Alto Paraíso (GO): a arte de transformar as flores secas do Planalto Central

Assim como os inconfundíveis traços do arquiteto Oscar Niemeyer desenhados nos concretos de várias edificações de Brasília, as flores secas do Cerrado são uma das marcas inconfundíveis do Distrito Federal. 

Trata-se da natureza local em seu estado bruto e puro. A essência da beleza rústica. 


Nas mãos de artesãos habilidosos, elas se transformam em belos arranjos montados que, há quase 50 anos, encantam moradores da cidade e turistas de todo país bem ali, em frente à Catedral Metropolitana de Brasília.

Ao todo, são dez bancas que comercializam mais de 50 tipos de espécies de cores vibrantes e díspares. 


Elas podem ser encontradas no cerrado das cidades de Santa Maria, São Sebastião, Cristalina e Padre Bernardo. Também na vegetação seca de Alto Paraíso (GO). 


Em menor escala, entre uma repartição e outra do Plano Piloto, a poucos metros da algazarra das crianças nos pilotis ou na agitação urbana das entrequadras.

São elas: pingo de ouro, sempre viva, papoulinha, amarelão, capim do cerrado, ourinho, folhas-moedas, capim-rabo-de-raposa, pireque-branco, muitas plumagens e pétalas, além, claro, de sementes e frutos de diversas árvores. 


Ah, sim, e tem a emblemática papipalon ou papipalan, a preferida de Lucio Costa [urbanista] e Oscar Niemeyer que, dizem os entendidos, o inspirou a projetar a Torre Digital. “Onde ela dá, parece um tapete branco”, explica Pedro dos Santos Fernandes, o mais antigo dos floristas da Catedral.

Quando ele começou a vender os artefatos naturais do cerrado, tinha de sete para oito anos. Isso era início dos anos 70, pouco antes da inauguração da Catedral, em maio de 1970. 

Aprendeu o ofício com o pai, Dionísio, paraibano que chegou à nova capital no final dos anos 60 para encarar a construção civil. Não deu pé. Primeiro porque os canteiros de obras já estavam lotados de operários e, depois, porque achou o trabalho nos canteiros de obras pesado demais.

“Como ele gostava de mexer com flores lá não foi difícil de se adaptar aqui”, conta Pedro Fernandes, hoje beirando os 60 anos. “Só que aqui ele encontrou uma variedade rica e única”, constata.

Alquimia verde

No livro, “O Menino do Dedo Verde” (1957), do francês Maurice Druon, Tistu é um guri com dom especial para lidar com flores. Numa espécie de Rei Midas da natureza, tudo que ele toca se transforma em arranjos de beleza única, jardins ornamentais.

Impressionante a mágica que os “floristas” da Catedral Metropolitana fazem com as folhas, sementes, hastes, plumagens e flores que colhem pelo cerrado. 


É um tipo de artesanato genuíno e autêntico, 100% não industrializado que faz parte da história da nossa cidade. Assim como os prédios de Niemeyer e o estilo urbanístico de Lucio Costa, um de nossos cartões postais.

Verdadeiros alquimistas do verde, eles vão criando composições artesanais das mais criativas formas, combinações perfeitas que encantam turistas, influenciam designers, lojas de decorações, compartilhando um pedacinho de Brasília com o resto do país. 


“Você tem que colher uma flor de qualidade, de primeira. Se pegar no tempo certo ela dura até 10 anos. Agora se pegar fora do tempo não dura um mês”, ensina o experiente Pedro. “Eu amo mexer com as flores do cerrado, peguei amor pela profissão”, confessa.

Dois tipos de técnicas fazem sucessos na barraca dos artesãos de flores há décadas. As duas exigem dedicação e paciência num processo que vai da colheita ao armazenamento, passando pela desidratação, fervura em soda cáustica, clareamento com cloro, transformando-as em folhas esqueletizadas.

Banhadas com material da cor de ouro, elas brilham ao sol. Já as flores pintadas na anilina, com tinta especifica para couro, palha e flores, demoram mais a ficar pronta – cerca de seis horas. Ambas fazem os turistas suspirarem de encanto e surpresa.

“Eu nunca tinha visto esse tipo de trabalho antes. Lá em Belo Horizonte temos um mercado central que vende muito artesanato. Mas nada parecido”, comenta a designer de moda mineira Raquel Bacellar. 


“A cultura nordestina é muito rica nesse tipo de trabalho manual, até conhecemos algumas dessas flores, mas eu nunca tinha visto algo tão original e belo feito com elas”, comenta o empresário pernambucano Valdir Villar. 

O experiente Pedro conta que os brasilienses compram bastantes, mas os turistas de fora são imbatíveis. “Ao contrário do que parece elas são fáceis de carregar e não estragam fáceis”, tranquiliza.

E ao que tudo indica muitos turistas ainda vão se deslumbrar com a beleza bucólica das flores secas do cerrado. Isso porque se trata de uma tradição que passa de pai para filho, como aconteceu com seu Pedro, perpetuada na família. 


“Eu aprendi esse ofício com o meu tio, se eu não mexesse com flores, nem sei o que seria”, lembra o cearense Guajará Ferreira de Paula, desde os 18 anos no ramo. “Os filhos ajudam tanto na venda, como na colheita. Vou com o grupo para o mato”, revela Pedro.

Fonte: Agência Brasília

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