Roubo de R$ 990 mil em criptomoedas na Chapada teria sido encomendado
Ao menos mais uma quarta pessoa, além dos três policiais civis goianos, teria participação no roubo de cerca de R$ 990 mil em criptomoedas do empresário mineiro Renan Batista Silva, de 32 anos, em uma pousada de Alto Paraíso de Goiás no último sábado (5).
A vítima contou em oitiva que durante a abordagem os policiais conversavam com uma outra pessoa por celular.
O agente William Ribeiro da Silva, de 40 anos, contou em depoimento que teria se deslocado de Cristalina, onde reside, até a Chapada dos Veadeiros a pedido de um outro colega policial que estaria fazendo um serviço para um suposto credor de Renan. Os três policiais civis receberiam, segundo ele, R$ 50 mil, cada um, pelo serviço.
Renan estava na região da Chapada em busca de um local para construir uma pousada. Chegou na sexta-feira (4). No dia seguinte, após fazer umas trilhas com um amigo e um homem que contratou para fazer imagens de drone, decidiram ir o distrito de São Jorge para almoçar.
No caminho, eles foram abordados por três pessoas em uma Land Rover com o giroflex policial ligado: William, o agente Reges Alan Alves dos Santos, de 32 anos, e o papiloscopista Antonnio Henrique Afonso Alves, de 38.
Os seis voltaram para a pousada onde Renan estava hospedado, em Alto Paraíso e lá se dividiram. Reges e Antonnio ficaram com o empresário, enquanto William vigiava os outros dois.
Em depoimento na delegacia, Renan disse que os policiais se identificaram como tais e primeiro buscaram por drogas e armas no veículo em que estavam, depois, sem terem encontrado nada, passaram a exigir dele que transferisse cerca de R$ 2 milhões em criptomoedas. Como ele negou ter essa quantia, os policiais passaram a ameaçá-lo.
Ainda na abordagem inicial, os policiais teriam demonstrado possuir informações sobre Renan, apresentando uma espécie de pasta com um dossiê e nomes de pessoas próximas a ele. Depois começaram a empurrá-lo, enforcá-lo, encostar a arma em seu rosto e dentro da boca, dizendo aos gritos que iriam matá-lo. O empresário diz ter sido agredido com socos e chutes e sido trancado no banheiro, quando ouviu um dos policiais perguntando sobre o silenciador da arma.
Após uma varredura em 20 carteiras virtuais de criptomoedas, Renan repassou para uma conta indicada pelos policiais 4.485 bitcoins, o equivalente a R$ 990 mil e se comprometeu a repassar o restante em até 24 horas.
Chamou a atenção da vítima o fato de eles apontarem detalhes pessoais seus, como nome e endereço de parentes, e também as conversas deles com uma outra pessoa por celular, como se buscassem orientações sobre como proceder.
Foram cerca de duas horas sob a mira dos policiais até ser liberado. O depoimento dele bate com o dos outros dois amigos que ficaram rendidos com William. Um deles disse ter ouvido de um dos policiais que pegaram a pessoa errada e que estavam atrás de um sócio de Renan, homônimo.
Serviço “por fora”
William foi preso em sua casa, em Cristalina, no Entorno do Distrito Federal, por volta das 23h30 de sábado, a cerca de 350 quilômetros do local onde Renan teria sido roubado. Por volta das 20h30, ele e os dois comparsas conseguiram escapara de uma abordagem da PM na GO-436, a 56 quilômetros de Cristalina. Como os policiais militares não tinham a ocorrência em mãos, liberaram o trio. Depois, ao descobrirem que foram enganados pelos policiais civis, foram até a casa de William, que se entregou.
No dia seguinte, o agente preso contou sua versão, de que havia sido chamado por Reges para ir os dois mais Antonnio até Alto Paraíso cobrar uma dívida para um credor de Renan que o contratou.
Essa dívida estaria relacionada a um suposto esquema de pirâmide em criptomoedas no qual o empresário foi investigado em 2017 e que teria deixado uma dívida de R$ 450 milhões a investidores de nove países da América Latina.
Em seu depoimento, William dá a entender o envolvimento de uma quinta pessoa, que teria emprestado o veículo usado para a viagem até Alto Paraíso. Pelo nome, seria essa pessoa quem conversou com os policiais no celular já com Renan de refém. O agente afirmou não se lembrar do nome do suposto credor, apenas que era da Colômbia ou Venezuela e morava em São Paulo.
O agente também disse que eles voltaram para a pousada a convite do próprio Renan, porque lá o sinal de internet era mais estável, que ficaram apenas 15 minutos com o empresário, e negou qualquer agressão ou ameaça.
O policial também se disse injustiçado, pois não teve contato com Renan e achava se tratar apenas de uma “cobrança de dívida amigável”. Segundo ele, apenas os outros dois colegas estavam armados, mas admitiu o uso do giroflex na hora da abordagem.
Prisão preventiva
Aparentemente, apenas William está preso, preventivamente. A Polícia Civil informou sobre os outros dois apenas que eles se apresentaram espontaneamente no começo da semana, após o período de flagrante, e que foram expulsos do estágio que faziam na Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) do Grupo Tático 3 (GT3), uma unidade de elite da Polícia Civil.
Já William estava lotado na delegacia de Cristalina.
A corporação deu poucas informações sobre o caso. Por nota, disse apenas que o caso é investigado pela Gerência de Correições e Disciplina e que esta não se pronunciará neste momento “para que as investigações não sofram intercursos”. “Em momento oportuno, a sociedade será informada de mais detalhes do caso.”
A Polícia Civil também informou que ambos estavam de folga no dia e não foram usados armamentos da Core/GT3.
“Os policiais serão recolhidos do Grupo Tático nesta segunda-feira (7) e colocados à disposição da Superintendência de Polícia Judiciária (SPJ).”
Em consulta ao site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), o único nome que aparece com processo aberto relacionado a este caso e como preso é William.
O POPULAR pediu mais informações sobre a situação dos policiais, além de uma entrevista com a direção da Polícia Civil, mas sem sucesso. Não foi informado porque o nome de William não aparece na folha de pagamento disponível no site do governo de Goiás.
A reportagem entrou em contato com os advogados de William e de Renan. O primeiro chegou a informar que ainda estava assumindo a defesa do policial, mas não passou o contato do advogado dativo. Já o segundo não retornou o recado.
Agente responde por abuso de autoridade e tortura
O agente de polícia William Ribeiro da Silva já responde na Justiça por outras acusações: uma de tortura, em 2016, e outra de abuso de autoridade, em 2018.
Esta última, inclusive, em conjunto com Reges Alan Alves dos Santos, que o teria chamado para ir até Alto Paraíso no final de semana. Um dos argumentos usados pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) para conseguir reverter em preventiva a prisão de William na segunda-feira (7).
O agente – que foi candidato a vereador em Cristalina em 2020, conseguindo 158 votos (metade do obtido pelo colega de partido eleito com menos votos) – é acusado com Reges de ter invadido uma residência na cidade há quase quatro anos, onde alegam ter encontrado drogas, culminando na prisão de dois homens.
No processo, para justificar ausência em uma audiência, William informou que estava em um curso do GT3 da Polícia Civil em Goiânia e apresentou uma lista de alunos, em que apareciam também o nome de Reges e de Antonnio Henrique Afonso Alves.
Já em relação ao outro processo, William é acusado de ter espancado com outro policial um foragido da Justiça em Luziânia. Em ambos os casos, a defesa diz que se tratam de denúncias feitas pelos suspeitos dos crimes para se livrarem da punição.
Em 2017, empresário diz ter sido vítima de roubo de R$ 280 milhões
O nome do empresário mineiro Renan Batista da Silva ganhou destaque na imprensa em outubro de 2017, quando ele disse ter sido vítima de um sequestro no qual os criminosos levaram dele 34 mil bitcoins, o equivalente, na época, a R$ 280 milhões.
Foi quando a empresa da qual ele era sócio parou de fazer os pagamentos mensais a investidores que apostavam nas criptomoedas.
Foi noticiado na época que a Polícia Civil de quatro Estados (Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais e Pernambuco), além do Ministério Público Federal (MPF) estavam investigando uma suspeita de pirâmide com moedas virtuais capitaneada pela empresa de Renan.
Reportagem publicada no jornal Valor em novembro de 2017 diz que 40 mil pessoas podem ter sido vítimas.
O POPULAR não achou nenhum processo envolvendo a empresa na Justiça dos quatro Estados nem na Federal.
O nome de Renan também não aparece. Em entrevista ao Metrópoles na segunda-feira (7), ele disse que tudo estava resolvido.
Fonte e texto: O Popular