O mundo já começa a passar fome


As recentes imagens de tumultos contra o aumento dos preços dos alimentos, em países de diferentes continentes, do Haiti a Moçambique ou ao Egipto, transmitidas pelas televisões de todo o mundo, constituem um alerta para a possibilidade de grande turbulência social e política.

Desde meados do ano passado, têm vindo a eclodir manifestações e movimentos de revolta em vários países. Ruas de cidades de Moçambique, Haiti, Costa do Marfim, Uzbequistão, Iémen, Bolívia, Indonésia e Egipto foram alguns dos cenários de confrontos durante protestos contra subidas de preços.

A forte possibilidade de que o mundo atravesse um período de turbulência financeira, com efeitos recessivos quer nos mercados dos países desenvolvidos, quer nos emergentes, associada à carestia dos alimentos básicos, poderá tornar-se um autêntico barril de pólvora em muitos países. E, mesmo nos países do chamado primeiro-mundo, de velhas e experimentadas estruturas democráticas de organização (e contenção) política e social, a tendência para a instabilidade poderá acentuar-se rapidamente.

“Existe uma possibilidade muito real de instabilidade social e essa é uma ameaça que o mundo deve encarar com seriedade”, disse o porta-voz do Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP), Gregory Barrow, em declarações à BBC.

Desde meados do ano passado, os preços dos alimentos aumentaram em média 40% nos mercados mundiais e os de produtos básicos como o trigo, duplicaram. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, declarou que, a menos que países ricos forneçam fundos, “muitas pessoas vão passar fome”. Zoellick afirmou que 33 países já enfrentaram problemas sociais por causa da crise.

Em Portugal, país da Zona Euro da União Europeia, a pobreza tende a aumentar. Os números mostram a persistência de elevada taxa de desemprego, crescente sub-emprego e profundo descontentamento popular. No Brasil, país do optimismo e beneficiado por uma natureza geralmente generosa, a política governamental, tão louvada, dentro e fora de fronteiras, maquilha uma face perversa de crescente desequilíbrio social. A par dos programas assistencialistas – bons no momento, mas de futuro duvidoso – o governo promove políticas que, a prazo, poderão agravar os desequilíbrios sociais e económicos do país.

A forte aposta estratégica do Brasil nos biocombustíveis, como alternativa à escassez internacional dos combustíveis fósseis, poderá tornar-se um factor de acrescida instabilidade. O cultivo extensivo de oleaginosas e de cana-de-açúcar para a produção de biodiesel e etanol repercute negativamente na produção de alimentos.

Os recentes aumentos dos preços de produtos alimentares básicos, como o feijão ou os óleos alimentares, sinalizam futuros problemas. O crescimento do desmatamento em várias regiões do país é já um deles. Por enquanto, o Brasil é um exportador e um dos maiores beneficiados da alta de preços. Os fazendeiros brasileiros de soja, milho e cana-de-açúcar devem continuar a se beneficiar, avaliam os técnicos das Nações Unidas. Mas, será que esse benefício reverte a favor do país? Ou será mais um factor de instabilidade?

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