Artigo: agricultura familiar, instrumento de fixação do homem no campo
Por Ari Santana de Menezes[1], (13/08/2022)
Colaborador: Marco Antônio Pereira da Silva[2]
Responsável maior pelo sustento da nação brasileira, a agricultura familiar se configura em um segmento muito especial da economia brasileira. E, ao me referir à palavra “sustento”, falo do direito literalmente de uma das necessidades básicas do ser humano, que é o de se alimentar dignamente.
É a agricultura familiar que garante esse direito, tanto em quantidade como em qualidade. E, certamente, não é por falta do esforço e da capacidade dos trabalhadores desse segmento que, constantemente, nos horrorizamos com dados estatísticos sobre a fome no País, em reportagens nos meios de comunicação.
A despeito do pouco incentivo (e também da falta de informação sobre os incentivos que existem) para com aqueles marginalizados do campo, que vivem à mercê de uma renda miserável para sobreviver com sua família, a agricultura familiar resiste, com muita força, numa luta que começa nas primeiras horas do dia. Em regra, o agricultor se levanta da cama antes de o sol nascer, seguindo rigorosamente o ditado popular, segundo o qual “Deus ajuda quem cedo madruga”.
Ele faz o café, come a farofa ou o beiju e segue para a plantação, com a fé e a esperança de que seu papel será cumprido, e que o resultado de seu trabalho trará felicidade e bem-estar para muitas pessoas.
Essa lida diária é pautada pelo respeito ao meio ambiente, onde o agricultor faz uso adequado do solo, preservando nascentes e cursos d´água e demais recursos naturais. Pois o agricultor familiar sabe que precisa desses recursos para continuar sobrevivendo.
Assim, ao semear a semente no campo, ele gera alimento para que todos possam viver mais e melhor. Ao mesmo tempo, exerce importante função social, gerando emprego e renda, pois o excedente de sua produção acaba vendida, em geral, nas feiras, nos mercados, nas ruas e nas casas das regiões onde vive.
O agricultor familiar sabe que, na roça, há fartura, e dificilmente alguém vai passar fome, quando se tem vontade de trabalhar. E todos dão as mãos uns aos outros. Ao cultivar a união e a divisão justa do trabalho, esse trabalhador propicia a socialização da produção e o escambo, ao trocar milho por arroz, farinha por feijão, queijo por rapadura e muito mais.
Ou seja, o comércio não é realizado somente com o dinheiro, mas também à base de trocas – até mesmo na mão de obra existe essa tradição. Bem diferente do grande agricultor brasileiro – que também tem seu valor, mas produz para exportação – o agricultor familiar reserva o fruto do seu trabalho à alimentação do brasileiro.
Lembro-me que, no Distrito Prata, município de Monte Alegre de Goiás, quando o governo federal incentivava as roças comunitárias, os agricultores plantavam e, após a colheita, dividiam o lucro com o dono da terra. Era gratificante chegar à época da colheita, repassar a parte ao dono da terra e ainda ficar com 14 sacos de arroz de 60 kg. Por que esses incentivos acabaram?
Quero, ao citar o exemplo, enfatizar quanta felicidade traz ao lavrador ter em sua despensa muitos sacos de arroz, feijão e farinha, rapadura, queijo e algumas dezenas de abóboras. Essa é a garantia de que o pai de família terá condições básicas para alimentar seu grupo durante algum tempo, inclusive quando “invernar” (tempo de chuva), e não tiver condições de trabalhar ou realizar qualquer tipo de serviço.
Os resultados poderiam ser ainda mais ricos, se os pequenos proprietários rurais tivessem maior acesso aos incentivos públicos. Talvez por falhas nas atividades de extensão rural, que poderiam levar esclarecimentos à população rural, muitos produtores não têm o conhecimento de que existem programas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que os auxilia com crédito agrícola.
E aqueles que não têm essa informação e que desistem da lida no campo, acabam aumentando as estatísticas do êxodo rural. Muitas pessoas, principalmente jovens, por falta de oportunidades, migram para a cidade em busca de emprego e renda. Porém, o sucesso é controverso. Posso relatar o que sempre acontece no Distrito Prata.
O destino da maioria das pessoas que terminam o Ensino Médio no Distrito é ir embora, principalmente para Brasília ou Goiânia. Mas 90% dos que saem, retornam depois de três ou quatro anos, sem ter conseguido sequer comprar uma moto. Enquanto aquele irmão seu que ficou na lida do campo conseguiu comprar moto e carro. Ou seja, os incentivos para fixar o trabalhador no campo existem; mas, como disse acima, falta muita informação.
Pedir a essa pessoa que deixe a vida no campo é a mesma coisa de pedir a um indígena que vive na floresta que deixe de pescar e caçar. E, apesar das transformações que o mundo vem sofrendo, para muitos, a agricultura familiar ainda hoje representa tudo, inclusive a garantia de viver bem sem deixar o campo. Se houver planejamento, é possível alcançar bons resultados.
É possível viver da terra. No campo, não há muitos dos gastos que o retirante fará na cidade grande, como aluguel, transporte e, principalmente, alimentação. E, para quem nasceu e cresceu no campo, transmitindo de geração a geração seus saberes – cuidar da terra, plantar a semente – sentem-se felizes quando a chuva cai e agradecem a Deus, pois é grande a certeza da colheita.
Além do mais, a agricultura exerce um sentimento de harmonia entre o núcleo familiar. O que a torna extraordinária não é a necessidade daqueles que a têm nas veias, mas o amor que é empregado no manejo, desde o plantio até a colheita, a qualidade dos alimentos, o respeito mútuo, que garante o equilíbrio e a integridade do meio, cujo depende a nossa sobrevivência: por nome de natureza.
[1] Formado em Tecnologia em Agroecologia pela Universidade Estadual de Goiás, Discente da Especialização em Produção de Ruminantes pela Faculdade Unyleya, Mestrando em Zootecnia pelo IF Goiano – Campus Rio Verde.
[2] Zootecnista, Mestre em Zootecnia Área de Produção Animal, Doutor em Ciência Animal área de Higiene e Tecnologia de Alimentos.