Escola nova, educação Precarizada na comunidade Mimoso, em Arraias (TO)
Por Kaled Sulaiman Khidir/UFT, Câmpus de Arraias
No dia 26 de janeiro de 2024, a Prefeitura de Arraias inaugurou a Escola Polo Matas e anunciou a nucleação de todas as suas escolas no Território Quilombola Kalunga do Mimoso para esta unidade escolar, no município de Arraias (TO), sudeste do estado, obra importante e necessária para a oferta de uma Educação de qualidade para esta comunidade.
Naquela ocasião, o Superintendente Regional de Educação, Cleber Flávio de Paula Teixeira, anunciou que o Ensino Médio ofertado pelo Estado do Tocantins também seria oferecido na Escola Polo Matas, e que a oferta passaria a ser integral, ou seja, ao invés das aulas acontecerem em um único turno, passariam a acontecer em dois turnos, com a ampliação de componentes curriculares e da carga horária de algumas disciplinas.
Passadas as festividades, vieram incertezas e ataques à oferta da Educação para os(as) jovens do Kalunga do Mimoso.
A notícia que nos chega é de que a Secretaria de Estado da Educação do Tocantins está transformando a oferta do Ensino Médio para o sistema multisseriado.
Colocando todos os estudantes da 1ª, 2ª e 3ª séries em uma única classe para que os professores ministrem suas aulas para as três séries concomitantemente.
Além disso, nos chegou a informação de que seriam contratados apenas 2 ou 3 professores para ofertarem todas as disciplinas, precarizando assim o trabalho docente e a qualidade da Educação oferecida.
A multisseriação é uma realidade em muitas escolas de Ensino Fundamental (EF) do campo, indigenas e quilombolas, principalmente na primeira fase do EF (1º ao 5º ano). Já na segunda fase do EF (6º ao 9º ano), a multisseriação é menos presente por conta já da necessidade de professores formados por área de conhecimentos. Isto posto, a oferta do Ensino Médio de forma multisseriada é inconcebível na perspectiva de uma Educação de qualidade.
É essa a melhoria da qualidade que a Seduc Tocantins traz para a Comunidade Quilombola Kalunga do Mimoso?
Diminuir o tempo de dedicação dos docentes para os estudantes? Precarizar a oferta de disciplinas por professores(as) sem formação na área?
Para entendermos melhor esta situação, faz-se necessária uma breve contextualização histórica da comunidade e da oferta da Educação para este povo quilombola.
A comunidade quilombola Kalunga do Mimoso foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 12 de setembro de 2005. Em 16 de dezembro de 2010, o Governo Federal decretou a criação do Território Quilombola Kalunga do Mimoso, com área de 57.465 ha (cinquenta e sete mil, quatrocentos e sessenta e cinco hectares) distribuídos nos municípios de Arraias e Paranã.
A comunidade é composta por 250 famílias, tendo aproximadamente 1.500 pessoas, distribuídas em treze núcleos residenciais/familiares, sendo eles: Albino, Aparecida, Areião, Belém, Crispiano, Curral Velho, Esperança, Forte, Matas, Mimoso, Ponta da Ilha, Santa Maria e Santa Rita.
Até o ano de 2017, só havia a oferta do Ensino Fundamental na Comunidade Quilombola Kalunga do Mimoso. A oferta do Ensino Médio teve início em fevereiro de 2018, com a abertura da primeira série do Ensino Médio, a partir da criação de uma extensão da Escola Estadual Agrícola David Aires França na referida comunidade.
A Extensão iniciou seu funcionamento em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Arraias, que cedeu as dependências da Escola Municipal Eveny de Paula e Souza, no núcleo da Aparecida (Beira Rio). Além do prédio, a Semed cedeu também uma funcionária para trabalhar como merendeira no primeiro ano de implantação do Ensino Médio.
A partir de então, mesmo com percalços e dificuldades, a oferta do Ensino Médio foi progressiva, regular e seriada para as(os) jovens do Kalunga do Mimoso. Da seguinte forma:
- 2018 – 1ª série do Ensino Médio;
- 2019 – 1ª e 2ª séries do Ensino Médio;
- 2020 – 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio;
- 2021 – 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio;
- 2022 – 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio;
- 2023 – 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.
Importante observar que nem no período da oferta do ensino remoto, por conta da Pandemia da Covid-19, a oferta foi prejudicada e nem multisseriada.
Em 2023 houve denúncias quanto à precarização das instalações das unidades escolares no Kalunga do Mimoso, tanto o município quanto o estado foram acionados. Nos processos de ajustes e adequações, o município de Arraias, por meio da Semed, transferiu todas as suas turmas para a nova escola polo na localidade das Matas. No que tange ao Estado do Tocantins, a Seduc recebeu do município o prédio da Escola Municipal Nossa Senhora da Conceição, no núcleo Mimoso, e transferiu suas turmas para lá.
A Seduc, por meio da Escola Agrícola, realizou reformas e adequações no prédio recebido. A exemplo, foram construídos banheiros e perfurado um poço artesiano. Há que se registrar que o prédio escolar recebido da Semed de Arraias já era patrimônio do Estado do Tocantins.
No que se refere à oferta da Educação na parte do território Kalunga do Mimoso que está nos limites do município de Paranã, há apenas uma escola no núcleo do Albino. Nesta unidade é ofertado apenas o Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano). Os estudantes das demais séries e anos são transportados para a sede do município que fica a mais de 90 km da comunidade.
O problema com esse deslocamento seria resolvido se a ponte do rio Porcos fosse construída para que os estudantes do Albino pudessem ser transportados para as escolas que oferecem o Ensino Fundamental II (6º ao 9º) anos e o Ensino Médio nos limites do município de Arraias, e dentro do próprio Território do Kalunga do Mimoso; isso poderia, além de diminuir os custos financeiros, o desgaste físico pelos longos trechos percorridos também seriam minimizados e, esses alunos estudariam dentro do seu próprio território.
Faz-se mister registrar que há pessoas da comunidade Kalunga do Mimoso licenciadas em diversas áreas de conhecimento; alguns desses professores já com especialização e mestrado, viabilizariam ainda mais a oferta do Ensino Médio de forma seriada na comunidade.
Tomando-se por base o Parecer CNE/CEB nº 16/2012, aprovado em 5 de junho de 2012 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, bem como a Resolução CNE/CEB nº 8 de novembro de 2012 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica, além da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – Organização Internacional do Trabalho, e a Declaração de Durban, 2001, normativas específicas que orientam a elaboração de políticas públicas para a oferta da educação para as populações quilombolas.
Assim, compreende-se a Educação Escolar Quilombola (EEQ) como uma reparação de demandas históricas com comunidades quilombolas, como também é, uma forma de colocar em prática as políticas de universalização que garantam uma educação igualitária, que corrija as desigualdades enraizadas que recaem sobre determinados grupos sociais e étnico-raciais no Brasil, conforme indica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação:
Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 1996, p. 11).
Diante do exposto, conclamamos ao Secretário de Estado da Educação do Tocantins, professor Fábio Vaz, que reveja a decisão de multisseriação do Ensino Médio no Kalunga do Mimoso e amplie as melhorias para a oferta de uma Educação Escolar Quilombola de qualidade, como preconizam a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) e a Resolução CNE/CEB nº 8/2012.