“Causo Popular”: A cura do bode malucão

Por Jefferson Victor,

Década de 1970, cidadezinha do interior de Goiás, região denominada “corredor da miséria”, fazendinha a 3 km de distância da zona urbana.

Cinco primos, idades entre 8 e 10 anos eram frequentadores assíduos, já que a vó era a proprietária.
Esses são os protagonistas da nossa história.

Por não ter autorização dos atores, resolvemos criar nomes fictícios para que entendamos o ocorrido. Vamos denomina-los de “gang da cura do bode”.

Naquela ocasião não existia nenhum tipo de progresso nas proximidades, a meninada se virava como podia, inventava e construía seus próprios meios de diversão. Esses primos gostavam de ir pra roça, um costume comum entre a molecada da época.

Um deles, o Huguinho, morava na cidade vizinha e frequentava menos a propriedade. Os outros 4 eram mais familiarizados com o ambiente, inclusive eram conhecidos das criações que não os estranhavam.
Dentre os animais da fazenda existiam muitos caprinos, e o líder do grupo era o bode velho apelidado de “malucão”.

Onde os primos estavam eles encostavam querendo comida e afago. Podia coçar o bode, mas pegar no chifre era briga na certa.

Um dia o primo forasteiro puxou a barba do bode e o segurou pelo chifre, nascia ali uma inimizade eterna. O animal passou a perseguir esse primo em todos os lugares, inclusive entrava na casa tentando chifra-lo, chegando ao ponto de subir numa cama para alcançar o Huguinho que havia subido na parede baixa no interior da residência.

Como era período de férias, então o tio dos meninos achou por bem capar “malucão” pra ver se diminuía sua fúria, pois podia mesmo acidentar seu sobrinho.

Bode capado problema dobrado. O saco do valentão inchou e criou bicheira, aí a “gang dos primos” resolveu agir.

Como não havia adultos por perto, o Zezinho, mais velho do grupo, com 10 anos, era o “veterinário” e chefiou sua equipe para curar o ferimento do bicho.

Quando anoiteceu os animais vieram dormir no terreiro, foi quando o plano começou a ser executado. Os 5 derrubaram o bode e com a ajuda de um “candeeiro” pra iluminar, notaram bastante bichos, e como já tinham conhecimento, sabiam que o Lepecid era o remédio adequado.

Zezinho pegou o spray e o Luizinho, “auxiliar,” colocou a lamparina bem perto da ferida para clarear e se atingir o alvo, foi quando o Zezinho chiringou mata bicheiras que é inflamável. Criou uma clareira de fogo maior do mundo, o bode pegando fogo esperneou, deu um pinote, escapuliu da mão dos 4 assistentes que o seguravam, e saiu correndo espalhando o fogo pelo capim seco, já que era mês de julho.

Cada vez que pulava e aterrissava era um foco novo. Passou pra dentro do canavial incendiando tudo e a meninada desesperada atrás tentando pegar o bicho e apagar o fogo que o consumia, queriam salvar o coitado.

Nesse meio tempo tudo na fazenda pegava fogo, bananeiras, mandiocal, e quando conseguiram pegar o bode, ele estava parcialmente queimado e andando com as pernas abertas, bem prejudicado.

O fogo se espalhou pelas propriedades vizinhas, dando prejuízo incalculável, mas ninguém, com exceção dos incendiários, souberam o motivo do incêndio.

No outro dia chega o tio capador, olha e só vê destruição, inclusive algumas cercas de arames se queimaram.

Da fazenda felizmente escaparam a casa, um trator e o engenho que ficou sem serventia, já que a cana toda queimou.

A essa altura os primos arrebanhados em um canto firmaram um pacto de nunca revelarem quem causou a tragédia. Perguntados, eles disseram que não sabiam, mas que foi tanto fogo que nem o bode escapou.
O caso não ganhou grande repercussão na época, porque era normal incêndios sem identificação da origem.

Esse segredo esteve guardado por 50 anos, e só agora foi revelado.

Alguns desses personagens já não estão mais entre nós.

Esta é uma história real de um fato guardado a sete chaves pela “gang da cura do bode “.
O animal apesar das queimaduras sofridas foi tratado e sobreviveu, morreu anos depois de velhice.