Após ser adiado três vezes, júri popular de responsáveis pelo assassinato do jornalista Valério Luiz está marcado para 13 de junho

No próximo dia 13 de junho, o Plenário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) será palco do júri popular que decidirá sobre o futuro dos réus acusados pelo assassinato de Valério Luiz, morto com cinco tiros, em 5 de julho de 2012, ao sair da rádio em que trabalhava.

Radialista e jornalista esportivo, a vítima era conhecida por seus comentários críticos e diretos.

A motivação do crime, conforme aponta o inquérito policial, foi a atuação de Valério Luiz como jornalista.

Cinco pessoas estão sendo acusadas de envolvimento ou participação, entre elas, o açougueiro Marcos Vinícius Pereira Xavier; o cabo Ademar Figueiredo Aguiar Filho e o sargento reformado Djalma Gomes da Silva, ambos da Polícia Militar; além de Maurício Borges Sampaio, ex-cartorário e ex-presidente do Atlético Clube Goianiense, suposto mandante do assassinato, e Urbano de Carvalho Malta, que era seu funcionário.

Valério Luiz foi torcedor do clube, um recorrente alvo de seus comentários na rádio onde trabalhava.

Conforme aponta o filho do jornalista e assistente da acusação, Valério Luiz Filho, o atrito entre o comunicador e o ex-presidente do time vinha de longa data.

A relação entre a cobertura jornalística esportiva e a atuação do suposto mandante não é ocasional, e explicita a conexão entre o assassinato e o exercício da liberdade de expressão – onde o primeiro opera como meio de inviabilizar o segundo.

Durante estes quase dez anos em que o crime restou sem resolução, Maurício Borges Sampaio buscou meios de atrasar o julgamento e de impedir que o caso de homicídio fosse levado a júri popular – tentativa que não prosperou.

Ainda assim, o júri foi adiado por diversas vezes sob diferentes justificativas, a exemplo do adiamento, em 2019, a partir da alegação do juiz responsável de que não haveria estrutura para comportar julgamento de tamanha repercussão no Foro correspondente.

Desde 2020, a pandemia de COVID-19 prejudicou ainda mais a realização do julgamento, uma vez tendo sido determinado o adiamento de júris pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em 2 de maio deste ano, às vésperas do dia mundial da liberdade de imprensa, a defesa de Maurício Borges Sampaio inviabilizou a realização do julgamento, mais uma vez, ao deixar o plenário do júri junto do acusado, sendo que o procedimento deve obrigatoriamente contar com a presença de ambos.

A defesa alega que o júri não pode ser realizado até que o CNJ decida sobre a imparcialidade do juiz que preside o júri e sobre a incompetência da 2ª Vara do TJ-GO para a realização do procedimento, o que invalidaria a composição do quadro de jurados.

As denúncias foram apresentadas ao CNJ somente no final da semana que antecedeu a data marcada para realização do júri, de maneira que qualquer decisão sobre o caso dificilmente teria ocorrido até o dia 2.

A defesa foi multada pela manobra em 100 salários mínimos (aproximadamente R$ 121 mil), e contesta a multa em procedimento apartado junto à Ordem dos Advogados do Brasil de Goiás (OAB-GO; MS Criminal n. 5270542-23), no qual foi suspensa liminarmente a cobrança. Importante destacar que a aplicação de multa por abandono do júri está em conformidade com a legislação processual penal e que o TJ-GO já decidiu por não sobrestar o procedimento aguardando a resolução dos procedimentos apresentados pela defesa de Maurício Borges Sampaio. Desse modo, os argumentos da seção estadual da OAB carecem de fundamento.

As violações contra comunicadores representam também violações ao direito fundamental e humano à liberdade de expressão; e a impunidade, nesse sentido, figura como meio de silenciamento, marcando a categoria pelo medo e pela insegurança a partir da falta de respaldo das autoridades.

A impunidade tem proporções e impactos tão severos no Brasil que, em 2015, o País foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA) pela ARTIGO 19, organização que atua pela defesa e em promoção do direito à liberdade de expressão e acompanha o caso desde o início.

Na oportunidade, o caso de Valério Luiz foi destacado, contando com o depoimento de seu filho sobre a ausência de responsabilização dos acusados.

Denise Dora, diretora-executiva da ARTIGO 19, espera que o julgamento contribua para o avanço na busca por justiça. “Temos vivenciado, nos últimos anos, um aumento expressivo das violações contra jornalistas e comunicadores no Brasil por meio de graves ameaças e censura.

O julgamento nesta semana, em que se celebra a memória de Tim Lopes, jornalista assassinado há 20 anos, deve mandar uma mensagem para a sociedade, de que esses crimes não ficarão impunes e que a justiça está ao lado da liberdade de imprensa, da dignidade de jornalistas e da vida”, explica.

Segundo o relatório “O ciclo do silêncio: impunidade em homicídios de comunicadores”, elaborado pela organização, a impunidade nesses casos é quase sempre a regra, buscando eliminar fisicamente pessoas consideradas inconvenientes pela ação investigativa que realizam ou pelas críticas que desestabilizam relações locais de poder.

Geralmente, quem comete o crime contra a vida de um comunicador no Brasil dificilmente é responsabilizado judicialmente e, quase sempre que isso ocorre, apenas os pistoleiros são punidos, não os mandantes.

Dados do Relatório Global de Expressão, publicado anualmente pela ARTIGO 19, apontam que, apenas em 2020, as violações contra jornalistas e comunicadores somaram 254 casos. No mesmo ano, o País registrou a menor pontuação brasileira no indicador de liberdade de expressão desde a primeira medição, em 2010.

Sobre a ARTIGO 19

A ARTIGO 19 é uma organização não-governamental que atua pela defesa e em promoção do direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo.

No Brasil desde 2007, desenvolve ações e parcerias distribuídas em cinco frentes: Direitos Digitais; Transparência e Acesso à Informação; Espaços Cívicos, em especial sobre liberdade de manifestação; Liberdade de Mídia; e Proteção a Comunicadores e Defensores de Direitos Humanos. Fundada em Londres em 1987, a ARTIGO 19 também conta com escritórios em Bangladesh, Estados Unidos, Inglaterra, México, Quênia, Senegal e Tunísia.

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