Vivendo em Taguatinga (TO) nos anos 1960/70: Fatos Inéditos com Novas Narrativas

Por Jefferson Victor,

Diante da boa e grande repercussão do texto anterior, resolvi complementar com novos fatos.

Lembrei do meu padrinho, Miúdo Guedes, e sua picape azul. Felizmente, não havia trânsito na época. Ele aprendeu a dirigir já idoso, ficava nervoso, mas ia para todo lado.

Um dia, ele e tia Neusa chegaram a Campos Belos discutindo sobre barbeiragens na estrada, enquanto iam para Arraias. Minha mãe intercedeu e disse que eu sabia dirigir, tinha 16 anos, e que eu os levaria até o destino. Proposta aceita, lá vou eu transportando o casal.

Ao retornar para Campos Belos, havia uma longa subida na chegada, estrada de terra; acelerei e subi de quarta marcha. Ele me repreendeu: “Meu filho, você dirige até bem, mas na subida tem que frear, colocar em primeira e subir.”

Ele era gêmeo do padre Patrocílio. Após a morte do padre, foi a Arraias e teve um problema na picape. Foi a uma oficina, e o mecânico, ao sair debaixo de um carro para atendê-lo, pensou que era o padre e saiu correndo e gritando.

Meu tio Manoel do Carmo era sovina, todos sabiam disso. Vendia coco, era cheio da grana. Um dia, um parente o chamou para tomar cerveja. Após seis garrafas, resolveu encerrar a farra e disse:

“Deu três para cada.” Era brincadeira, e ele imediatamente respondeu: “Não faltará ocasião, mas desta vez não posso.”

Lembro da dona Maria de Otávio, católica fervorosa, que ia à igreja todos os dias. Usava um véu branco na cabeça, era bem magrinha, sempre acompanhada por duas pessoas de braços dados, caminhando lentamente até a paróquia.

Era meio intolerante com crianças. Um dia, Jackson chegou na casa da minha avó chorando. Minha mãe quis saber o porquê. “Foi Maria de Tavo, mãe.” “O que ela fez, meu filho?” “Sai datí tadão, vai tadá no mato.”

Aproximando-se das festas de agosto, aprendi a engraxar sapatos. Treinei com os sapatos dos parentes e já me sentia um profissional, pronto para ganhar dinheiro.

No dia das festas, fizeram extensões de lâmpadas, umas trinta metros uma da outra, que clareavam muito pouco. Achei meu primeiro cliente, engraxando enquanto ele namorava. Quando acabei, ele disse: “Vamos ali no claro. Se não ficar como espelho, não pago.”

Chegamos a um ponto mais claro, o sapato era marrom e eu passei pasta preta. Ele reclamou: “Fela da p… queimou o meu sapato, quero outro novinho!” Saí correndo e passei o resto das festas sem pisar na rua.

Rita Cacete era uma senhora idosa, com cabelo comprido, de uns dois metros, que não penteava nem lavava. Fazia uma trouxa, enrolava ao redor da cabeça e passava um lenço, formando um volume enorme. Quando chegou o Mobral, tentaram alfabetizá-la.

A professora ajudando a soletrar: “Ra-to-o-to” com a foto do rato e ela respondia “rato”. Agora “Sa-p-o-po” mostrou a foto do sapo e ela respondeu “macô”.

Havia a bica dos homens onde as crianças tomavam banho. Ao escurecer, era a vez dos mais velhos, que corriam com os mais novos. Seu Cipriano era matador de onça. Um dia, passei na fazenda dele, ele estava carregando uma bate-bucha, disse que ia matar uma.

Estava sozinho com dois pequenos cachorros. Indagado, disse que não havia tamanho de felinos que os companheiros de caçada não pusessem no pau para ele atirar.

Lino Pimenta, outro destemido, entrava na gruta e escorava a fera na zagaia para alguém atirar. Uma vez, levou um companheiro de primeira viagem.

Escorou a onça na ponta da lança e mandou o cara atirar, esperando o pipoco e nada. A danada escapou, o medroso estava em cima de uma árvore. Foi reprovado, quase levou um tiro no lugar da onça.

Como esquecer Avelina? Era nossa vizinha, andava suja, não tomava banho, vivia na rua juntando tranqueiras e levando para sua morada.

Fazia montanha de lixo dentro de casa. De vez em quando, minha mãe fazia uma faxina lá, jogava tudo fora, e poucos dias depois, estava cheio de novo. Uma vez, no beco do hotel de Celuta, apareceu uma raposa. Puseram pinga numa vasilha e ela bebeu. No dia seguinte, estava de volta para tomar mais uma.

Na época da política, a casa de minha avó ficava lotada de gente. Fazia comida em panelonas, gente demais preparando, uma multidão para comer.

Depois, o eleitor era levado pelo braço para votar, garantindo que o investimento não fosse perdido. Lembro ainda da campanha da oposição. Liberato era candidato a prefeito e Belarmino a vice.

Tinha uma música assim: “Liberato, Liberato, Liberato e Belarmino queremos elegê-los, fazer o nosso hino” ou algo assim.

Nos anos 70, o Consórcio fazia manutenção de estradas em Taguatinga. Um pessoal da firma alugou uma casa. Não sei se era a de Rochinha ou vizinha. Guido do Consórcio tinha uma radiola a pilha, duas bandas, faltava apenas furar o disco com a música:

“Receba as flores que te dou, em cada flor um beijo meu, são flores lindas que te dou, rosas vermelhas com amor, amor que por você nasceu…”

Me cobraram o campinho de Oliveira. Realmente existiu, era ponto de encontro da meninada. Jogávamos bola o dia todo, mesmo com sol forte. Ziquinho criava canário. Um dia, ele vendeu o macho para uma pessoa que o levaria para Goiânia. Próximo aos Azuis, a gaiola caiu e quebrou. O canarinho voltou para sua companheira que havia ficado.

Falando em rio Azuis, naquela época era bem preservado, sem desmatamento das margens. A gente chegava devagarinho pelo meio do mato e via peixes enormes.

O mesmo acontecia próximo ao engenho, no rio Sobrado. Sempre fui amigo dos filhos de Liberatão, mas nunca entrei na casa deles. Diziam que lá havia um porão para castigar os filhos quando faziam algo errado. Até hoje, tenho essa dúvida.

Agora, esgotaram-se minhas lembranças e esses foram os fatos mais relevantes que vieram à minha mente no momento.

No texto anterior, uma amiga de Campos Belos, ao ler a matéria, me mandou a seguinte frase: “É muito importante alguém escrever a história dos que fizeram histórias, para que definitivamente não sejam esquecidos.”

Alzira publicou uma mensagem dizendo que vão criar uma comissão para que narrativas como essas se transformem em um livro.

Bela iniciativa, porque em tempos futuros, fatos como esses não terão mais narradores e boa parte da história se perderá para sempre por falta de registro.

Estou surpreso e gratificado com tamanha manifestação de carinho por parte dos meus conterrâneos. Reconhecimento é o melhor pagamento pela dedicação que tenho tido nos últimos 10 anos escrevendo para o Blog do Dinomar Miranda.

Através dele, fiz novas amizades e reencontrei velhos amigos perdidos mundo afora.