a situação. Outros, porém, como são dependentes dos empregos gerados pela prefeitura – principal fonte de renda do munícipio –, preferem não entrar nessa discussão. 

Alguns moradores de baixa renda também ficaram com medo de opinar para não ficarem marcados. Já os comerciantes ficaram temerários por receio de perder clientes.
As conversas com moradores revelaram um sentimento de total vergonha, pois, para eles, a cidade não deve passar por uma nova eleição em pouco mais de um ano. Eles culpam uma forte divisão política na região, o que transforma a cidade na época das eleições em um verdadeiro campo de guerra partidário. 

A maioria dos votos é dominada por famílias tradicionais e também por grupos políticos de PSDB e PMDB. Já a cidade, que tem potencial para encantar turistas por ser rodeada por belezas naturais, sofre de problemas primários, como a falta de asfalto e saneamento básico.

“Nós perdermos o ânimo com a política. Perdemos a crença totalmente por conta desse troca-troca de prefeitos. Quem depende da prefeitura e é funcionário não se importa tanto com a situação da cidade porque está bem. Agora, a população em geral sofre muito. Estamos vendo que não tem estrutura, limpeza nas ruas, conservação de locais públicos. Alguns pontos estão abandonados. Nossos representantes não pensam no desenvolvimento e para mudar essa situação é preciso entrar um novo ideal”, afirma o bancário Flávio Franklin da Silva, de 39 anos.

O mesmo anseio é compartilhado pelo vigilante Manoel Rodrigues de Souza, de 57 anos: “Existe uma bagunça total e enquanto isso não se resolve a cidade fica em ruínas. Já perdi até a graça de votar aqui e estou pensando em me mudar porque não tenho mais espírito de ficar depositando minha fé em nenhum candidato daqui. Não sei como não conseguem administrar um lugar tão pequeno”.

Os moradores também são categóricos em afirmar que a origem desse atraso no desenvolvimento da cidade é a prática ilegal de compra de votos. A reportagem escutou da população todo o tipo de oferta que é feita ao eleitor durante o período eleitoral, desde saco de cimento e tijolos, até combustível e cesta básica. “Tem político preso com notas miúdas no bolso, pagando de R$ 10 a R$ 20. Aqui tem todo o tipo de proposta”, diz um morador.

“Isso é algo difícil de combater na cidade. Se o candidato não der dinheiro, o pessoal fala que ele não é bom, o que demonstra que o povo está mal acostumado, um mal que passou de pai para filho. A política praticada aqui não é para a sociedade, e sim funciona como uma troca de favores. Boa parte dessa culpa é nossa que vemos tudo isso e não conseguimos combater o problema”, lamenta o técnico em eletrotécnica Victor Hugo Melo, de 28 anos.

O caminhoneiro José Nilton da Silva, 46, nascido e criado no município, divide a mesma opinião. “Política aqui se tornou uma brincadeira porque só tem malandragem. Os políticos não fazem nada e existe uma panelinha entre eles no poder, além disso, tem gente que se vende por uma mixaria. Infelizmente, parece que foi enterrado aqui um jumento de perna pra ‘riba’ e a tendência é virar uma cidade fantasma”, disse.

A dona de casa Iraci Ribeiro Alves, de 70 anos, também lamenta a crise local. Segundo ela, a população aceita tudo calada e vota sem consciência. “Não podemos deixar as coisas continuarem dessa forma. Estamos vivendo essa situação porque o povo é medroso e não sabe fazer o melhor uso do voto. Isso se tornou uma brincadeira e está sujando a imagem da nossa cidade”, critica ela.
INVESTIGAÇÕES
O Ministério Público desenvolveu uma investigação a respeito de crimes contra a administração pública em 2012 com uma interceptação telefônica em andamento, autorizada pela Justiça Eleitoral. A operação coincidiu com o início de campanha e também foram autorizadas escutas do ex-prefeito Gervásio e do vereador João de Lú (PDT). Foram flagrados diálogos até do ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz. O processo foi iniciado pelo promotor Douglas Chegury.

“A partir daí descobrimos como todo o esquema funcionava. Identificamos transporte ilegal de eleitores, compra de votos, doação de combustível, diálogos comprometedores, enfim, todo o tipo de irregularidade que se possa imaginar. As provas são muito robustas e a juíza entendeu que era motivo de cassação da prefeita e do seu vice, além da inelegibilidade de ambos por oito anos”, afirmou Chegury (leia mais abaixo).

O vereador João de Lú, um dos interceptados em ligações telefônicas, classifica o atual momento político de São Domingos, como “delicado”. “Só quem sofre com isso são os moradores, porque entra um prefeito, que é cassado, e o presidente da Câmara assume, com um mês, dois meses o prefeito volta por meio de liminar. Então, só quem perde com isso é a população. Estamos sem entender e sem saber o que fazer mais. O nosso grupo político já esta pensando, caso haja novas eleições, de desistir de lançar candidato, porque só assim acredito que o Ministério Público vai ficar satisfeito”.

Segundo ele, a compra de votos citada no processo “é uma farsa”. “Em momento algum nossa prefeita e o vice são interceptados em ligações. Tem o nome de várias pessoas, tem o meu, do esposo dela, de vários moradores, vários outros vereadores, mas não tem alguém falando: ‘vem aqui que vou te dar dinheiro para você votar em Etélia`. 

Ninguém pode ser julgado por presunção. São Domingos é uma cidade carente, a população depende do político para um transporte, pede um gás. Todo vereador e político faz esse papel, mas não para a compra de voto”, justifica.

Além de Joaquim Roriz, outros diálogos foram flagrados na investigação. Foram interceptadas conversas com o deputado federal e candidato à reeleição Pedro Chaves (PMDB), que é natural de São Domingos, com o prefeito cassado de Planaltina de Goiás, José Olinto Neto (PSC), com o prefeito de Posse, José Gouveia de Araújo (PSB), com o prefeito de Iaciara, Adão Luiz Ribeiro, e com o candidato a deputado estadual Fabrício Paiva (PRTB).

Interceptações telefônicas envolvem políticos

Na conversa entre Gervásio e Roriz, eles falam sobre um suposto apoio financeiro para a campanha. “A menina foi buscar um talão de cheque e o pessoal do banco teria recomendo que somente fosse emitido cheque na próxima semana”, disse o ex-governador do DF. Depois, ele pergunta para Gervásio se o mesmo já havia sido depositado. “Não, pois é somente para o dia 13 de agosto”, responde. O ex-prefeito, também diz que o cheque foi “pré-datado sem problema e que trocou no posto de gasolina cujo proprietário é seu parente”. No final, Gervásio agradece a ajuda e ainda convida Roriz para a posse. “Salvou o pessoal”, conclui.

Questionado sobre o diálogo por telefone, Gervásio negou que tenha recebido o cheque de Roriz. Ele confirmou a existência do diálogo e da amizade com o ex-governador do DF. “Sou funcionário do Senado há 28 anos e ele sempre me ajuda, somos vizinhos de fazenda. Quando minha esposa saiu candidata falei de uma ajuda. Ele me falou que ia me passar um cheque pré-datado de R$ 10 mil para agosto. Só que ele teve problema de saúde e não houve nada. E se tivesse me dado, iria fazer a doação de forma legal”, defende-se.

No entanto, em nova escuta, Gervásio confirma o recebimento do cheque para outra pessoa. “É do próprio Joaquim Roriz”, diz. Segundo o promotor Douglas Chegury, o valor que seria repassado para a campanha pelo ex-governador do DF era de R$ 30 mil. “Eu tenho a impressão que em algum momento do diálogo o Roriz se arrependeu de passar esse valor em cheque. Só que o Gervásio foi esperto e falou que já tinha trocado. Também não acredito em interesse do Roriz pela política de São Domingos”, afirma.

Em outro diálogo, Gervásio pergunta para uma pessoa não identificada se não conseguiria R$ 30 mil com Fabrício Paiva, para pagamento de dívida de campanha, de cerca de R$ 100 mil. A resposta foi que ele tentaria localizar o candidato. No dia seguinte, veio o retorno. “Ele disse que o Júnior (Friboi) está fora de Goiânia e que Fabrício está tentando outro jeito, fora do escritório, para conseguir esses R$ 30 mil”. Fabrício também veio para São Domingos e discursou na posse de Etélia. “Não se sabe se teve essa doação”, afirma Douglas.

Segundo o promotor, em outra interceptação, Gervásio conversa sobre um depósito no valor de R$ 3.200 para o pagamento de uma van, que foi utilizada para o transporte ilegal de eleitores. O dinheiro, era do prefeito de Iaciara, Adão Luiz Ribeiro, foi transferido para a conta do primo de Gervásio, Deusmar Gonçalves. 

No entanto, ocorreu um erro durante a digitação do valor e foram depositados R$ 32 mil. “Depois disso, o primo dele não queria devolver a diferença e eles conseguiram recuperar apenas R$ 16 mil”, afirma Douglas.

Perguntado sobre um possível processo judicial contra os interceptados, o promotor disse que não é possível fazer nada quanto à questão eleitoral. “Por que o prazo era curto. Claro que eles estão sujeitos, no meu entendimento, a responder por improbidade administrativa. Até por dano moral coletivo, porque, bem ou mal, eles foram responsáveis diretos por termos outra eleição”, afirmou.

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