Catador virou mendigo
O catador Bonfim Pereira tem pouco mais de 50 anos de idade, mas aparenta ser muito mais velho.
Ele foi vítima do grande mal que afetou e ainda aflita grande parte da população do nosso país: pobreza, trabalho diário ao sol, falta de alimentação adequada, falta de um emprego decente e dignidade.
As rugas em seu rosto contam uma história semelhante a de muitos brasileiros.
Pelas idas e vindas à procura de melhoras em sua condição social, andou pela Bahia, Tocantins e Goiás.
Fixou-se definitivamente em Campos Belos acerca de 20 anos, onde constituiu família e uma casinha na periferia da cidade.
Morador de um bairro próximo ao lixão, logo encontrou nos rejeitos urbanos uma fonte de renda e meio de sobrevivência.
Não sabia ele, há 14 anos, que aquela profissão iria se tornar um dos ofícios mais benéficos para humanidade e um dos mais valorizados no mundo civilizado.
Do poder público, recebeu um voto de confiança e a promessa de que sairia da informalidade, do improviso.
Deixaria de ser um simples catador de papelão e passaria a ter uma profissão.
Com investimento da Prefeitura da Cidade, em meados da década de 90, ganhou, juntamente com cerca de duas dezenas de colegas de profissão, uma dádiva: uma usina de reciclagem, com maquinaria completa, da esteira de separação à máquina de prensagem.
Mal sabia ele que aquilo poderia se tornar um passaporte para uma vida digna. Migraria da pobreza para o ambiente de uma microempresa.
A usina significaria a criação de uma associação e a chegada de uma série de outros privilégios, como o fortalecimento do grupo social e a obtenção de uma renda básica mensal.
Seu portfólio de negócio cresceu e logo passou a incluir alumínio, garrafas pets, plásticos, papelão, metais diversos.
Um sonho para aqueles homens e mulheres, inseridos no último degrau da escala social de uma cidade do interior.
Mais os desafios advindos de todo trabalho não dependeriam apenas da força de vontade daquele grupo. Não dependeriam apenas de seus trabalhos diário e braçal.
Mais do que isso, precisariam do apoio público irrestrito, de um acompanhamento intelectual e assessoramento firme e direto, para que o negócio pudesse prosperar.
Afinal, o ofício não era só catar e selecionar o lixo. Alguém também teria que negociar, transportar, encontrar um destino correto e lucrativo para os produtos.
E era nesse ponto que mais necessitavam do Poder Público. Como acontece em milhares de prefeituras Brasil afora, os planejamentos de governos são apenas para 4 anos.
As idéias postas em prática por um administrador não servem aos anseios de gestor seguinte.
E foi isso que aconteceu com a usina de reciclagem de Campos Belos. Mal começou os anos 2000, os parcos recursos foram cortados.
O pouco apoio que ainda existia fora se escasseando até chegar ao total abandono.
O Poder Público desistiu e muitos dos catadores também. As dificuldades só aumentaram. Os compradores desapareceram e os preços despencaram. Hoje, os produtos compráveis estão bem abaixo de qualquer mercado competitivo.
Mas Sr. Bonfim, ao largo de seus 50 anos, apesar de solitário, continua ali, firme, separando e reciclando o que sociedade rejeita.
Entretanto, a mercê da sua insistência em não parar, é um catador desempregado. Vítima não da crise econômica, mas do descaso de meia dúzia de pessoas que tinha o dever de apoiá-lo.