Dia Histórico para a Comunidade Quilombola Brejão. Campos Belos (GO) ganha sua primeira comunidade quilombola

O último dia 2 de setembro tornou-se um pontinho destacado no calendário para a vida da Comunidade de Negros do Brejão, localizada no município de Campos Belos (GO). 

Até esta data, eram tidos como negros, mas não reconhecidos e respeitados como comunidade quilombola, capazes de participar das políticas públicas de reparação histórica a este grupo de brasileiros, que tão bravamente construíram as bases do país.

Apesar de sua certificação pela Fundação Cultural Palmares já ter sido realizada em 1º de março de 2004, entretanto a comunidade ainda não estava habilitada juridicamente para atuar. 


Após esse passo, ela poderá elaborar coletivamente, planejar e executar ações que beneficiem seus integrantes nas áreas da cultura, da educação, da infraestrutura, da saúde e da assistência social.

No evento histórico, foi efetivo o trabalho da enfermeira Martha Ivone, Superintendente da Igualdade Racial (SEPIR-GO) e a presença de uma comissão da Universidade Estadual de Goiás – Câmpus Campos Belos, quando foi criada a Associação Comunidade Quilombola Brejão (ACQB).  


Martha carrega no currículo uma longa trajetória de luta pelo reconhecimento e organização do povo negro no Estado de Goiás e desde 2004 ela vem incentivando as lideranças a se unirem para atingirem este objetivo.

A UEG se fez presente por meio de seu dirigente do Câmpus local, professor Adelino Machado e do professor Luiz Marles Gonçalves dos Santos, coordenador de avaliação institucional. 

O diretor assumiu a primeira secretaria da ACQB, nesta primeira etapa, para dar suporte aos encaminhamentos da documentação de fundação da Associação e que neste período seja capacitado um membro da comunidade para prosseguir o andamento da agremiação.

Em plenária de cerca de 60 pessoas, o líder, professor José Dias Assunção Neto, que vem a vários anos lutando para preparar a comunidade para este momento, fez a abertura ressaltando a importância da criação da Associação, expondo o exemplo da conquista da instalação da energia elétrica na localidade. 


“Depois de muito tempo em que os postes estavam amontoados aqui, de repente fiquei sabendo que a CELG ia recolher para implantar em outra local. Fui até o gerente e ele me disse que infelizmente tinha de retirar para atender uma localidade que estava com a documentação mais avançada. 

Então eu vim aqui e peguei os números das inscrições de todos, levei para Goiânia e entreguei nas mãos de Martha Ivone. 


Ela me disse que tomaria as providências junto aos órgãos e me pediu um prazo de 60 dias. Mas 30 dias depois eu liguei para informar que a energia havia sido ligada na comunidade. Isso é só um exemplo da importância da luta da comunidade”, afirmou o líder.

“Estando nós organizados em Associação, mais força de reivindicação teremos junto às autoridades constituídas”, completou o professor Zé Dias.

Já o professor Adelino Machado relatou histórias de sua infância com membros da comunidade, bem como histórias de seu pai Guilhermino, relacionadas com os pais e avós de muitos dos presentes àquela plenária posicionada parte debaixo de um galpão, parte sob a sombra de uma mangueira, ao lado da Capela de São Mateus, padroeiro da comunidade.

” Estou aqui para colaborar com vocês que são também meus irmãos! Aprendi brincar com Eva e Adão filho de seu Zeca em Campos Belos, na saída do Barreirão. Depois aprendi a jogar bola e estudar no Povoado Barreirão com o professor José Dias. 


Minha relação com essa comunidade é de irmandade, é de sangue e por isso estamos juntos na mesma luta. Além disso quero colocar o Câmpus da UEG à disposição para realizar as parcerias necessárias com a comunidade. Enquanto eu for diretor o Câmpus será parceiro”.

Em seguida, a Superintendente da Igualdade Racial, Martha Ivone, esclareceu a importância da organização da Associação e falou da satisfação de poder colaborar com esse momento histórico vivido pelo Brejão, que ela conheceu e logo se identificou pela simplicidade e beleza daquela gente. 

“Estamos aqui para confirmar o valor e reafirmar os direitos de um povo que construiu esse país, mas foi ao longo da história alijado dos benefícios e das riquezas que nós mesmos produzimos. 

Eu vou contar para vocês: a história do nosso país é manchada com o nosso sangue dos açoites da escravidão. Primeiro tentaram escravizar os índios, não conseguiram. Depois foram até a África e de lá nos trouxeram comprados, como se compra animais. 

Mas que nos venderam não foram brancos, eram povos negros que vendiam outros povos negros. E assim eram trazidos como mercadoria e transportados pelos mares. Faziam embarcação de negros com galinhas de Angola, por exemplo. Para distrair a fiscalização colocavam as galinhas por cima e os negros homens e mulheres no porão. Desembarcavam no porto que, por isso recebeu o nome de Porto de Galinhas. Hoje estamos aqui refugiados nos quilombos”, afirmou.

Depois Martha Ivone falou da importância da organização em Associações e de sua luta para organizar as comunidades em todo o Estado de Goiás, aonde já existem mais de 170 delas identificadas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares. 


“Com essa introdução a Superintendente da Igualdade Racial de Goiás, coordenou a reunião pública que marcou a fundação da Associação Comunidade Quilombola Brejão, com a participação ativa de uma plenária formada por várias gerações de pessoas ali residentes. Os encaminhamentos, a partir de então giraram em torno da eleição da primeira diretoria, da leitura e aprovação do Estatuto da entidade ali fundada”.

Também esteve presente à reunião a líder quilombola Maria Helena Kalunga, que disse que sua experiência e alertou a todos das dificuldades a serem enfrentadas. 


“Não basta criar a Associação é preciso lutar e lutar muito, enfrentar dificuldades com os próprios irmãos, a falta de dinheiro, a falta de apoio e tudo mais que vem daqui pra frente”, ressaltou Maria Helena.

Ao fim da plenária, foram eleitos e aclamados por todos, a jovem Universitária do 2º ano de Pedagogia da UEG de Campos Belos Daiane Serafim do Carmo, primeira presidente da ACQB e seu vice-presidente, o incansável líder professor José Dias Assunção Neto. 


E assim foram dados passos importantes para organização e capacitação das pessoas da comunidade em busca de seus direitos, garantidos pela Constituição Federal de 1988, concluindo, dessa forma esse dia histórico para o povo negro do município de Campos Belos.

Deixe um comentário