TRF-3 dá bronca em anarquista pacifista e o manda cumprir serviço militar
Um médico tentou se safar do serviço militar obrigatório alegando ideais anarquistas “calcados no pacifismo e antimilitarismo”, mas não contava com a simpatia de um desembargador federal pelo assunto, que evidenciou o absurdo da alegação.
“Talvez pudesse considerar a mim como anarquista, porque muito aprecio um escrito de Bakunin”, disse o desembargador Peixoto Jr. Reprodução
Contra ato do comandante da 2ª Região Sudeste, o recruta impetrou Mandado de Segurança na Justiça Federal para suspender a sua convocação para prestar serviço militar como profissional da área de saúde já que sua “liberdade de consciência” não o permitia.
O juízo da 14ª Vara Federal em São Paulo deferiu o pedido do médico, entendendo que “o imperativo de consciência é um direito fundamental, e a inexistência de serviço alternativo ofertado pela Administração Pública militar importa na impossibilidade da incorporação”.
A União recorreu. Alegou que “mesmo se dizendo anarquista, o impetrante estudou em instituição de ensino pertencente ao Estado, o que é contrário a essa corrente filosófico-política; que, segundo manifestação do Ministério Público Federal, na página pessoal do impetrante no Facebook, há manifestações políticas que em nada se relacionam com o anarquismo; que atividade para a qual ele foi convocado é de natureza preponderantemente médica”.
Subiram os autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS), à mesa do desembargador federal Otávio Peixoto Júnior, que desmascarou o pseudo-anarquista. Sobram motivos para negar credibilidade ao impetrante, disse o desembargador.
“[O impetrante alega que] filia-se à corrente filosófica do Anarquismo, cuja origem remonta aos antigos gregos (estoicos), tendo sido determinante para o seu surgimento como doutrina moderna, o pensamento secular iluminista, particularmente a elevação da liberdade proposta por Jean Jacques Rousseau.
“Talvez pudesse considerar a mim como anarquista, porque muito aprecio um escrito de Bakunin, tanto que, impresso na contracapa, deixo o livro na estante com a capa virada para a parede para mais fácil e pronta visualização do texto que não raro prazerosamente releio:
Continua: “Não vou discutir filosofia, política e história com o impetrante, não devo debater sobre cidadãos gregos liderados por Zenão que se reuniam num pórtico de Atenas, onde o fundador da escola lecionava sobre a ataraxia.
“(…) admitir que qualquer ‘vassalo’, na linguagem de Rousseau em seu Do Contrato Social possa desses se livrar com meras e ainda incongruentes e inverossímeis alegações de filiação a exótica corrente de ‘anarquismo paz e amor’ passa dos limites”, continua o desembargador.
A procuradora regional da República Rosane Cima Campiotto também apresentou argumentos contra a liberação do médico.
“Não poderia eu me posicionar de outro modo senão pela denegação da ordem”, foi o voto declarado e divergente do desembargador da 2ª Turma.
“Entender que a mera ‘alegação’ constante do tipo legal não suscita confrontação ou averiguação é simplificar o processo interpretativo em curso, já que o fim social daquela norma é estabelecer a isonomia de tratamento, onde os desiguais devem ser desigualmente albergados pelo direito, mas, para tanto, é necessário que se demonstre sua situação de desigualdade”, acompanhou em voto retificador o relator, desembargador Cotrim Guimarães, endossado também por Souza Ribeiro, por outros fundamentos.
Previsão constitucional
O direito fundamental posto em discussão está estabelecido no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal, relativo à possibilidade dos cidadãos deixarem de prestar serviço militar obrigatório por “imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política”, para o fim de “se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar”.
Esse direito fundamental foi regulamentado pela Lei 8.239/91, que no artigo 3º estabelece as condições para seu exercício pelos cidadãos e também define o serviço alternativo àqueles que invocarem o imperativo de consciência para se eximirem das atividades essencialmente militares.
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Apelação 0017424-78.2014.4.03.6100