STJ garante direito de visita a animal de estimação após separação de casal





Apesar de os animais serem classificados como “coisa” pelo Código Civil, é possível estabelecer a visitação ao bicho após o fim de um relacionamento quando o caso concreto demonstrar elementos como a proteção do ser humano e o vínculo afetivo estabelecido.


Com esse entendimento, a maioria dos ministros da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça garantiu o direito de um homem visitar a cadela Kim, da raça Yorkshire, que ficou com a ex-companheira na separação. O placar foi de três votos a dois.


O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que a questão não se trata de uma futilidade analisada pela corte.


Ele disse que, ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo pós-moderno e deveria ser examinada tanto pelo lado da afetividade em relação ao animal quanto como pela necessidade de sua preservação conforme o artigo 225 da Constituição Federal.


Com isso, a turma considerou que os animais, tipificados como coisa pelo Código Civil, agora merecem um tratamento diferente devido ao atual conceito amplo de família e a função social que ela exerce. Esse papel deve ser exercido pelo Judiciário, afirmou. 


Também foi levado em consideração o crescente número de animais de estimação em todo o mundo e o tratamento dado aos “membros da família”.


O ministro apontou que, segundo o IBGE, existem mais famílias com gatos e cachorros (44%) do que com crianças (36%). 


Além disso, os divórcios em relações afetivas de casais envolvem na esfera jurídica cada vez mais casos como estes em que a única divergência é justamente a guarda do animal.


Terceiro gênero


“Longe de, aqui, se querer humanizar o animal”, ressaltou. “Também não há se efetivar alguma equiparação da posse de animais com a guarda de filhos. Os animais, mesmo com todo afeto merecido, continuarão sendo não humanos e, por conseguinte, portadores de demandas diferentes das nossas.”


O relator afirmou, em julgamento iniciado em 23 de maio, que o bicho de estimação não é nem coisa inanimada nem sujeito de direito. 


“Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado para a proteção do ser humano, e seu vínculo afetivo com o animal.” O fundamento foi acompanhado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira.


O ministro Marco Buzzi seguiu a maioria, apesar de apresentar fundamentação distinta, baseada na noção de copropriedade do animal entre os ex-conviventes. Segundo ele, como a união estável analisada no caso foi firmada sob o regime de comunhão universal e como os dois adquiriram a cadela durante a relação, deveria ser assegurado ao ex-companheiro o direito de acesso a Kim. 


A ministra Isabel Gallotti divergiu, considerando ideal esperar uma lei mostrando dias e horas certas de visita. 


O Judiciário, segundo ela, precisa decidir com base em algo concreto. “Se não pensarmos assim, haverá problemas como sequestro de cachorro, vendas de animal”, afirmou.


Último a votar, o desembargador convocado Lázaro Guimarães entendeu que a discussão não poderia adotar analogicamente temas relativos à relação entre pais e filhos. 


De acordo com o desembargador, no momento em que se desfez a relação e foi firmada escritura pública em que constou não haver bens a partilhar, o animal passou a ser de propriedade exclusiva da mulher.


Com a tese definida pela maioria, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que fixou as visitas em períodos como finais de semana alternados, feriados prolongados e festas de final de ano.


Anteriormente, o juízo de primeiro grau havia considerado que nenhum bicho poderia integrar relações familiares equivalentes àquelas existentes entre pais e filhos, “sob pena de subversão dos princípios jurídicos inerentes à hipótese”.


Repercussão


O entendimento majoritário foi elogiado por advogados. Para Júlia Fernandes Guimarães, da área de Contencioso Cível do Rayes & Fagundes Advogados Associados, o STJ reconhece a “nova realidade” nas relações do Direito de Famíia, como já vêm fazendo tribunais estaduais, “visando atenuar o grande sofrimento gerado pela ausência do convívio diário com o animal”.


O advogado Luiz Kignel, especialista em Direito de Família e sócio do PLKC Advogados, afira que o bicho doméstico faz parte do núcleo familiar, sem ser membro da família.


“Não há fundamento jurídico — e na minha opinião também de razoabilidade — de atribuir ao animal o tratamento de guarda de filhos. 


Mas foi de muita sensibilidade conferir o direito de visitas regulares porque o relacionamento construído entre um cônjuge e o animal tem valor intangível que deve ser protegido”, analisa. 


Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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