Artigo: A fala dos generais
Militares da reserva, entre os quais os generais Augusto Heleno e Paulo Chagas, de grande prestígio no Alto Comando – e cujas falas refletem, com clareza, o que lá se passa -, vêm difundindo pelas redes sociais o ambiente de indignação e inconformismo do estamento militar.
Como estão na reserva, não mereciam maiores atenções. Mas não falam desarticuladamente. A solidariedade que manifestaram ao general Mourão expressa o que pensa a alta oficialidade.
Os militares jogam suas fichas na Lava Jato, mas identificam resistências em alguns ministros do STF e do STJ, e em membros da Procuradoria Geral da República, que, segundo avaliam, dificultam a erradicação da corrupção no meio político. A esquerda – leia-se PT – teria ainda forte influência no conjunto das instituições do Estado.
O comandante do Exército, chefe do Alto Comando, general Eduardo Villas Boas, é visto como moderado, de trato diplomático, alguém que não segue impulsos. Antes de se manifestar, peneira as palavras para não deixar margem a dúvidas. Mas é sensível (e leal) ao que se passa em sua retaguarda.
A entrevista que deu ao jornalista Pedro Bial, segunda-feira, na TV Globo, sem dela dar ciência ao ministro da Defesa, Raul Jungmann, o confirma. Nela, buscou minimizar o impacto das palavras do general Mourão, sem, no entanto, contestar-lhe o conteúdo: a lei e a ordem estariam de fato fragilizadas.
Nessas condições, as Forças Armadas, “dentro da legalidade”, conhecem seu papel. Não foi dito assim tão cruamente, mas o sentido está sendo assim interpretado. Mourão não foi, nem será punido. Ele expressou um sentimento hoje dominante nos quartéis. Puni-lo seria exacerbar ainda mais os ânimos.
O ministro Jungmann pediu contas da conduta do general, que está na ativa, integra o Alto Comando e teria transgredido o Regimento Disciplinar do Exército.
A resposta do general Villas Boas foi protocolar, reiterando fidelidade à Constituição. Não mencionou qualquer punição ou advertência ao general Mourão. Nem Jungmann voltou ao assunto.
Além do quadro geral de desordem pública, incluindo a degradação do ensino e dos costumes, sob a chancela do Estado, há o tratamento secundário que recebem do ponto de vista orçamentário.
Isso ocorre ao mesmo tempo em que as Forças Armadas são chamadas a intervir no Rio de Janeiro, em operações delicadas, que as expõem, enfrentando sabotagem no governo estadual, com forte presença do crime organizado. “No Rio, o crime organizado capturou o Estado”, constatou o ministro Raul Jungmann.
Ao longo das três décadas em que se recolheram aos quartéis, os militares absorveram em silêncio uma narrativa adversa a respeito de seu papel nos 21 anos em que governaram o país.
Sustentam que continuam sendo difamados.
O advento da luta armada – “os mesmos que, com a anistia, estão hoje aí” – fez com que o regime se prolongasse e recorresse, com moderação, a atos de exceção. “Isso ninguém fala e os mais moços imaginam que o regime se instalou por mero capricho autoritário”, diz um general.
Há uma tendência de não mais aceitar a tal “narrativa ressentida dos derrotados”.
“A Comissão da Verdade listou, entre mortos e desaparecidos, 434 pessoas. Isso, em 21 anos, dá 20 pessoas por ano. Hoje, são assassinadas 70 mil pessoas por ano.
Não está agendada nenhuma intervenção. Mas há, “dentro da rotina militar”, planejamento para qualquer eventualidade.
Os militares acham que, se houvesse um general candidato à Presidência – citam Paulo Chagas e Augusto Heleno -, não têm dúvida de que seria eleito. Veem Jair Bolsonaro como alguém com limitações, sem o preparo intelectual e o perfil de disciplina de Chagas e Heleno.
Veem uma disparidade entre o que sai na mídia mainstream e o que circula nas ruas e redes sociais, onde a maioria clama por intervenção militar. Por alto, e em síntese, é esse o sentimento que se alastra nos quartéis.