Sargento Leôncio e as mortes de 1986 no quartel do 59º Bimtz; tudo começou no Detran

Na manhã de 21 de março de 1986, uma sexta-feira, passava um pouco das 7h30 quando um grupo de oficiais foi surpreendido na cantina do quartel do 59º Batalhão de Infantaria Motorizada, no bairro do Farol, em Maceió, com disparos de um Fuzil Automático Leve (FAL) acionado pelo sargento Francisco Leôncio do Nascimento.

Foram 13 tiros, dois espaçados e 10 em uma rajada. Uma das vítimas, o coronel Glênio Carvalho de Souza (48 anos), era o comandante da unidade militar e faleceu ao chegar no Pronto Socorro da capital. Uma das balas o atingiu na altura do coração, duas no abdômen e uma esfacelou sua perna direita.

O civil João Santana (32 anos) era o dono da cantina e fora barbeiro do quartel por muitos anos. Morreu no local ao ter a coxa direita dilacerada. Tinha montado o estabelecimento no cassino dos oficiais há um ano.

Ficaram feridos: Major Marco Antônio Cunha (38 anos), subcomandante da unidade. Foi atingido na cabeça e nas costas.

Se submeteu a cirurgias e seu quadro inspirou cuidados especiais por vários dias; sargento Adnair Santos Silva (30 anos), que também ficou em estado grave por algum tempo, após sofrer cirurgias; cabo Carlito Bandeira da Silva (21 anos) – era o cunhado de João Santana – foi ferido levemente.

Situação semelhante à do soldado Antônio Vieira de Souza (20 anos), que foi atingido de raspão.

Nos jornais da época consta que uma criança, no bairro do Jacintinho, também sofrera ferimentos durante a fuga do soldado Leôncio. Não foi possível encontrar detalhes sobre esse menor e como se deu o seu ferimento.

Os crimes

Dois dias antes (19 de março) das mortes no quartel, Leôncio procurou o tenente Sena e solicitou dele autorização para, no dia seguinte, ir ao Detran tratar de assunto de seu interesse.

Obteve a permissão verbal e no dia 20 de março estava no órgão estadual de trânsito, quando ali foi visto pelo major Marco Antônio Cunha, que nesse mesmo dia, por coincidência, também fora ao Detran. Ao retornar ao quartel, o oficial procurou saber se o sargento tivera permissão para se ausentar da caserna.

Como a autorização fora verbal, determinou ao comandante da Companhia de Comando e Serviço, onde estava lotado Leôncio, que punisse o subalterno. Na manhã seguinte, 21 de março, sabendo que seria castigado, o soldado Leôncio procurou o major e apresentou seus argumentos, explicando que fora autorizado pelo tenente.

Ouviu dele que não aceitava essa justificativa. Imediatamente entrou em contato com o comandante, coronel Glênio, que se esquivou dizendo que o problema teria que ser resolvido entre ele e o major.

Tentando evitar a injusta punição, voltou a argumentar com o major Cunha, que insistiu em não lhe dar ouvidos. Revoltado, foi até o corpo da guarda e tomou o fuzil de um colega e se dirigiu até a cantina “para intimidar” o major. No inquérito disse que a arma disparou em rajada e ele não teve condições de dominá-la. No relatório do Exército consta, entretanto, que inicialmente foram disparados dois tiros e que somente após essas detonações, é que houve a rajada, com dez tiros.

Militares que testemunharam a cena afirmam que Leôncio acionou a trava para o modo rajada e que segurava a arma com uma das mãos e na outra tinha os carregadores.

No interrogatório, quando perguntado se não tinha visto as outras pessoas na cantina, respondeu: “Vi que havia outra pessoa, mas na minha frente eu só via o major Cunha. Não lembro do que fiz. Depois corri para o meio do quartel porque senti que alguém estava chegando perto de mim.

Alguém disparou dois tiros.

Peguei uma carona em uma kombi e depois um táxi e me dirigi ao Recife. Só quatro dias depois, quando estava preso no Quartel General da 7ª Região Militar, em Olinda, é que soube que duas pessoas, uma delas o comandante, haviam morrido”.

No relatório enviado ao então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, pelo comandante do IV Exército, general Cerqueira Lima, em 26 de março de 1986, consta que quem efetuou os três disparos de revólver contra o fugitivo, ainda dentro do quartel, foi o capitão Rodrigues, oficial de Logística da unidade. O sargento da guarda também atirou em direção ao soldado com um Fal.

Leôncio não foi atingido.

Correu em direção à Companhia de Comando e Serviços, fez disparos contra o alojamento dos oficiais, passou por trás da 2ª Companhia de Fuzileiros e pela Garagem até chegar ao Paiol, onde se apossou de mais dois carregadores de Fal que estavam com a guarda do local, e de lá fugiu pelo matagal então existente nos fundos do quartel.

A Caçada

A enorme repercussão dos crimes fez mobilizar um dos maiores efetivos policiais da história de Alagoas. Os jornais da época anunciaram que mais de 500 soldados passaram a percorrer as ruas e estradas da capital, montando barreiras e revistando todos os automóveis suspeitos. Estavam nas ruas o Exército, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Militar e a Civil.

No ar estavam alguns aviões do aeroclube e um helicóptero do Exército, sediado em Recife.

Informados que o soldado havia se dirigido à sua casa no Jacintinho e que havia fugido dominando o motorista de uma Kombi, vários policiais foram para aquele bairro na esperança de ainda encontrá-lo em casa.

O que aconteceu no Jacintinho foi descrito no dia seguinte pela esposa de Leôncio, Ângela Maria Ramalho do Nascimento.

Em entrevista disse que sua casa quase que foi fuzilada pelos policiais. “Só não fizeram isso porque uma vizinha gritou que meu marido não estava em casa”.

Ela contou para a imprensa que ainda sentia medo ao lembrar de dezenas de soldados apontando armas em sua direção.

A caçada não surtiu efeito.

Leôncio conseguiu se deslocar, ainda armado, até Recife. Para justificar ao taxista contratado o porte do fuzil e das 250 balas, disse que tinha se perdido da tropa em um exercício militar e que precisava voltar à sua unidade. No mesmo dia, por volta das 14h40, se apresentou ao Quartel General da 7ª RM/ DE em Recife. Alertado o 4º Batalhão de Polícia do Exército, foi Leôncio preso e conduzido ao quartel daquela unidade, onde foi lavrado o auto de prisão em flagrante delito.

Inquérito e julgamento O inquérito policial militar foi entregue, inicialmente ao coronel Rubens da Silva Santos, comandante da guarnição da capital alagoana. Esperava- -se que o prisioneiro fosse transferido para Maceió, o que não ocorreu. Assim, após as primeiras investigações, todo o processo foi realizado em Recife.

Francisco Leôncio do Nascimento sustentou, quando foi ouvido, que as mortes do coronel Glênio e do civil João Pereira Santana tinham sido “sem querer” e que pretendia mesmo era se vingar do major Marcos Antônio Cunha, que constantemente o chamava de homossexual. Isso ficou evidente quando, já detido em Recife, soube das duas mortes e dos sobreviventes. Lamentou que o sargento Abnair tenha ficado ferido e disse que dele vinha recebendo algumas aulas.

Mas mostrou- -se profundamente contrariado quando, ao assinar a nota de culpa, tomou conhecimento que o major Cunha não falecera.

No dia 17 de abril de 1986, em depoimento na 7ª Circunscrição Judiciária Militar, em Recife, o militar disse que “nunca teve a intenção de matar nenhuma das vítimas, pois eu estava sob violenta emoção, depois de ter sido humilhado publicamente pelo major”.

“Quando eu perdi a cabeça, depois de ser desmoralizado pelo major, peguei o fuzil Fal e não sabia que ele estava engatilhado para rajadas. Ao acionar o gatilho, a arma disparou e eu não tive mais como controlá- -la. Tendo atingido sem querer o coronel e os demais militares que estavam nas imediações.

Eu só vim a saber o que realmente aconteceu quatro dias depois, quando estava preso aqui no Recife”, afirmou o autor dos crimes. No dia 5 de dezembro de 1986, o Conselho Permanente de Justiça do Exército, reunido na Auditoria Militar, condenou Leôncio a 30 anos de prisão.

O julgamento, que durou 13h30, começou às 8h30 e foi presidido pelo tenente-coronel José Osmar de Alencar. O juiz auditor foi Carlos Alberto Marques Soares. Na promotoria funcionou o procurador Carlos Alberto Borges. Leôncio foi defendido pelo advogado de ofício Josemar Leal Santana.

A condenação a 30 anos de reclusão se deu por ter sido o réu incurso nos artigos 205, § 2º, incisos I e IV; 205, caput; 205, § 2º, incisos I e IV, combinado com o artigo 30, inciso II; 209, § 1º, e 209, caput, este, por desclassificação, todos combinados com o artigo 70, inciso II, alínea “m”, tendo sido a pena fixada na forma dos artigos 58, 79 e 81, tudo do CPM, com aplicação, ainda, da pena acessória de exclusão das Forças Armadas, de acordo com o disposto no artigo 102, do mesmo diploma legal.

Durante os debates, a defesa pleiteou a anulação do processo sob o argumento que seu constituinte não tivera direito à ampla defesa. Foi derrotado por três votos a dois. Defendeu ainda que o crime fosse qualificado como homicídio privilegiado, com base no Código Militar, considerando que Leôncio agiu delituosamente em defesa de relevante valor moral e social.

Isso permitiria que a pena fosse reduzida para entre seis e doze anos. O pedido não foi aceito pelo Conselho.

O advogado anunciou então que recorreria da sentença ao Superior Tribunal Militar.

Na 39ª sessão, em 14 de junho de 1988, o STM rejeitou, por unanimidade, as preliminares de nulidade suscitadas pela Defesa, entretanto, no mérito, decidiu, por maioria, dar provimento parcial ao apelo da Defesa para, nos termos do artigo 81, § 1º, do Código Penal Militar, reduzir de um quarto a pena unificada, resultando em vinte e cinco anos e três meses de reclusão, confirmando, por unanimidade, a pena acessória de exclusão das Forças Armadas.

Sobre o cumprimento da pena, sabe-se apenas que foi no Presídio São Leonardo, em Maceió. Alguns comentários nas redes sociais especulam, sem comprovação alguma, sobre a possível comutação da sua pena por indulto de Natal em data remota. Se vivo estiver, Leôncio está com 64 anos de idade.

Com texto de História de Alagoas

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